Um Dia Infeliz

Durante os dias que ficaram na fazenda de Agnes, os garotos criaram um vínculo ainda maior entre eles, Daniel conseguia acompanhar o entusiasmo do irmão, na terceira noite ali foram dormir perto das duas da manhã, e isso era bom de certa forma.

Cada dia era uma aventura diferente para aqueles dois novos irmãos e melhores amigos.

Existe uma frase muito cruel, “ Nada dura para sempre” e não foi diferente para aquela família, ainda movidos pelo clima feliz e entusiasmado na manhã do dia 24 o carro da família Smith estacionou na porta de Agnes. 

A mãe de forma amável ia receber sua filha e genro, tamanha era a diferença de educação daquela família, como a exemplo Delfim, a filha do casal Smith, assim que recebeu o suéter de sua avó, olhou para o tecido que havia sido tricotado pela própria Agnes e encarou a avó, seus olhos eram frios e sem emoção.

— Isso é ridículo, não é de marca, eu não vou usar isso Agnes, não tenho mais seis anos. — usou de palavras duras e delinquente para se referir a sua avó.

A senhora lhe devolveu o mesmo olhar duro e sem emoção.

— É apenas uma lembrança, não use, seria muito ruim te ver por aí como membro da família. — devolveu a provocação da neta em tom baixo para que os pais da garota não a ouvissem, em seu rosto um sorriso amável, tamanho era o esforço que fazia para sorrir.

Daniel da varanda pode escutar as palavras da sua prima de doze anos.

—” Ela não foi educada, a vovó não merece ser tratada assim.” Pensou o pequeno Daniel, guardou seu pensamento para si mesmo. 

Olhando para seu lado estava Evan, seu irmão tinha os olhos pequenos e a testa franzida, aparentemente o mais velho tinha tido um pensamento semelhante ao dele, porém tecer um comentário ali seria muito inadequado, ele tinha acabado de chegar na família e não entendia a história por trás daquela atitude ríspida da garota.

Richard logo aparece na porta indo de encontro a seus cunhados juntamente de sua esposa Alice.

Todos com apertos de mãos ali, Alice apontava para seus filhos na varanda, ela viu seu cunhado apertar o olhar e franzir a testa ao notar os traços de Daniel.

— Adotaram um imigrantizinho, essas pessoas são como pragas no país, gafanhotos que destroem tudo o que tocam, não acredito que fizeram algo tão impensável, não sabem como ele vai crescer, pode até mata-los enquanto dormem, irresponsáveis. — as palavras duras e sérias de de Simon Smith foram ouvidas por Daniel, o menino apenas abaixou a cabeça.

Alice vendo que sua irmã balançou a cabeça concordando com o marido levou até ela um olhar indignado.

— Simon, se quiser passar o natal aqui por favor se comporte como uma pessoa que foi educada corretamente, sabemos que respeito e educação é algo em falta dentro do seu ser, mas apenas pelo bem estar do momento se contenha. — Agnes falou um pouco mais alto e áspera, logo ela se aproximou do cunhado e falou um pouco mais baixo em seu ouvido. — não se esqueça que antes de sermos da mesma família, seus patrões são Alice e Richard, seja cauteloso. 

A senhora garantiu que apenas o genro escutasse aquelas palavras o deixando com o rosto vermelho de raiva.

— Por favor Simon, ele é apenas uma criança, e vai ser educado dentro da nossa família, não seja duro com ele, as origens dele não me importam, ele é um menino maravilhoso, se não fosse tão apegado a determinadas ideias poderia ter mais empatia pelo seu sobrinho.

— Berenice, não acredito que concorda com seu esposo, não fomos educadas desta maneira. 

— Peço perdão pelas minhas palavras, acho que fui um tanto desrespeitoso. — Simon olhou para os cunhados, sentiu um gosto amargo em sua boca. — fui um idiota ao dizer em tom alto o que penso sobre os imigrantes.

Agnes os convidou para entrar, não havia muito o que fazer, poderia cortar o mal pela raiz e m****r a todos embora, contudo ela não o fez, achou que tentar manter a paz e harmonia iria ser uma boa ideia.

