Capítulo 3 – Caindo na Real

Ele saiu do quarto de Rachel um pouco confuso. Não tinha entendido direito o que ela quis dizer com “Eu não tenho agido muito bem com ela”, mas também enxergou muita dor em seus olhos.

Eram quase sete horas da noite, o jantar já estava sendo servido. Dylan entrou no quarto, esperando encontrar Miranda dormindo, mas o que ele viu o deixou desesperado.

Miranda estava sentada no chão da sacada do quarto dele, olhando o mar. Ela abraçava as pernas e soluçava com seu celular ao lado dela, também no chão. Ele se aproximou com cuidado para não a assustar, sentando-se a seu lado, sem nada dizer. A abraçou e ela apoiou a cabeça em seus ombros,  derramando-se em lágrimas.

─ Está tudo bem – ele dizia baixinho, enquanto a abraçava mais forte ainda. ─ Eu estou aqui.

Ela continuou chorando por quase dez minutos, nessa mesma posição. Quando se acalmou, levantou o rosto e enxergou um anjo a olhando, com as asas abertas, aconchegando-a.

─ O que aconteceu, Miranda? – ele perguntou.

─ Nada. – Ela falou, abaixando novamente o rosto.

─ Ei, como nada? – Disse, levantando o rosto dela, fitando-a fixamente.

─ Nada, amor, não quero te chatear…

─ Oh, você não me chateia, nunca. O que houve? Não aguento te ver assim e não saber como te ajudar.

─ Nada, é só que…

─ Só que…

─ É que nada disso é o que eu queria… – ela disse, escondendo o rosto entre as pernas, para que ele não a visse chorar mais.

Um silêncio avassalador dominou os dois.

─ O que você não queria, Miranda? – ele disse, olhando para ela ─ Estar aqui? Podemos ir para outro lugar! Você quer ir pra casa?

Ela só chorava.

─ Você quer outro quarto? Você… você quer ficar no seu quarto?

Ela continuava sem reação nenhuma.

─ Eu não entendo, linda. Você quis vir pra cá. Você está arrependida de algo? – ele parou por um momento – Miranda, olha pra mim! – ele falou sério.

Ela parou de chorar e levantou a cabeça. Ele a encarava com o rosto preocupado enquanto tentava encontrar na atitude dela algo que explicasse esse choro.

─ Você está arrependida de ficar comigo? – ele disse pausadamente cada palavra, com muito medo da resposta.

─ Não, não, Dylan… eu não me arrependo nem um pouco disso. Eu te amo… muito. Agora mais que nunca – ela falou, inconscientemente colocando as mãos no ventre.

─ Então, do que você se arrepende?

─ Eu só não queria que tudo tivesse acontecido desse jeito… Quero dizer, sei que vou parecer ridícula, antiquada e previsível, mas sempre sonhei em me casar, meu noivo me visitar em casa, escolher meu vestido de noiva, ter meu dia de noiva, me preparar para ele, entrar por um tapete vermelho em algum templo, qualquer que seja, e poder responder o sim…

Ele só a observava.

─ Eu também sempre sonhei em terminar meus estudos, me formar em alguma faculdade e me tornar uma profissional. Eu sempre sonhei em ter um futuro, qualquer que fosse, mas por menos exigente que meu sonho fosse, nunca desejei estar com 18 anos a milhas e milhas de distância de casa, sem ter concluído o ensino básico, fugida de casa, sem falar com meus pais e ainda por cima… – ela continuou, dando uma pausa – grávida.

Ela não percebeu, mas na medida em que ia relatando suas frustrações, sua voz aumentava. No final, estava gritando. Dylan apenas a olhava, pensativo. Tudo aquilo era muito novo para ela, e para ele também, mas ele não cresceu com expectativa nenhuma.

─ Agora tô aqui, não sei quem sou mais. Meus pais não são meus pais, eu não sou eu. E agora tenho um filho crescendo em mim… O que eu faço, Dylan? O que eu faço? Eu não sei pra onde ir, eu estou perdida… Eu… eu…

─ Ei, ei – ele a agarrou, embalando-a ─ sei que está perdida. Eu também estou. Eu não queria me apaixonar, não planejei isso. Eu também tinha todo um plano que me foi roubado por outra pessoa, quando era um anjo no céu. Depois recriei meus planos aqui na terra, mas não queria me envolver. Não planejei isso, Miranda, nada disso! Não planejei, mas estou muito feliz, porque eu sei que esse filho vai ser nossa solução. Eu sei que no momento em que eu colocar meus olhos nele meu coração vai se encher de alegria, sei que farei qualquer coisa por ele, e que mesmo que eu não tenha planejado nada disso, sei que serei feliz como jamais fui em toda a minha vida…

─ E como você sabe disso tudo? Diz, porque eu não sei…

─ Eu sei disso tudo porque é assim que me sinto desde o primeiro momento que coloquei os olhos na mãe dele. Caralho, Miranda… Eu te amo, mesmo antes de saber, de ter consciência disso.

