Capítulo um

Roania, o centro de todos acontecimentos estranhos do passado, era uma bela, pacata e diminuta cidade. Seu centro resumia-se a uma pequena praça. A economia do local era baseada na agricultura e no comércio local, só havia uma fábrica pequena instalada na cidadela. O município era adornado por inúmeras árvores, lagos e uma pequena cachoeira que encontrava-se dentro da mata que ladeava o lugar. O índice de criminalidade de Roania era razoavelmente baixo, apenas pequenos furtos eram vivenciados com mais frequência. Dava-se para contar nos dedos o número de mortes.

Um dos pontos importantes da cidade era a montanha Cirana, que sempre fora considerada como sagrada. Havia a persistente história em torno dos demônios que tinham sido subjugado naquele local, muitos achavam que era apenas uma lenda; outros acreditavam devotamente no acontecido. Por isso, o local era alvo frequente de visitas. Pessoas subiam até o alto da montanha somente para rezar e até mesmo depositar oferendas ou fazer promessas. Havia ainda aqueles que gostavam de meditar naquele lugar. Um grande misticismo era depositado ali.

A Montanha Cirana não era tão alta e com o tempo escadarias foram construídas para chegar-se com mais facilidade ao topo. Do cume, tinha-se uma bela visão de toda Roania, as pessoas adoravam contemplar a cidade dali.

Outro ponto de destaque de Roania, era o Templo de Cirana, onde estava guardada a Urna Imaculada de Almas. Era outro artefato de extrema importância da história da cidade. O templo era muito antigo, existindo no local desde a fundação de Roania há quatrocentos anos, contudo fora rebatizado como Templo de Cirana quando este acolheu a Urna com os demônios capturados na montanha de mesmo nome.

A Urna esteve sempre lá, presente. Entretanto, a dúvida era costumeira entre as pessoas. Havia mesmo demônios enclausurados naquele receptáculo? Apesar das incertezas, ninguém quis atrever— se em abrir a tal urna, preferiam não arriscar.

O Templo de Cirana era pequeno e bem ornamentado. Possuía lindos vitrais e esculturas ainda mais belas, muitas delas esculpidas em ouro. Geralmente eram custeadas pelos moradores de mais posses da cidade. Havia ainda uma pequena biblioteca em seu interior.

Padre Roberto era o atual responsável pela guarda do artefato, assim como seus dois auxiliares e aprendizes, Ciro e Rodolfo. Talvez a Urna Sacra fosse o item mais valioso daquele lugar, não pelo seu material, mas sim pela história que a envolvia.

Rodolfo e Ciro eram bons rapazes, ambos de famílias de bem. Ciro tinha dezesseis anos e Rodolfo vinte e dois. A presença de ambos era constante no templo.

Ciro era um garoto despreocupado, típico de sua tenra idade. Não era muito bonito nem mesmo zeloso com sua aparência. Vestia-se de forma desleixada, seus cabelos estavam sempre bagunçados, quase sempre deixava de cortá-los, isso só era feito com muita insistência de seus pais. Passava o dia comendo, vez ou outra havia farelo de bolo ou biscoito em suas roupas. Estava sempre alegre, ostentando um sorriso em seu rosto.

O companheiro de Ciro era muito diferente. Rodolfo gostava de estar sempre bem vestido, barba feita e cabelos alinhados. Muitas moçoilas iam ao templo somente no intuito de admirá-lo. Apesar de não ater-se a isso, a admiração das garotas enaltecia seu ego.

O padre prezava pela segurança da urna e cobrava muito a atenção e cuidados dos rapazes, principalmente de Ciro que era mais desligado. Uma vez, em sua falta de concentração, Ciro esqueceu-se de trancar o templo; em outra ocasião esqueceu-se de guardar a urna após um dia de exposição da mesma. Fora repreendido duramente pelo padre.

O jovem Rodolfo era muito sério, de poucas palavras, o oposto de Ciro. Ele estava sempre muito atento a tudo o que padre falava, absorvia sempre seus ensinamentos com extrema facilidade. Conhecia cada canto daquele sagrado espaço de orações da cidade. Estava sempre mexendo e organizando tudo com parcimônia.

O tutor dos rapazes costumava dividir as tarefas dos dois em partes iguais, esperava o mesmo desempenho de ambos. Apesar do padre estar sempre pegando no pé de Ciro com maior frequência, não fazia diferenciação entre eles, gostava muito dos rapazes da mesma forma.

