O CAPITÃO, COMO SEMPRE, tomou a dianteira e seguiu prancha acima para o navio.
— Acho que não há ninguém a bordo, as lendas têm o poder de afastar as pessoas.
— Não sei porque, Cap, mas sinto que desta vez o senhor está enganado.
Deus queira que sim...
Rhett fechou os olhos e sentiu um sentimento de saudades invadir o peito.
Faz tanto tempo, velho companheiro...
— Viram – começou ele com o velho e carismático sorriso – não é tão assustador assim.
O movimento foi tão rápido que o Capitão Rhett se surpreendeu por ainda estar vivo, mas ele tinha certeza absoluta que tinha ganhado mais uma cicatriz em seu rosto.
— Rápido e cheio de vidas como um gato sortudo – disse uma voz feminina que fez o capitão voltar ao passado imediatamente – vejo que ainda não perdeu o jeito, mon amour...
O capitão reconheceria aquela voz mesmo que vivesse mil vidas nas profundezas do inferno.
— Kyra... – sussurrou ele – mon amour...
O vento que soprou do leste se encarregou de tirar o véu de seu rosto e desvendar a efígie mais bela que todos eles já haviam visto em suas vidas.
— Estava com saudades, mon amour...
— Quem é essa mulher, Cap?
— Minha noiva, velho amigo...
FRANCIS JEGUE–DE–AÇO serviu o jantar e Kyra comeu mais que todos eles juntos.
— Há tempos não comia tão bem assim. – Disse ela completamente satisfeita – muito obrigado.
Frncis assentiu.
— O que há com ele?
— Ele não fala.
— É melhor ser mudo do que viver falando bobagens, não acha, Rhett?
— Como diria Shakespeare... O homem é senhor do seu silêncio e escravo das consequências das suas palavras...
— E desde quando se interessa por teatro?
— Você sabe que não me interesso...
— Como um barco desse tamanho não tem mais ninguém dentro dele? – Perguntou Caolho.
— Porque é um barco amaldiçoado.
Rhett chegou perto de Kyra, se ajoelhou diante dele e disse:
— Nenhum lugar do mundo pode ser chamado de amaldiçoado quando sua presença é tão indispensável.
Rhett só foi acordar duas horas depois com o soco que levou de Kyra.
— CAP, QUE BOM que você acordou – disse Caolho visivelmente aliviado por seu capitão não ter tido um traumatismo craniano com uma porrada daquelas.
— Parece que uma boiada passou por cima de mim, mon ami.
— Não é para menos, a porrada que o senhor levou, Deus me livre de mexer com essa mulher.
O capitão fez uma expressão de urgência.
— Que barulho é esse?
Os dois subiram correndo até o convés e viram um navio da marinha.
— Que droga, Caolho, porque não ficou à postos?
— Porque ele não precisa – disse Kyra – todos sabem que esse navio fica aqui ancorado.
— É... mas isso foi antes de Fundilhos–sujos nos trair... vejam só aquele desgraçado.
Eles ouviram o barulho de um disparo de canhão que por pouco não acertou o Black–jack.
— Com certeza é Charles, Cap – disse Caolho ao subir no ponto mais alto do mastro.
Charles exibia alegremente seu espólio de guerra – as espadas do Capitão Rhett – simultaneamente fazendo o sinal claro para que os atacassem.
Rhett sorriu e fez um sinal com ambas as mãos e juntou os anéis dos dedos indicadores e surgiu como num passe de mágica dois bucamartes em suas mãos.
— Que magia negra é essa, Rhett? – Disse Kyra.
— Presente de um amigo, mon amour.
Capitão Rhett deu um tiro certeiro na corda que prendia o navio ao cais.
— Mon amour, quer ter a honra de conduzir o barco.
Kyra foi até o Timon e Caolho liberou as velas, que fez o navio começar a pegar velocidade de forma assustadora.
— Mon capitaine – gritou Charles –, vou te matar com suas próprias espadas.
Rhett riu e guardou seus bucamartes.
— Mon ami, olhe só essas brincadeiras... Rhett juntou os anéis dos dedos médios e um passe de mágica aconteceu no mesmo instante as duas espadas que estavam nas mãos de Charles apareceram nas mãos de Rhett.
— Sentiram saudades do papai, mês amis?
Ele beijou as duas espadas e em seguida deu uma piscadinha para Kyra.
— Cap, não podemos vencer se eles nos invadirem.
— Ainda tenho uma carta na manga, mon ami, hoje é noite de lua cheia.
Mas o barco de Charles estava perto demais.
— Cherry, você ainda tem o presente que te dei na noite de nosso noivado?
Mesmo com um olhar raivoso, Kyra mostrou a joia presa em uma corrente.
— Essa joia foi presente de seu pai – mentiu ele –, ele me confiou entregar para você, ele é mágico, disse que se fosse noite de lua cheia e estivéssemos em apuros no Black–jack teríamos apoio.
Kyra levantou a joia contra a lua e disse:
— Papai, se for verdade, por favor, nos ajude.
De repente, seres das sombras surgiram e criaram vida.
Kyra estava tão hipnotizada pelo acontecimento que nem percebeu que alguém muito especial estava tomando conta de seu posto.
— Espero que não ligue se guiar o barco que construí com minhas próprias mãos?
Aquela voz... a voz dos meus sonhos...