Ela levantou seus olhos encontrando os dele. Com as duas mãos ele segurou seu rosto, acariciando-o com as pontas dos dedos.

─ Não se desespere. Eu sei que é tudo novo pra você como é pra mim, mas você pode continuar seus estudos, pode rever seus pais, aliás, pode conhecer seus pais biológicos. Podemos criar uma vida juntos. Eu posso voltar com a música, sempre fui bem-visto nesse cenário, podemos fazer dar certo, meu amor.

─ Nos conhecemos há tão pouco tempo, Dylan. Como pode ter certeza de tudo isso?

─ Eu não tenho certeza de nada, Mi. – Ele encostou a testa na dela. ─ Mas por você posso arriscar. – Disse isso, suspirando pela emoção que estava sentindo ao revelar seus sentimentos. Ele não costumava fazer isso, não costumava fazer nada que estava fazendo nos últimos meses.

─ Eu também… – Miranda falou.

─ Também o quê?

─ Também te amo. Eu também posso arriscar.

Ele levantou o rosto dando um beijo na testa dela. Segurou suas mãos e a ajudou a se levantar, puxando-a para um abraço.

─ Você está com fome? Pensei em comer aqui mesmo.

─ Pode ser. Eu estava dando uma olhada nesses cartões informativos que encontrei. Aqui é bem grande, não é? – Miranda falou, enquanto se recompunha.

─ Não sei. Da última vez que estive aqui eles ainda estavam construindo esse lugar.

─ Sério, faz tempo então, já que aqui diz que foi construído há mais de 500 anos.

─ Eu falei que era velho, não? – Ele se aproximou, abraçando-a pela cintura. ─ O que mais você descobriu?

Os cartões de visita eram um tipo de mapa do local. Todos os corredores da área comum estavam expostos, a fim de facilitar o trânsito dos hóspedes no lugar. Era possível ver a entrada do hotel bem ao centro, seguido de longos corredores, um de cada lado, onde ficavam os quartos dessa primeira área dividindo o hotel em Leste e Oeste. No centro havia a recepção, e logo atrás, outro corredor que dava acesso a leste, ao salão de refeições, e a oeste, ao salão de jogos. De frente, havia uma porta que sempre estava trancada, com uma placa que dizia “Entrada apenas para pessoas autorizadas”. O Informativo não descrevia o que havia atrás dessa porta.

─ Descobri que tem uma parte inteira desse hotel que não está informada aqui. – ela mostrou o cartão. ─ O que tem lá?

─ Mas você é curiosa, hein? – ele disse, trocando o cartão com o mapa do hotel pelo cartão com o cardápio do restaurante. ─ O que você prefere? Aqui tem comida de todos os países, o que é ótimo, já que  você não é muito fã de comida chinesa, pelo que me lembro.

─ Pede qualquer coisa. Eu tô aqui pensando… será que esse hotel tem alguma coisa a ver com aquelas almas que vimos hoje cedo? Aqui tá tão calmo para ser o Inferno…

─ Eu vou querer dois jantares italianos completos, por favor. Sim, pode ser suco de abacaxi com hortelã e vinho. Sim, esse está ótimo. Ok, aguardo. – ele disse ao telefone.

─ Você nem prestou atenção em mim – Miranda reclamou.

─ Estou faminto. Mas agora sou todo seu – ele se aproximou, abraçando-a novamente pela cintura e repousando o rosto no ombro da moça. Miranda tinha tomado banho enquanto ele estava fora, e vestia uma calça legging preta com uma blusinha branca de alça. Era o mais básico que ela havia encontrado na mochila de Dylan.

Ele não conseguiu evitar olhar para seus seios sob a blusinha, ela não usava sutiã. Ele não havia trazido nenhum para ela. Desfrutando da visão, o anjo apenas sorriu malicioso para ela.

─ Vou tomar banho enquanto a comida não chega – ele falou, se retirando. ─ A propósito, eu trouxe algumas peças interessantes na mochila para você, mas tem algumas roupas masculinas no meu armário, cortesia do dono do hotel. Talvez no armário do seu quarto tenha também.

….

Rachel saiu do quarto rumo ao salão de refeição, mas antes de passar pelas duas portas, foi subitamente puxada para dentro de outro quarto.

─ Benjamin, jamais faça isso! – ela disse, soltando um tapa no peito do anjo.

─ Desculpa, mas eu precisava falar contigo e não sabia se você estava sozinha no quarto.

─ Custava m****r mensagem? – Apontou para o celular, sendo ignorada.

─ Olha o que eu trouxe – ele disse, sacando um livro antigo de feitiços e conjurações demoníacas. ─ consegui esse livro quando visitamos Aamon, lembra? Eu descobri algumas coisas aqui. Ele não tem apenas feitiços e receitas mágicas. Tem histórias também.

