O Desafio do Cemitério

Em Jupari, uma pequena cidade do interior de São Paulo,  quatro velhos amigos costumam se encontrar toda a última sexta feira de cada mês, é a oportunidade de colocar a conversa em dia e relembrarem a turbulenta fase da adolescência. Inevitavelmente ocorria algumas vezes deste encontro ter a lua cheia como cenário.

            No último encontro realizado em outubro de um ano qualquer, a sexta feira além de ser o 13º dia do mês teve o luar da lua cheia para tornar tudo mais interessante entre os amigos.

            Robson Castro, André Valença, Mateus Bosco e Joel Alves como de costume se encontraram em um botequim na Praça da Matriz, o bar do Chileno, um local simples que mantinha as mesmas características de quando havia sido inaugurado há 40 anos atrás, azulejo azul claro até a metade da parede e tinta branca no restante até o teto, um balcão de madeira com baleiro e uma máquina de café, na parede atrás do balcão havia várias prateleiras com garrafas de pingas da região e até de outros Estados, algumas garrafas de tequila e pequenos barris de vinho. André, um dos amigos, era o proprietário, portanto já estava no local aguardando pelos amigos, da porta era possível ver a exuberante lua cheia entre as árvores da praça da matriz, ele reservou uma das mesas de madeira com quatro cadeiras e deixou-as do lado de fora onde os amigos ficavam mais á vontade para conversar.

            Mateus apareceu por volta das 21hs e logo em seguida chegou Robson, animados já abriram uma cerveja e começaram a gargalhar com os fatos ocorridos desde o último encontro. Entre a turma, Mateus tinha a fama de ser o briguento, esquentado e valentão, não levava desaforo para casa e nunca titubeava em defender os amigos de qualquer encrenca. Ás 22h45min chegou Joel, que ao contrário de Mateus, era mais medroso, não sabia brigar e tinha dificuldade em manter suas opiniões, cansado, sentou-se na mesa e pediu uma tequila.

            _O que houve Joel? – Perguntou André.

            _Meu chefe, me segurou até mais tarde.

            _De novo? – Mateus falou alto inibindo Joel.

            _Ele queria que eu finalizasse um trabalho para amanhã.

            _Um trabalho dele certamente. – Era comum Joel fazer trabalhos além de suas responsabilidades na empresa de publicidade, por não ter forças em dizer não, criando a imagem de um profissional que é explorado por todos na empresa, sabendo disso Mateus se irritava e por vezes ameaçou ir até o local tirar satisfação dos responsáveis.

            _Tudo bem pessoal, já estou aqui não é mesmo?

            Mateus entendeu o tom de corte do assunto, porém, se remoía por dentro, não conseguia entender como um de seus melhores amigos podia ser tão “frouxo”.

            A conversa já entrava pela madrugada, muitas risadas e zueiras entre os amigos até que uma neblina surgiu e com ela um cheiro estranho.

            _Nossa! Estão sentindo este cheiro de enxofre? – Robson exclamou fazendo careta.

            _Horrível isso! – Mateus observou que a neblina estava mais densa do lado oposto da praça que já estava deserta.

            _Muito bem pessoal, por hoje já deu. – Joel aparentemente incomodado com a situação já se levanta com a intenção de ir embora.

            A conta era paga posteriormente, os amigos ajudaram André a fechar o botequim, e resolveram tomar a saideira em um “inferninho’ famoso da cidade, logicamente com a reprovação de Joel, atravessaram a praça sentido á névoa, e o cheiro ruim foi aumentando, dois quarteirões depois estavam passando em frente ao portão principal do cemitério da cidade. Aparentemente estava tudo deserto e Mateus concluiu que o cheiro ruim deveria ser de algo que o coveiro estivesse queimando lá dentro.

            _Não gosto de passar por aqui, me dá arrepios. – Joel expôs sua fraqueza irritando Mateus.

            _Não seja frouxo.

            _Calminha pessoal, não é nada demais. – Robson estava com seus sentidos bem alterados devido o excesso de tequila. _Joelzinho, ai só tem gente morta o perigo está aqui fora. – Falou e sorriu.

            _Isso mesmo, não há o que temer. – André confirmou as palavras de Robson.

            _Sei lá pessoal, essa névoa, esse cheiro em sexta –feira de lua cheia, tudo muito estranho.

            _Não seja um bundão Joel.

            _Me respeite Mateus, cuidado como fala comigo, tenho coragem suficiente para enfrentar qualquer coisa.

_Ha, há, há! – Mateus estava irritado e soltou uma risada de deboche, parado olhando para dentro do cemitério teve uma ideia. _Muito bem então Joel, se é macho mesmo, como diz que é, quero te desafiar a um teste. – Ele falou sem olhar para Joel, mantinha os olhos fixos no cemitério.

_Pare de criancice. – Joel tentou encerrar o assunto de imediato, entretanto, Mateus estava decidido a por em prova a coragem de seu amigo.

_Vamos lá, seja homem de verdade uma vez na vida.

_Rapazes parem com isso e vamos apertar umas bundas na boate. – André tentou mudar o rumo da prosa, mas sem sucesso.

_Tem razão André, o Joel é um frouxo e jamais aceitaria um teste de coragem. – Mateus deu sua última cartada para tentar persuadir Joel. _Vamos para boate que ganhamos mais.

_Espere ai. – A tentativa de Mateus pareceu fazer efeito. _Nunca mais me chame de frouxo. – Joel irritado avançou na direção de Mateus, os amigos precisaram segurá-lo.

_Ah! Tudo bem, posso não falar mais, mas a impressão que ficará será esta.

_Vocês são dois babacas, vou indo para boate. –Robson falou ajeitando a camisa de Joel com uma esticada e um tapinha em seguida foi surpreendido pela voz alta de Joel.