Enquanto os adultos se olhavam de maneira estranha, Delfim se uniu a Evan e Daniel na varanda, ela olhava curiosa para o pequeno.

Evan sentiu o olhar da prima e a encarou, se colocando em seu campo de visão.

— Ah, qual é Evan, não me diga que aceita o imigrante como irmão, ele nem tem o mesmo sangue que você, é só um lixo que foi descartado por alguma prostituta, deveriam devolver ele e pegar um americano de verdade. — As palavras de Delfim cortaram a alma de Evan, ele jamais imaginou que sua tarefa de proteger Daniel, fosse também incluso ter que defender ele de sua própria família.

— Cala a boca Delfim, ou eu calo ela pra você, e se falar mais alguma coisa sobre meu irmão eu juro que te jogo no chiqueiro com os porcos, lá é perfeito pra você. — Evan fechou a mão, e ameaçou a prima. 

— Não pode me bater, se fizer isso vai ficar de castigo. — Ela devolvia as palavras de forma debochada 

— Quer me desafiar Delfim, seu pai é empregado do meu, acha mesmo que meu pai vai aceitar você e sua família falando essas coisas do meu irmão?, Acorda pra vida sua patricinha metida. 

O clima entre as crianças havia ficado pesado, Daniel escutou aquela troca de farpas e não abriu a boca, foi em silêncio para o quarto, de lá ele não pretendia sair. 

 Mesmo com toda aquela tensão no ar, o clima pesado todos tentaram levar o dia, tentaram fazer dar certo pelo menos naquela data.

Evan ficou o dia todo ao lado de Daniel no quarto, o silêncio do irmão o incomodava um pouco, Delfim estava na sala de estar junto aos adultos, se metia na conversa e se portava como uma adulta, o mesmo gênio ruim de seu pai, a mesma forma de se referir as pessoas.

Alice e Richard engoliram em seco a presença dos Smith, já sabiam que ia ser complicado e é claro que Richard, não iria m****r Simon, embora de seu emprego, nem faria alterações em seu salário, ele já sabia que o cunhado era um ser humano cheio de preconceitos.

Daniel viu a aflição do seu irmão no quarto e pelo menos pra ele decidiu não ser tão silencioso.

— Está tudo bem, Evan, não precisa se preocupar comigo, eu já fui alertado sobre esse tipo de pessoas, no orfanato eles ensinam a gente a se colocar em nosso lugar. — sua voz infantil e com certo embargo fez Evan, o abraçar.

— Delfim é uma mimada, os pais dela são preconceituosos, não ... — Evan soltou seu irmão do abraço. — Não precisa chamar eles de tios, ou ficar perto deles, nossos pais e a vovó vão entender se ficar aqui. 

Aquela situação não fazia sentido na cabeça de Evan, se Daniel é quem tinha sido ofendido, quem deveria estar trancado em um quarto de castigo era Delfim, e não ele. 

— Evan, eu quero ficar sozinho, desculpa irmão, eu sei que quer me apoiar,mas quero ficar quieto por um tempo, não me entenda mal... — deixou sua frase morrer.

Evan, não o entenderia mal, e por mais que ele quisesse ficar ali com Daniel, sentiu o clima pesar, ele então saiu do quarto deixando a porta encostada. 

Alice assim que viu o filho mais velho indo para o celeiro sozinho ficou apreensiva, não o impediu, contudo foi até a cozinha preparar um lanche para Daniel.

Sempre com seu sorriso amável e encantador, sua voz melodiosa invadiu o quarto onde Daniel decidiu se isolar.

— Vim lhe trazer um lanche, sei que ouviu palavras duras hoje, e juro que tentamos avisar a eles, Minha irmã fez um mal casamento, ela foi criada como eu e deveria ter um pouco de bom senso, mas ela ficou tão intoxicada pelas ideias do marido... — Alice colocou a bandeja ao lado da cama de Daniel e se sentou na cama ao lado dele. — Daniel, não precisa se esconder deles. 