─ Como assim histórias?

─ Aqui tem uma profecia de Lúcifer, em que ele previa uma nova guerra. A guerra final. Para isso ele testaria protótipos de semi-demônios fecundados em humanas, com a ajuda de anjos.

─ Eca, que milkshake de péssimo gosto. – Rachel brincou.

─ Não é só isso. Aqui diz que ele teve ajuda de alguns anjos caídos para isso. Entre eles Azazel.

─ Azazel? Mas ele não está envolvido no sequestro do Jhey?

─ Sim, é aí que eu queria chegar. Ele precisa de um sangue poderoso e forte, como o do Jhey, por isso o sequestrou. Não aXei nesse livro o tal feitiço, mas tenho certeza de que Jhey está com ele. Temos como encontrá-lo!

─ Sim, você está certo! Mas como saberemos exatamente onde ele está? Pelo que fiquei sabendo pelos fofoqueiros daqui, Azazel está apoiando Lúcifer numa espécie de guerra fria demoníaca contra Leviatã e seus seguidores.

─ Ótimo. Então temos uma ideia, ele deve estar na Cidade de Luciferus, o templo de Lúcifer. Mas precisamos do colar de Jhey para conhecermos sua verdadeira localização.

─ Só a louca da pulseira. – Rachel disse, com desgosto.

─ Então vamos levá-la conosco.

A contragosto, Rachel concordou. Sabia que era necessário.

─ E Miranda? Já soube da gravidez?

Benjamin ficou mudo. Ele estava muito magoado com tudo, especialmente porque ele queria ser o pai dos filhos dela, queria estar ao lado dela naquele momento, vivendo cada minuto dessa experiência mágica.

─ Dylan não merece isso! Ele é um hipócrita!

─ Mas é um hipócrita gostosão, hein? – Rachel provocou. ─ Eu os vi hoje no mar, fazendo coisas proibidas para crianças e, de verdade, ela tem bom gosto.

─ Cala a boca, Rachel – Benjamin falou, fechando o livro com força.

─ É verdade. Seria muito engraçado, não é mesmo, se ela não soubesse quem é o pai – Rachel disse, deslizando seu indicador pelos ombros de Benjamin. ─ Não é verdade, Benjamin?

Ele se virou e caminhou rumo a porta. Antes de fechá-la, disse:

─ Fale com Poliana, quero partir logo – e saiu.

O quarto onde Benjamin estava hospedado era ao lado de onde tinha puxado Rachel. Ele entrou rapidamente e se trancou lá dentro. Ficou pensando nas palavras de Rachel, e começou a relembrar dos momentos em que esteve com Miranda.

Que merda!

Ele pensou, ao lembrar de quando eles estavam juntos, nas pedras próximas à casa dela, de como ela era só dele naquele dia, como ela queria ter feito amor com ele. Seus pulsos se fecharam e ele quis gritar de ódio.

Ah! Se eu tivesse tido uma única chance de fazê-la feliz de verdade!

E então se lembrou daquela noite. Daquela fatídica noite em que Poliana sumira e Miranda chegou, após procurar pela amiga a noite toda, apenas quando o sol já estava nascendo, acompanhada por Helena. Naquela noite eles haviam trocado carícias, haviam dormido juntos. Seria possível?

Ele não se lembrava de nada do que tinha acontecido, mas sim, era possível. Ele se lembra de ela ter acordado sem calcinha e ele, nu. Até hoje não sabia como poderia não se lembrar de um momento tão mágico assim, eles não tinham usado nenhuma droga ilícita, remédios ou bebido algo além de água.

Certamente era o cansaço da procura daquela noite. Ele pensou.

O que importa é que sim! Ele poderia ser o pai. E isso mudaria alguma coisa?

Antes de confabular suas próprias respostas, ele abriu a porta, saiu do quarto e foi em direção ao quarto 24, onde a atendente, após uma suave persuasão, revelou que estaria hospedada a Herdeira. Abriu a porta sem bater e encontrou o completo nada. Apenas o vazio dos móveis sem sinal nenhum de Miranda. Algumas roupas jogadas sobre a cama revelavam que ela esteve lá, mas já havia saído.

Ouviu no corredor um carrinho de refeições bem servido, aparentemente para mais de uma pessoa, e se aproximou do funcionário que empurrava.

─ Com licença, esse é o pedido para a Herdeira? – ele arriscou em perguntar.

─ Sim, Senhor. O senhor é o hóspede do quarto 25?

─ Claro. Pode me passar que eu levo. – Benjamin retirou o carrinho das mãos do funcionário, andando sem olhar pra trás.

─ Senhor.

─ Sim – ele parou.

─ Preciso que assine isso. – entregou o canhoto da refeição, onde Benjamin assinou, com ódio, o nome de Dylan. – Obrigado.

Ele continuou rumo ao quarto e tocou a campainha e, ao vê-la abrir a porta naqueles trajes, ficou sem voz.

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