Vermelho como Sangue

A escuridão me encobre,

O sangue é meu alimento,

Não desconfiará da verdade

Nem mesmo por um momento

É interessante como uma história muda com o passar do tempo. Alguns acrescentam um ponto; outros retiram um parágrafo e ainda há aqueles que mudam uma narrativa por completo. 

Entretanto, todos conhecem a história da jovem mais bela de todas, que foi envenenada pela madrasta com uma maçã e só despertou por um beijo de amor verdadeiro. Só que, como muitas outras, essa lenda não ocorreu exatamente dessa forma. Hoje, vocês saberão a verdade sobre a jovem branca como a neve.

Há muitos e muitos séculos, havia um pequeno reino que prosperava em riquezas, suas colheitas eram abundantes e seu povo era feliz. Governado por um rei e uma rainha gentis, os plebeus trabalhavam em paz e com alegria, festejando quando podiam e celebrando a vida. Infelizmente, sempre há alguém que não se contenta com o que tem. Uma bruxa, de face enrugada e marcada pela passagem das décadas, morava em um casebre afastado do restante do reino. Vestia-se sempre com trapos, comia comida velha, mas recusava qualquer ajuda que os outros camponeses tentavam lhe dar. Sobrevivia à base de esmolas e invejava a vida dos outros, mesmo que ela mesma não quisesse fazer igual. Porém, mais do que a qualquer um, a bruxa invejava a rainha. A monarca era tudo o que ela não era: bela, jovem e amada pelo povo.

Tomada pelo rancor e ódio, a velha feiticeira resolveu que se ela não tivesse uma vida boa, mas ninguém teria o direito de viver assim. Acabaria com toda felicidade do reino, principalmente daquela que mais odiava.

O único desejo não realizado da rainha era dar à luz a uma criança como herdeira do reino. Mesmo após inúmeras tentativas e já ter se encontrado com todos os médicos e curandeiros daquele reino e dos próximos, a rainha não conseguia engravidar. O rei sabia da dor da esposa e partilhava do mesmo desejo de ver o fruto do amor deles e um futuro para a liderança do reino, entretanto, não sabia mais o que fazer para conseguir realizar o sonho deles.

Numa tarde de muito frio, em que a neve caía em grossos flocos e gelava até os ossos, a rainha estava bordando à beira da janela e, em um momento de distração, a agulha furou seu dedo, o que fez com que uma gota de sangue caísse na neve. No

momento em que a gota tocou o pequeno amontoado branco na janela, imagens terríveis surgiram na mente da rainha. Grandes poças de sangue derramado; uma coroa caindo no chão e fazendo um barulho terrível e gritos que só podiam ser de alguém que estivesse em profunda agonia. A rainha, em choque, desmaiou. Suas damas de companhia logo a acudiram e a monarca ficou em repouso, mas as imagens não saíram de sua mente. Acordava algumas noites em desespero, com o corpo coberto de suor e a pele pálida por ter revisto as cenas em seus pesadelos.

Alguns dias depois do ocorrido, uma senhora de rosto gentil bateu à porta do palácio, pedindo para falar com a rainha. Conforme o protocolo, as criadas a atenderam e repassaram o pedido para a rainha, que por não estar ocupada com nenhuma função emergencial, aceitou a visita da desconhecida na presença de seus guardas. No

aposento destinado à rainha e demais damas da corte, a idosa já a esperava com um semblante tranquilo e uma pequena cesta na mão. Quando a monarca adentrou o recinto, a  senhora abaixou-se para fazer uma reverência, mas a rainha se aproximou e a impediu:

 — Isso não é necessário, gentil senhora, sou apenas uma mulher como qualquer outra desse reino. Não deve se curvar para mim — afirmou ela com um sorriso, enquanto tocava suavemente nos braços da camponesa. — Qual o seu nome e em que posso ajudá-la?

— Meu nome é Carmélia e, na verdade, vossa majestade, — explicou a idosa — eu esperava que pudesse ajudar a vós.

— Me ajudar? Em que sentido?

