Crônicas & Causos Volume 2
Crônicas & Causos Volume 2
Por: Cleir Edson, poeta e prosador
"O dia que você desperdiçou hoje é o amanhã que alguém que morreu ontem tanto desejava."

          Um fortíssimo zumbido retumbou em seus ouvidos após as últimas palavras do médico e ela se sentiu como que caindo num poço escuro e sem fim, ao mesmo tempo em que surdos gemidos de sua boca saíam como se tivesse levado um fortíssimo murro no ventre e este afundara de dor, tamanha fora a violência do golpe. Repentinamente, uma névoa espessa e escura toldou completamente seus olhos e ela se sentiu pairando no ar... Sim, parecia um sonho aquele pesadelo vivo que ela estava vivendo!

          Neste terrível momento, sobreveio um grito de desespero vindo – não da garganta – mas lá das suas entranhas! Ele veio crescendo, crescendo e aumentou até explodir num tremendo urro de dor!

          Passava das quatro horas da tarde. Na confortável e imensa sala do consultório do famoso oncologista, agora, porém, estranhamente fria e abafada, só estavam ela e o doutor. Não falara com seu esposo, nem com filhos, ou parentes. Preferira vir a sós, pois suspeitara há muito da gravidade de seu estado.

          Absorvendo o duro golpe que a vida lhe reservara com aquele diagnóstico, Carolina respira fundo por várias vezes enquanto seus olhos, profundamente fixos no médico à sua frente, deste não se desviam por um segundo. Neste momento, como um perfeito detalhe de Deus, pousa na janela um formoso e lindo bem-te-vi, que ali no imenso e arborizado bosque que circundava a residência onde se localizava o fino e agradável consultório, costumava alegrar manhãs e tardes com seu maravilhoso trinado. Mesclando-se ao canto de alguns sabiás, de muitos sanhaços azuis, de mais bem-te-vis, além de outras espécies de pássaros, criavam cativantes e melodiosas sinfonias, quase sempre todos os dias, como uma dádiva da natureza. Puro encanto. Então, neste instante, o belíssimo pássaro solta seu mavioso canto!

          Como uma mensagem transcendental para Carolina, eis que a avezinha repica mais uma vez seu doce gorjeio, daí por que a paciente se vira para a janela e, tocada por aquela cena mágica, sente aflorar um crédito sobrevivente da sua inabalável fé. Contrai os ombros, levanta toda a clavícula até então caída e, num gesto de coragem, de fortaleza e de resiliência íntima, levanta a cabeça, ergue seus lindos olhos azul celeste – cheios de lágrimas – reparando, sem cessar, na beleza e magia daquele pássaro tão pequeno – empina literalmente o nariz – um gesto raro em sua distinta existência até então – e, olhando direta e firmemente para o médico, diz, voz serena, suave, mas absolutamente segura e perfeitamente audível:

          - Doutor, é a doença que está em fase terminal. Não eu! Eu estou viva e sedenta de viver! Neste instante sinto meus órgãos e células todos vivos e saudáveis, com certeza! Me responda o seguinte: tirando os remédios fortíssimos que já venho tomando, as dores que sinto há tempos, os terríveis mal-estares que me acometem com frequência, há algo que me impeça de sair, de passear, de viajar, de apreciar cenas como essa de tanta beleza, de curtir plenamente minha família, enfim – existe alguma coisa que me impeça de viver enquanto estou viva???

          Dr. Antônio de Liz – esse era o seu nome – surpreso e abismado com a fortaleza de sua paciente e, por que não dizer, amiga de tantos anos, ao mesmo tempo em que tocado pelo canto daquela misteriosa visita – o charmoso bem-te-vi – vira-se para ela e responde gentilmente:

          - Carolina, ah, minha amiga Carolina, você não me surpreende com essa reação tão firme e corajosa. Sim, claro, mesmo considerando tantos empecilhos, como seu médico afirmo que você pode levar uma vida normal, ainda assim; ademais se levarmos em conta a mulher guerreira e forte que você é! Certamente que sim! Mas é claro, tomando sempre cuidados, redobrados, viu!

          Ao acrescentar essas palavras, o médico não deixou de mostrar em seus olhos um sentimento de grande respeito e de profunda admiração por aquela sessentona, a belíssima e especial mulher sentada à sua frente. Enquanto isso, lá na janela, o lindo pássaro tornava a trinar como se alguma mensagem aos dois quisesse falar...

          Carpe diem...tocada, instigada e impulsionada pela beleza de tão pequena ave, aquela linda mulher, gravemente doente, nos mostra com muita delicadeza a “importância do tempo e da vida”! Neste ponto, recorro a Eckhart Tolle em seu, para mim, determinante livro – O Poder do Agora: era como se ela – Carolina – tivesse, a exemplo desse extraordinário escritor e ser humano, acabado de nascer de novo! Que lição de vida!

          Mutatis mutandis, nos últimos tempos, impulsionado pela reclusão face à pandemia, eu e Telma temos assistido a muitos filmes. Séries também. Vimos, em especial, uma que aborda a temática título desta crônica.

          A propósito, a frase foi retirada de uma série coreana extremamente tocante: Chocolate. Da boca de um de seus personagens: Mong Tae-Hyun, interpretado por Min Jin-Woong, por sinal, num controvertido papel, atinge sua redenção ao conviver os últimos dias de vida de sua amiga Hui Na, interpretada por Yoon Bora. Num momento intensamente doloroso e dramático, dando um toque de rara beleza e poesia, ele nos fala assim:

           “Como se cada dia fosse o último e como se soubessem que um instante nunca volta, valorizem cada momento. O dia que você desperdiçou hoje, é o amanhã que alguém que morreu ontem tanto desejava.”

          Essa tocante reflexão me enseja a enfatizar o quanto de mensagens inspiradoras e profundas Chocolate nos passa.

          E é exatamente esse foco que nos instiga à reflexão sobre a importância de nossas vidas, seja tanto das que se vão como daquelas que ficam... e como é vital viver no aqui e no agora! Por essa razão, repito: Carpe diem!!!

          Certamente, o que seria deste poeta e prosador não fossem os exemplos e os aprendizados que nos instigam, que desafiam nossa imaginação e que estimulam nosso autoconhecimento, hem? Com certeza é assim que essa magia acontece comigo... um eterno aprender.

          Gratidão ao Universo e à Divindade por este dom. Gratidão maior ainda porque após um longo período de imenso vazio, a inspiração voltou. Gratidão ao meu amor, Telma, que, presente com seu carinho, sua competência e dedicação, revisa meus escritos. Sempre gratidão. E até a próxima em que só o vento sabe a resposta...

          Em casa de Telma, às 08:34 horas desta quarta-feira, 18 de agosto de 2021, nesta agradável e linda Cuiabá, tão abandonada pelo poder público – uma gestão totalmente irresponsável, descompromissada e indiferente aos seus legítimos compromissos assumidos com o cidadão e com o município!

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