O garoto estava sentado na cama abraçando os próprios joelhos.

— Mamãe, eu fui adotado uma vez, naquela casa, eles queriam que eu limpasse, e service de brinquedo ao filho mais velho deles, no começo eu estava grato, mas depois de uma semana, o garoto começou a me bater, e ele quebrava as coisas e me culpava, apanhava todos os dias, uma noite eu fuji...— Daniel limpou uma Lágrima insistente no canto dos olhos e encarou Alice. — Pode me levar de volta ao orfanato? Eu sei que lá não tem tantos recursos, e eu tenho que fazer a limpeza dos quartos, mas não quero ter que fugir novamente, é muito ruim viver nas ruas.

Palavras simples e carregadas de emoção, um gesto um tanto curioso vindo de um garoto tão jovem, ele com poucas palavras quebrou em pedaços o coração de Alice, ela não conseguiu conter as Lágrimas de seus olhos.

Aquele menino, que ela jurou proteger diante de um juiz, agora queria voltar para um orfanato, pois sentia medo de que seu passado se repetisse.

Ela o abraçou, o pequeno corpo de Daniel, aos sete anos, baixo demais pra idade, olhos triste, ela sentiu tudo o que ele sentiu naquele abraço.

— Não vamos deixar ninguém te fazer mal, no mundo existem pessoas ruins. — murmurou dentro do abraço. — Pessoas com pensamentos arcaicos e sem noção alguma, porém eu, o teu pai, tua avó e teu irmão, estaremos aqui pra você, não se afaste de nós Daniel, afinal nós já te amamos muito.

 Daniel não podia fazer mais nada além de chorar ali, Alice o deixou no quarto e foi chamar seu marido, no intuito de que ele a ajudasse a conversar e explicar melhor a situação ao pequeno. 

Conversaram entre eles no escritório, Evan estava no quintal enquanto seus pais tentavam achar palavras certas antes de entrar novamente no quarto.

Não podemos dizer que Delfim estava agindo mal, ela só não conheceu outra educação, na cabeça da garota de doze anos ela estava coberta de razão, na cabeça de Berenice, as palavras do marido faziam sentido e na cabeça de Simon, imigrantes e crianças vindas de orfanatos só tinham uma finalidade, servir aos donos da casa, já que estavam em um país que não era deles.

Perto das quatorze horas da tarde, Alice e Richard tinham acabado de sair do escritório, e iriam até o quarto conversar novamente com Daniel, eles precisavam mostrar ao garoto que eles o amavam e protegeriam, no entanto, ainda no corredor da casa eles escutaram os gritos desesperados de Evan vindo do quarto e a gargalhada de Delfim. 

Os pais da garota também haviam escutado e foram correndo ver o que tinha acontecido, e a cena foi lastimável. 

Daniel desacordado na cama sem sinais vitais, Evan batendo em seu peito desesperado, Delfim com um travesseiro nas mãos enquanto gargalhava.

— Pra que tanto drama, é só um imigrantizinho, eu o coloquei pra dormir e ninguém vai dar falta dele mesmo. — Falou Delfim entre os risos. 

Alice e Richard ficaram pasmos com a sociopatia da menina, Simon se viu obrigado a repreender a filha e a tirar arrastada do quarto, Berenice viu ali naquele momento sua família se desligar por completo, sempre tiveram picuinhas, mas ali as famílias se separaram.

Enquanto Delfim gritava que não tinha feito nada de errado, Alice e Richard tentavam de tudo para fazer Daniel acordar, ficaram em tentativas sucessivas durante quase cinco minutos, tendo o choro desesperado de Evan ao fundo como trilha sonora.

Agnes tirou seu neto mais velho do quarto, em sua cabeça Daniel tinha morrido e não era bom para ele ver o pequeno naquele estado.

Um milagre de véspera de natal, o pequeno Daniel tossiu e puxou o ar com força, havia voltado, por sorte Delfim foi impedida de continuar o sufocamento por Evan, momentos antes de seus pais invadirem o quarto.