— Sei que há muito deseja uma criança... — O sorriso da rainha desapareceu  e sua expressão leve deu lugar a um semblante de tristeza profunda ao concordar com a senhora com um aceno de cabeça.  — E creio que posso resolver esse problema.

— Mas como? Já tentei todos os remédios, tomei várias ervas e fiz vários tratamentos…. Sinto que nasci sem a capacidade de dar a luz — finalizou a majestade, que foi até uma cadeira mais afastada e se sentou, colocando o rosto entre as mãos.

— Há, sim, uma solução — disse a velha. — Existe uma flor capaz de gerar vida mesmo no útero mais estéril.

A rainha se espantou e elevou o rosto. Nunca ninguém tivera a coragem de chamá-la de estéril. Sempre contornavam a situação e diziam que era uma questão de tempo, que logo conseguiria gerar vida. Mas, além de deixar claro o problema da monarca, a idosa havia lhe apresentado uma solução, uma forma de finalmente ter seu bebê tão esperado em seus braços. Com nova determinação e um brilho que há muito não tinha no olhar, a rainha perguntou:

— Onde consigo essa flor? Diga apenas onde está e farei o que for preciso para ter o meu filho.

— Eu a tenho. — A velha retirou da cesta uma flor vermelha como o sangue que estava dentro de um pote de vidro.

A senhora se encaminhou até a rainha e lhe entregou a flor misteriosa, que a tomou nas mãos trêmulas, assustada e ao mesmo tempo exultante. Entretanto, algo ainda precisava ser resolvido antes de arriscar uma última tentativa de gerar vida.

— E o que espera em retorno? Se eu der à luz a uma criança, pode pedir qualquer coisa nesse reino. Peça e será seu. Ouro, riquezas, joias ou terras, tudo o que desejar.

A idosa sorriu com gentileza e negou com a cabeça.

— Não peço nada, minha rainha, além da chance de cuidar da sua criança desde quando ela nascer até que atinja os dezesseis anos de idade.

— Você quer ser a ama do meu filho? Somente isso? — perguntou a rainha, espantada e olhou para os guardas em volta, que estavam tão surpresos quanto ela..

— Nada me daria maior alegria — respondeu a velha.

A monarca aceitou essa resposta e voltou a olhar com admiração para o que seria, finalmente, a resposta para todas suas preces. Por estar distraída, porém, ela não notou quando a idosa sorriu de forma maliciosa e nada gentil.

Após consumir o chá feito da estranha flor, e que tinha o gosto amargo e ocre de sangue, a rainha logo descobriu que realmente carregava um bebê. A notícia logo se espalhou e todo o reino celebrou a vinda do herdeiro ao trono, porém ninguém estava mais feliz que o rei e a rainha, que nunca haviam sorrido e celebrado tanto.

Mas não há alegria que nunca acabe.As comemorações logo deram lugar ao medo e a tensão se espalhou pelo castelo. Já no segundo mês, a gravidez da rainha se mostrou difícil e mesmo que ela passasse todo tempo em seus aposentos descansando, sentia dores que a faziam gritar e febres tão altas que nada as fazia baixar. O rei estava desesperado. Chamava médicos e curandeiros um atrás do outro, mas todos eles repetiam a mesma coisa: “não há nada a ser feito”. Nenhum remédio ou chá diminuía os tormentos da monarca, que só sabia rezar e pedir a quem for que atendesse que o fruto do seu ventre estivesse bem.

Ao chegar nos últimos meses de gravidez, as dores deram lugar a alucinações e a rainha não conseguia mais sair de sua cama, onde suava e gritava sem parar:

“Pele branca como a neve, cabelos negros como a noite e lábios vermelhos como o sangue... Pele branca como a neve, cabelos negros como a noite e lábios vermelhos como o sangue... vermelhos como o sangue... sangue...”

