O silêncio na sala de Tobias na clínica era denso, quebrado apenas pelo tique-taque de um relógio de parede e pela respiração pesada de Tobias. Ele ainda segurava o telefone, o olhar fixo em Zenon, que o encarava com uma expressão que misturava confusão, alerta e uma boa dose de ceticismo. A demanda de Kael ecoava na mente de Tobias: "me faça conhecer seu ex-parceiro". A impossibilidade da situação era gritante, mas a esperança de não perder Kael era ainda mais forte. "Zenon...", a voz de Tobias era um sussurro rouco. "Você... você ouviu?" Zenon assentiu lentamente, seus olhos por trás dos óculos não desviando do rosto pálido de Tobias. "Ouvi, Tobi. Ele quer conhecer seu 'ex-parceiro'. A pessoa com quem você 'fingiu' estar casado... usando a aliança." Zenon pausou, a compreensão total do absurdo atingindo-o. Seus olhos se arregalaram levemente. "Você não está pensando que...?" Tobias deu um passo à frente, estendendo as mãos em um gesto de súplica. "Você é a única pessoa que s
A segunda-feira após a "proposta" de Tobias a Zenon amanheceu com uma mistura de ansiedade e determinação no ar. Tobias estava estranhamente eufórico, impulsionado pela pequena faísca de esperança reacendida com Kael e pela (relutante) aceitação de Zenon em participar da farsa. Zenon, por outro lado, parecia ter aceitado seu destino com uma resignação sombria, mas com a seriedade e o pragmatismo que o caracterizavam. Se ele tinha que fingir ser um ex-parceiro, ele faria direito. A primeira ordem do dia, segundo Tobias, era garantir que Zenon causasse a "melhor impressão" em Kael. "Você tem que parecer elegante, sofisticado, o tipo de cara que eu estaria 'deixando' para estar com ele", Tobias explicou no carro a caminho de um shopping de luxo. Zenon apenas revirou os olhos por trás dos óculos, mas não argumentou. Ele sabia que a credibilidade da mentira dependia de todos os detalhes. Eles passaram a manhã em lojas de grife. Tobias, com seu olho clínico (e seu cartão de crédito)
A manhã seguinte ao jantar desastroso (e revelador) com Kael encontrou Tobias em um estado de ansiedade febril. A ideia de ter "dois filhos" pairava sobre ele como uma nuvem carregada de chuva. A promessa impulsiva de Kael em querer conhecê-los significava que a farsa precisava de mais do que uma narrativa; precisava de rostos, vozes, a prova viva da mentira. A única solução, por mais absurda e arriscada que fosse, envolvia os sobrinhos de Zenon, Jade e Sud. Tobias ligou para Zenon assim que chegou à clínica, pulando qualquer formalidade. "Zenon, precisamos trazer os meninos. Hoje." Do outro lado da linha, Zenon suspirou. "Eu imaginei. Tobi, tem certeza disso? Envolver as crianças... é um passo a mais na loucura." "Não temos escolha!", Tobias respondeu, a voz tensa. "Kael quer conhecê-los. E rápido. É a única maneira de sustentar essa nova camada da mentira. Por favor, Zenon. É pela causa... pela causa do Kael. E agora pela causa de não sermos descobertos." Zenon hesitou
O caos pós-anúncio da "viagem em família" na loja de brinquedos atingiu um novo patamar. Sud, ainda eufórico com a promessa da praia, rapidamente esqueceu a viagem anteriormente cancelada e se concentrou no presente: um paraíso de brinquedos à sua disposição, com "Papai Tobias" pagando. Jade, sempre estratégica, aproveitou a oportunidade de ouro para garantir seus "pagamentos" adiantados, além das aulas de balé.Enquanto Tobias, Zenon e Kael caminhavam pelos corredores coloridos, Jade e Sud agiram com a precisão de pequenos predadores de shopping. Eles apontavam para brinquedos, corriam de um lado para o outro, faziam exigências com vozes agudas e inegavelmente fofas."Papai Tobi, olha esse robô gigante! Eu preciso dele pra minha coleção!", Sud exclamou, puxando a calça de Tobias."E eu, Papai Tobias, preciso daquela casa de bonecas nova. É pra 'desenvolver minha imaginação' para o balé, sabe?", Jade acrescentou, com um sorriso inocente que não enganou Zenon nem por um segundo.Tobias