_Muito bem seu babaca metido a valentão, qual é o desafio?

_Olha! A menina ficou brava. – Mateus riu tirando um sarro do amigo. _É bem simples Joel, já são 2hs da manhã e o desafio é você ficar junto ao túmulo do Cel. Sandoval, aquele que em 1947 em um ataque de fúria assassinou a esposa, três filhos e a baba, colocou fogo na casa e depois se suicidou, até pelo menos ás 5hs da manhã.

Joel se arrepiou inteiro, ficou ali estatelado olhando para Mateus, parecia estar pensando se tinha sido uma boa ideia aceitar o desafio, afinal se desistisse agora seria motivo de chacota pelos amigos e principalmente de Mateus. Respirou fundo e aceitou o tal desafio de coragem sem ter certeza se havia tomado a decisão certa.

_Muito bem, onde fica este túmulo? – Joel perguntou com uma nítida insegurança na voz.

_Vamos pessoal, iremos juntos lá dentro para mostrar o local ao “Joelzinho”. - Mateus debochava de seu amigo e os outros amigos riam em deboche também.

Pularam o muro do cemitério e cautelosamente seguiram pelas pequenas ruas de túmulos, embaixo de um carvalho estava o local de descanso do Cel. Sandoval, com uma foto 3x4 amarelada em uma pequena moldura oval.

_É aqui amigo, seja homem e passe o resto da noite neste local, você só pode sair do cemitério ás 06hs da manhã.

_Sem problemas Mateus, mas saiba que depois deste desafio imbecil não serei mais amigo de idiotas como vocês.

Os amigos debocharam mais uma vez com a certeza que aquelas palavras eram de momento, pois jamais suas amizades seriam abaladas. Despediram-se e foram embora, inicialmente o combinado era que ficariam ali, nos bancos da frente do cemitério esperando Joel completar o desafio de coragem, porém Robson teve outros planos.

_Aí seus inúteis, o que acham de irmos para boate e voltarmos aqui ás 6hs?

André nem pensou no assunto, aceitou imediatamente, assim como Mateus e seguiram ás gargalhadas para mais uma curtição naquela noite.

No cemitério, Joel estava muito desconfortável encostado na tumba do Cel. Sandoval, acendeu um cigarro e mentalmente seguia xingando seus amigos. Vez ou outra ouvia ruídos estranhos, o barulho de folhas secas caindo no chão lhe dava a impressão de passos, os piados de corujas pareciam assobios de almas penadas, galos que cantavam ao longe lhe davam a impressão de gemidos de crianças, essa atmosfera foi contaminando sua mente, passou a suar frio, sentia calafrios percorrer lhe o corpo, as mãos suadas e olhos esbugalhados mostravam o tamanho do desespero que tomara sua mente até que subitamente, uma ventania tomou conta do cemitério, com as árvores farfalhando, folhas secas “correndo” de um lado para outro, foi a gota d’água para Joel, em desespero ele saiu correndo, tropeçando entre vasos e oferendas, ofegante ele corta caminho por entre alguns túmulos querendo alcançar o mais rapidamente possível a saída do cemitério, foi quando algo aconteceu, sentiu segurarem sua calça na altura da perna, próximo á canela. Joel arregalou os olhos, seu coração parecia que saltaria pela boca, passou a se debater freneticamente gritando.

_Me solte! Me solte!

Já era 05:20hs quando Robson lembrou os amigos que estavam atrasados para encontrar Joel no cemitério. Apressadamente percorreram quatro quarteirões e quando chegaram à sinistra rua viram algo que os assustou, havia duas viaturas da polícia e uma ambulância paradas na porta do cemitério. Lentamente os amigos se aproximaram, foi quando o sargento Antunes ia saindo pelo portão.

_Bom dia sargento! – André era amigo de infância de Antunes. _O que houve?

_Bom dia André, infelizmente um fato inusitado e estranho. – De repetente o Sargento lembrou da amizade entre os rapazes. _Vocês eram grandes amigos do Joel não é mesmo?

_Porque está se referindo a ele no passado? – Perguntou Robson.

_Eram amigos ou não?

_Sim éramos todos amigos. – André conhecia bem Antunes e sabia que ele era pavio curto.

_Certo! Bem, eu me refiro no passado porque infelizmente ele foi encontrado morto.

_Como assim! – Os amigos recebem a notícia com espanto exclamando juntos.

_O coveiro foi fazer uma ronda de manhã cedo como faz de costume, e encontrou Joel caído no meio do cemitério, nos chamou, e chamou também o resgate, mas quando chegamos o rapaz já estava morto.

Desesperado Mateus indaga o policial:

_Mas o que houve com ele?

_Aparentemente um galho de árvore enroscou em sua calça, e o susto lhe causou um enfarto. – Antunes falava com ar de desconfiança para os amigos. _Mas tudo será confirmado após a análise da autópsia e da perícia policial.

_Meu Deus! – Exclamou Robson.

_Por acaso vocês sabem o porquê dele estar no cemitério durante á noite? – Desconfiado, Antunes faz perguntas ao grupo de amigos. _Vocês sempre andam juntos, por que esta noite resolveram se separar do Joel?

Os amigos gaguejavam e não conseguiam responder as perguntas.

_Tudo bem rapazes, vão para casa, mas não desapareçam, irei chama-los para depor, só por precaução.

Depois desse fato, alguns moradores da cidade dizem que á noite, na porta do cemitério, aparece um homem todo de preto que chama as pessoas para entrar e visitar os túmulos, obviamente ninguém aceita e então estas pessoas são hostilizadas com xingamentos de frouxos, bundões e outros palavrões.

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