Ofegante e completamente aterrorizado, o menino se viu nos braços de Richard, ele o levaria até o hospital mais próximo.

Agnes se comprometeu em ficar com Evan, enquanto os pais levavam o garoto para receber cuidados médicos.

Tudo aconteceu muito rápido, e tudo o que Daniel se lembrava daquele dia fatídico era de ver seu irmão chorando na porta da casa abraçado a sua avó.

A família Smith nem se deu ao trabalho de desfazer as malas, pegaram apenas objetos pessoais que já tinham retirado das mesmas e saíram em seguida, Simon antes de ir ficou breves momentos conversando com Agnes.

— Eu vou ir, levar minha família embora, tenho pensamentos extremistas sim, mas o que Delfim fez não tem perdão, ela vai ter que aprender uma lição da vida, diga aos Foster que eu sinto muito, Agnes, eu realmente sinto muito. — sua voz grossa, demonstrava ao mesmo tempo o arrependimento.

— Delfim não demonstra o mesmo arrependimento, na verdade deveriam procurar ajuda profissional, ela ainda tem doze anos, se cuidar dela ainda na infância pode ser que ela melhore seus atos. — Mesmo diante de caos, Agnes, usou seu tom brando, olhou para sua filha e passou a mão no rosto como se estivesse coçando a região do nariz com a mão aberta, aquilo era um sinal, um sinal de que longe do marido e da filha ela voltasse para terem uma conversa franca.

Berenice entendeu o recado e sem olhar para sua filha ou marido coçou a mão direita como se algum inseto a tivesse picado, aquilo era uma resposta positiva de que ela viria visitar a mãe longe do marido.

O carro dos Smith ganhou distância da casa de Agnes, verdade seja dita aquela seria a última vez que a mulher veria Delfim.

Como a cidade de Agnes era pequena e todos se conheciam, não molestaram os Foster com perguntas, eles entenderam o que tinha acontecido, e também conheciam Berenice e seu esposo, Daniel estava bem, seu olhar era parado, sua voz mais uma vez se recusava a sair de sua garganta, no final daquele dia ele voltou pra casa de Agnes.

Evan ficou grato por ter seu irmão de volta, seus olhos inchados demonstravam o quanto ele tinha chorado naquela tarde.

Uma vez que Daniel foi levado ao quarto, Evan ficou ao seu lado, sem dizer muitas palavras, diferente dos adultos que ficavam o enchendo de questionamentos.

Os pensamentos infantis de Daniel não faziam muito nexo, ele só queria ficar sozinho, assim ele poderia colocar as emoções em ordem, o natal tinha sido arruinado, e as coisas ficariam ainda mais complicadas.

Quando os adultos deixaram as crianças sozinhas no quarto, Daniel falou algo para Evan, algo que foi o ponto chave para as atitudes futuras do mais velho.

— Irmão... — chamou baixo.— Me promete que nunca mais vai me deixar sozinho, eu não quero morrer de novo. 

Evan sentiu um choque em sua mente, um estalo.

— Pode dormir Daniel, eu não vou sair do seu lado nunca mais. — sua voz era chorosa, fina e infantil, ao terminar sua fala sentiu as mãos do mais novo segurando as suas.

Independente de quais eram os desejos infundados de Delfim, naquele dia para ela foi como se a vida que ela tivesse tentado roubar tivesse trocado de lugar com ela, eles moravam a cerca de cinco horas de viagem da casa de Agnes, e durante aquele trajeto uma carreta, chamadas de trem do asfalto, apenas esbarrou neles, o acidente foi fatal para a garota de doze anos.

A notícia chegou até a casa de Agnes perto das cinco horas da manhã, confirmando a morte de Delfim e seu pai, era agora Berenice viúva e estava sozinha, precisaria do apoio de sua família.

E é como se tivessem mesmo trocado de lugar com Daniel, seus sinais vitais tinham realmente desaparecido, quando Evan o achou ele já estava morto, e a última coisa que o garoto tinha escutado eram as palavras feias de Delfim. 

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