Rodolfo não concordava muito com a maneira de tratamento igualitária. Ele acreditava que deveria receber uma atenção privilegiada, pois já estava lá há mais tempo que Ciro e considerava sua dedicação ao templo melhor que de seu companheiro. Seu modo de pensar acabava por deixá-lo constantemente de mau humor.

Padre Roberto, muitas vezes percebia o desconforto do rapaz e costumava tentar amenizar a situação.

— Entenda, Rodolfo, ele ainda é muito jovem. Precisamos auxiliá-lo para que se torne um adulto tão responsável quanto você.

— Desculpe, padre. É que às vezes ele realmente me irrita. Falta-me paciência.

— O Ciro é um bom garoto.

— Prometo que vou tentar ter mais paciência com ele.

— Fico feliz.

                                                         ***

Os dias iam passando-se e Rodolfo até tentava ser mais complacente, contudo a displicência de Ciro muitas vezes o tirava do sério. O garoto, por sua vez vivia desculpando-se por seus deslizes com um habitual sorriso no rosto, o que amenizava um pouco a situação. Mesmo assim, Rodolfo alfinetava o garoto com muita seriedade.

— Olhe só, Ciro. Você esqueceu-se de novo de trocar a água dos vasos, era sua tarefa fazer isso. Olhe como isto está mal cheiroso. Está me dando ânsia. — Ele erguia um vaso de vidro que já tinha sua água em putrefação.

— Perdoe-me, fui mesmo muito relapso, prometo não me esquecer de novo.

—Você está sempre prometendo melhorar. Precisa começar a cumprir suas promessas, Ciro. — Rodolfo respirou fundo e tentou manter sua voz tranquila.

— Sinto muito mesmo. — O rapazote sempre ficava abalado com os próprios deslizes.

Ciro era sincero em suas palavras, todavia algo sempre acabava lhe desviando as atenções. Ora era um livro da biblioteca que prendia sua concentração, ora um quitute que precisava deliciar-se com certa urgência e algumas vezes a presença da jovem e bela Pilar, esta sim, era a maior causadora dos contratempos que acometiam a prudência dele. A jovem estava sempre saracoteando por ali junto as suas amigas. Ela comparecia quase todos os dias no templo, somente por causa de Rodolfo. Era apaixonada por ele, porém o sentimento não era recíproco.

Pilar estava no auge de seus dezoito anos. Era uma garota alegre e tagarela, estava sempre bem vestida e perfumada. Tinha longas madeixas douradas. Rodolfo achava que ela era uma garota muito atirada, não gostava do comportamento dela. Em contrapartida, Ciro suspirava toda vez que a moçoila adentrava o local. Seus olhos negros e singelos, brilhavam a cada palavra despejada por Pilar, tudo soava como poesia para ele.

O fato de Rodolfo não dar a mínima atenção à garota, corroborava para que ela passasse muito tempo dialogando com Ciro. Era uma forma de ela estar presente ali. No fundo ela até gostava de conversar com o rapazote, pois ele era um dos poucos que tinha paciência infinita para ouvir as inúmeras histórias que ela gostava de explanar.

O coração de Rodolfo pertencia a Kátia, uma das amigas de Pilar. Ela era apenas um ano mais velha que Pilar. Costumava estar junto a ela algumas vezes em suas visitas ao templo. Kátia era uma garota um pouco mais reservada, em certos momentos apresentava certa timidez. Sua mãe era japonesa e ela herdara os traços orientais de sua mãe. A jovem mestiça não apresentava vaidade. Não usava maquiagem ou adornos e gostava de manter seus cabelos lisos, sempre muito curtos. Tinha um sorriso angelical que apresentava covinhas quando estava em seu rosto.

A despeito de todo seu interesse na moça, Rodolfo não costumava demonstrar a ninguém, tentava ser o mais discreto possível. Mas o padre já tinha notado a paixonite há muito tempo, não era bobo. O olhar de Rodolfo para a garota o entregava. Todavia, o reverendo preferia não mencionar o assunto para não constranger o rapaz.

Padre Roberto apenas observava atento a tudo que referia-se aqueles jovens e divertia-se com toda a situação, adorava a juventude e o modo como eles viviam intensamente seus dias. Eram aqueles momentos que faziam com que ele relaxasse um pouco quanto a sua preocupação em relação à urna e o perigo da mesma cair em mãos erradas. Desde o dia que assumira a responsabilidade naquele lugar, atentava-se grandemente ao objeto e zelava com grande cuidado para com o mesmo.

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