Estamos nas Noites de Cabíria

Viajei nos braços de Fellini e me encantei com sua forte e doce Cabíria. O filme é protagonizado por uma mulher que se prostitui num bairro pobre de Roma. É uma produção de 1957 e ganhou Oscar de melhor filme estrangeiro, assim como Giulietta Massina ganhou o prêmio de melhor atriz pela belíssima interpretação de Cabíria.

Cabíria me fez pensar na força das mulheres apesar da vida nem sempre se apresentar tão alegre quanto nossas esperanças. Quero compartilhar que sempre vi certo glamour nas prostitutas. Elas parecem ser livres, trabalham de noite e são desejadas porque conhecem a arte do prazer.

Mas isso não é tudo que se pode pensar quando falamos de prostituição, aí ficou refletindo sobre os cafetões, sobre o quanto as ruas deixam expostas as pessoas que por lá vivem ou trabalham. Penso no quanto nós mulheres somos objetificadas e exploradas e chego à conclusão que Fellini foi capaz de falar sobre tudo isso quando nos apresentou uma visão cheia de crítica social, religiosa. Contudo, manteve a doçura e nossa esperança.

Afinal de contas, Cabíria é mulher assim como nós e, por isso, por maior que seja sua luta pela sobrevivência, ela sonha, deixa-se encantar, descobre-se ingênua e pequenina por mais de uma vez.

O filme é perfeito até no título, pois noite remete a diversos significados que estão ligados a Cabíria. Prostitutas costumam ser chamadas de mulheres da noite, porém a palavra noite também traz significados como ausência do sol e da luz, escuridão e tristeza. É desta forma, que vemos Cabíria, sendo vítima de trapaceiros, se metendo em brigas e tentando ter uma vida melhor, um amor, alguém em que ela possa confiar.

Talvez porque eu esteja trabalhando num novo livro que fala sobre famílias, não consegui deixar de pensar na importância da família como rede de apoio, mas também como transmissora de valores. Foi a mãe de Cabíria quem a introduziu na prostituição e quem a levava à igreja todo domingo. Como resultado, a personagem acredita que o amor de um homem poderá mudar sua vida e tirá-la de sua atividade. Ela não se dá conta que através da prostituição conseguiu comprar uma casa. Determinados valores misturados com solidão, embaçam a visão.

Contudo, Cabíria é alegre, gosta de música e de dançar, seu jeito engraçado de baixinha arretado dá um tom cômico que é tudo que precisamos para acompanhar um drama tão real que já começa com uma tentativa de feminicídio.

Esse filme da década de 50 me fez viajar. Já pensaram que a sociedade entre tantos avanços e retrocessos não é tão diferente? O filme poderia ser lançado hoje. Ainda temos uma sociedade tão agressiva e preconceituosa. Sob pretextos religiosos, ainda buscamos acreditar em gente que não vale nada. E seguimos nas noites, como nas noites de Cabíria lutando, sobrevivendo e cheias de esperança de termos uma vida melhor.

 

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