RENZO FELIPE
Achei que isso nunca acontece eu comoE aconteceu
O destino deu um empurrãozinho
Colocando o seu caminho no mesmo que o meu
Não mesmo que o meu
Foi amor à primeira esquina, ai ai ai
Procurei um defeito, ela não tinha, ai ai ai
Bem que o meu coração me avisou
Abriu um sorriso e o tempo fechado
(Amor À Primeira Esquina, Zé Neto e Cristiano)
A estrada esburacada não impede que a baixinha durma como um anjo, mas estou com medo que ela acabe se machucando, por isso paro o carro e pego uma almofada que estava no banco de trás do caminhonete e com cuidado subo o vidro, arrumo sua cabeça da que mais bem confortável perco alguns segundos admirando seu rosto angelical.
Ainda estou por ela estar sozinha no meio do nada. A estrada que leve diretamente a Jabuticamel é deserta, raramente passa alguém pelo caminho. A maioria prefere a estrada asfaltada, por isso dá a volta por cima. La é mais movimentado e há casas para pedir socorro, mas a estrada que leve o Jabuticamel tem asfalto até a metade, acho que esqueceram de terminar.
Ou a folha de sol é queimando, queimando. Algumas nuvens cinzas fazem ele sumir por pequenos segundos, talvez mais tarde chova. Mal termino meu raciocínio e pingos grossos batem contra o para-brisa, me pecou mesmo pela pequena mulher estar dormindo protegida dentro do meu carro velho.
Ainda estou processando o fato de não ter ido por outra estrada, é a que eu mais uso. Acho que meu extinto de mecânico me guiou, quando vi a fusquinha azul – ultima geração – parado na estrada meu coração palpitou dentro do peito e depois que vi que não tinha ninguém além de duas malas rosas jogadas no banco de trás, eu sabia que deveria continuar o caminho o mais rápido possível.
A estrada é quase sempre deserta, mas se eu seguir por aquele caminho, outra também poderia seguir. Não sei porque o pensamento de outro chegar e ajudar quem é que eu foi assombrou por todo o caminho, e foi por conta desses pensamentos que eu quase atropelei a baixinha.
Estranho ela estar indo para Jabuticamel, moro la a quase três anos e nunca a vi. Talvez ela esteja indo visitar algum parente.
Emanuelle Regina é um nome bonito, isso me faz lembrar os gêmeos Esmael e Emanuel. Esmael trabalha comigo na oficinal, enquanto Emanuel trabalha com o pai na padaria, os gêmeos se tornaram meus melhores amigos, e apesar de ser gêmeos idênticos aos dois são completamente diferentes. Eles não desistiram de tentar fazer amizade, mesmo eu tentando afasta-los de qualquer maneira.
Tive que largar a faculdade de engenharia e vender quase todas as propriedades por conta das dívidas do meu irmão. Depois de tanta decepção meus pais e eu decidimos começar a vida em outro lugar. Tia Jussara foi quem nos indicou Jabuticamel, no começo moramos em sua casa, mas com o tempo que meu velho foi vencendo a depressão e decidi abrir a oficinal que era do meu falecido tio, e transformamos a parte de cima em nossa casa.
Depois de um ano e meio, nossa oficinal é conhecida em toda a região. Já meu irmão nunca deu mais de cara, mas ficou sabendo que em alguns meses ele vai se casar, tem pena da noiva, não sabe a encrenca que está se mesendo.
Como vezes penso em confronta-lo, mas sinto que é melhor a distância. Ele já fez muitas pessoas sofrer, principalmente meus pais.
— Falta muito? — uma voz sonolenta me dá dois dallies.
— Quarenta minutos.
— Estou morrendo de fome e sede. — diz bocejando e abre a seguida janela em.
— Tenho água em uma garrafa térmica atrás do seu banco.
A almofada esta em seu colo, seus cabelos caem em seus ombros de uma maneira estranha e extremamente sexy.
— Agradeço, mas vou esperar a gente chegar. — Sorrio com sua resposta e eu tento prestar atenção na estrada.