O sábado amanheceu, trazendo consigo a inevitabilidade da "viagem em família" para a praia. O caos da loja de brinquedos e a promessa impulsiva de Tobias haviam se solidificado em passagens de carro, reserva de hotel e malas feitas às pressas. Zenon estava na entrada de seu prédio, cercado por bagagens que pareciam ter se multiplicado durante a noite, com Jade e Sud pulando de excitação ao seu redor. Zenon, apesar da maquiagem leve que usava para disfarçar as olheiras (cortesia do estresse de organizar uma viagem falsa de última hora), exibia sua eficiência habitual. Ele checava se todos os brinquedos recém-adquiridos estavam embalados de forma segura (e discreta), se as roupas de banho estavam na mala certa e se as crianças tinham seus lanches e travesseiros. A ideia de uma viagem com Tobias, os sobrinhos dele fingindo serem filhos deles, e Kael, o catalisador de toda essa loucura, era exaustiva só de pensar, mas Zenon se concentrava na tarefa logística à frente. Ele havia conco
A viagem à praia se desdobrou em uma série de cenas cômicas e cansativas, cortesia da energia inesgotável de Jade e Sud e das tentativas desastradas de Tobias de parecer um pai casual e divertido. Kael, por sua vez, parecia se encaixar surpreendentemente bem na dinâmica caótica, rindo das travessuras das crianças e observando a interação (falsa) de Tobias e Zenon com uma fascinação genuína. Zenon, o gerente de crises não oficial da farsa, passava a maior parte do tempo garantindo que as crianças não revelassem acidentalmente a verdade ou se colocassem em perigo, tudo isso enquanto mantinha a pose de "ex-parceiro amigável" para Kael e observava a atuação (às vezes exagerada) de Tobias. Em uma tarde, enquanto Kael levava Jade e Sud para construir um castelo de areia monumental perto da água – uma atividade que Zenon supervisionou de perto antes de permitir –, Zenon decidiu tirar um momento para si. Ele foi até o bar do hotel na beira da praia, u
Tobias ajustou a gola de sua camisa impecavelmente branca, o reflexo no espelho devolvendo a imagem de um homem que parecia ter tudo. Um cirurgião plástico renomado, com uma clínica próspera no coração da cidade, e prestes a se casar com Anny, uma mulher considerada uma das mais belas e cobiçadas socialites. O casamento, marcado para dali a poucas semanas, prometia ser o evento do ano, selando a união de dois mundos que, na superfície, pareciam perfeitamente alinhados. Dinheiro, status, beleza – o pacote completo. Tobias, aos trinta e poucos anos, sentia que finalmente estava concretizando mais um sucesso em sua vida meticulosamente planejada. Ele sorriu para o espelho, um sorriso que não alcançava completamente seus olhos. Havia uma leve apreensão. Não nervosismo de noivo, mas uma intuição silenciosa, um pequeno nó no estômago que ele vinha ignorando nas últimas semanas, atribuindo ao estresse pré-casamento. Anny era linda, charmosa, e se encaixava perfeitamente no que a sociedade
Dois anos se passaram. A dor aguda da traição de Anny havia se transformado em uma cicatriz profunda, enterrada sob camadas de sucesso profissional e um cinismo cuidadosamente cultivado. Tobias não era mais o homem ingênuo e confiante que acreditava em contos de fadas de casamentos perfeitos. Ele havia aprendido, da forma mais cruel, que relacionamentos podiam ser transações, e sentimentos, meras ferramentas de manipulação. Ele estava sentado no mesmo tipo de bar escuro e barulhento que se tornou seu refúgio na noite em que seu mundo ruiu. Não era o mesmo bar de dois anos atrás, mas a atmosfera era a mesma: discreta, com a penumbra servindo como um manto de anonimato para almas solitárias ou simplesmente em busca de algo passageiro. Tobias frequentava vários desses lugares pela cidade, misturando-se à multidão, um lobo em pele de cordeiro. Seus dedos tamborilavam no balcão de madeira polida, o tilintar suave do gelo em seu copo de uísque ecoando o ritmo lento de sua respiração