Ela volta a fechar os olhos e eu não sei mais como prosseguir a nossa conversa, eu gostei de ouvir sua voz sonolenta. Eu gostei de olhar-la, mas tenho ciência que precisa na estrada.
— Você vai para onde?
— Na Jussara conhece? — pergunto e ela concorda com um simples aceno de cabeça e boceja em seguida.
Tento esconder meu bocejo, mas vê-la bocejando despertou meu sono. Tenho vontade de rir e so vou perguntar como ela conhece minha tia para ouvir sua voz doce e sonolenta.
— Conhece ela a muito tempo?
— Não a conheço pessoalmente. — ela se mexe e o banco faz barulho estranho — Lembro que ela se mudou para Jabuticamel quando eu estava saindo de la.
Conversamos mais um pouco, e o caminho parece ter encurtado, pois a entrada da vila esta logo a frente.
— Quer que eu te deixe a onde, mulher que quer ser atropelada — questiono fazendo ela rir.
— Padaria Limas. Conhece?
— E como. — Sorrio entrando na rua da padaria. — Dona Elaine tem mãos de fadas, os pães são os melhores.
— Puxa saco. — Ela ri em seguida.
E droga! É o som mais perfeito que já ouvi, poderia passar o resto do dia ouvindo que não me cansaria.
Eu não a conheço nem a duas horas, e ela já está mexendo com minha cabeça. O caminhão de entregas está ocupando muito espaço, por isso acabo estacionando do outro lado da rua.
— Entregue sã e salva.
— Obrigada por ter aparecido.
Sua voz é carregada de emoção, e eu fico um pouco envergonhado, se conseguir olha-la nos olhos.
— Sempre que quiser ser atropelada e só ficar no meio da estrada que eu apareço. — Pisco num gesto de coragem e solto o cinto de segurança.
Abro minha porta e ela faz o mesmo, pego suas malas a tempo de ver seu Manoel atravessar a rua correndo como se não acreditasse no que vê, Emanuel aparece em seguida e logo atrás vem dona Elaine.
Deixo as malas no chão e cumprimento meu melhor amigo observo a baxinha abraçar seu Manoel com muita intimidade, e a curiosidade me ataca.
— Onde achou essa coisa feia? — Esmael chega fazendo graça.
— Coisa é você. — Emanuelle responde abraçando dona Elaine em seguida.
Eu sou um mero telespectador, tentando entender o que esta acontecendo a minha frente.
— Ei, ele tem a minha cara. — Emanuel resmunga e ela apenas ri.
— Paizinho, estou morta de fome, com sede, cansada, quero um banho e alguém tem que buscar meu carrinho. — diz entregando uma chave para o irmão.
A ficha cai aos poucos assim que sua frase é processada pelo meu cérebro. Engulo em seco, e tento esconder um sorriso.
— Então vamos princesinha, papai vai prepara uma torta de frango e sua mãe fara seu chá preferido. — Seu Manoel pega as malas da filha, enquanto ela se aproxima de mim.
Não consigo desviar o olhar da mulher a minha frente, meu coração começa a martelar desesperado dentro do peito quando percebo que o sorriso sincero e bonito é direcionado a mim.
— Obrigada pela carona, e obrigada por não ter me atropelado quando eu pedi. — Sussurra me abraçando.
Fico desconsertado com o gesto tão espontâneo, mas retribuo. Quando ela se afasta vejo seu Manoel me encara por longos segundos antes de acompanhar a esposa e a filha ate a padaria, restando apenas eu e os gêmeos.
— Alguém tem que buscar o carro. — Falo quando o silencio incomoda.
Não sei o que aconteceu aqui, mas pelos olhares dos dois, foi algo digno de prisão perpetua.
— Alguém tem que ameaçar um certo mecânico que ganha abraço antes dos irmãos.
— Ela só ficou agradecida. — Respondo ignorando as batidas desenfreadas do meu coração. — Vai comigo Tiquito?
— Sim. — Responde dando a volta para entrar no carro.
Emanuel fica de cara amarrada me ameaçando com o olhar. Balanço a cabeça e vou rumo a oficina. Pretendo trazer o carro antes que escureça e quem sabe eu ganhe outro abraço.