As criadas corriam assustadas ao ouvir os lamentos da rainha e não sabiam o que fazer com a pobre monarca que tremia e se sacudia em seus devaneios, acordando aos gritos no meio da noite e alastrando o medo pelo castelo. A única que conseguia fazer a rainha se acalmar era a gentil senhora, que, com apenas um toque, tranquilizava a

realeza e a colocava em um sono sem sonhos. O rei começou a temer pela vida de sua esposa e de seu filho ou filha. A idosa confirmou que infelizmente, como toda gravidez, aquela possuía riscos.

O tempo passou apesar de todo sofrimento e, finalmente, a rainha entrou em trabalho de parto. Os gritos proferidos por ela faziam o sangue das criadas gelar e apenas a senhora e Gisela, a ama mais amada e que mais amava a rainha, tiveram forças para ficar com ela. O parto durou muitas horas e a rainha sofreu muito. Todo o reino rezava para que o sofrimento da rainha tivesse fim e choravam continuamente por pena da doce soberana.

Quando todos já estavam muito preocupados, um choro de criança foi ouvido: a princesa havia nascido. O choro era agudo e fino demais, porém não durou muito. O rei entrou na sala do parto e encontrou a rainha também chorando, porém de alegria, com sua filha nos braços e se encheu de felicidade. Todos os seus sonhos tinham se tornado realidade, dali em diante o futuro do reino estava tranquilo e em mais

paz e sua família estaria completa e feliz, com o futuro assegurado pela sua herdeira. Como ele estava enganado.

Apenas alguns dias após o nascimento da criança, a rainha foi acometida de uma terrível doença. Parecia que toda sua energia estava sendo drenada e mesmo que fosse normal uma longa recuperação após uma gestação tão difícil, não era nada comum uma mãe que acabara de dar a luz manter-se no escuro e tão arisca. De um modo estranho, quanto mais a princesa mamava, mais a rainha ficava cansada e doentia, porém, insistia em ter o seu bebê em seu colo o máximo de tempo possível.

Após alguns meses desse tormento infindável, em que o rei já não conseguia esconder seu desespero, a rainha faleceu. O reino se vestiu de luto e tanto o rei quanto os súditos ficaram em tristeza profunda. Antes de falecer, entretanto, segurou firme nas mãos do Rei e repetiu:

“Branca de Neve… Branca de Neve... Branca de Neve...”

E assim a princesa foi nomeada.

A criança ficou aos cuidados de Carmélia, porém, desde o príncipio, Gisela desconfiou do ocorrido e era a única que duvidava da gentil senhora que cuidava da princesa. Ela foi a primeira a sumir. A cada mês, sem qualquer pista ou testemunha, uma pessoa sumia na corte ou próxima a ela e ninguém conseguia descobrir a causa. As pessoas simplesmente desapareciam no meio da noite de seus próprios quartos, não deixando nenhum rastro ou pista de para onde podiam ter ido ou terem sido levados.

Nesse meio tempo, a princesa crescia em graça e beleza e ninguém conseguia resistir aos seus encantos. A cada ano que passava, via-se que seus cabelos se tornavam mais escuros e sua pele mais clara, pois se negava a sair do castelo durante o dia, alegando que estava mais confortável dentro de casa. Por mais que soubessem que ela era mimada e autoritária, os criados não conseguiam lhe dizer não, tão apaixonados ficavam por sua beleza. As refeições dela, porém, eram todas feitas pela senhora e a princesa as consumia sozinha em seu quarto, sem que qualquer pessoa soubesse o que ela estava

comendo. Nas grandes festas, ela encantava a todos com sua beleza, mas não participava do banquete, se desculpando por consumir apenas alimentos muito frescos e nada que ninguém fizesse conseguia fazer mudá-la de ideia, ainda mais porque ninguém perguntava nada para ela duas vezes.

As crianças do palácio se mantinham longe da princesa, falando que tinham medo dela e se escondendo quando ela aparecia nas cozinhas ou em outros ambientes que elas se encontravam. Por isso, Branca de Neve estava sempre sozinha ou na companhia da senhora.

O rei era louco por sua filha, a satisfazendo em todos os desejos, por mais fúteis que fossem. Enchia-a de presentes e surpresas, dando-lhe vestidos, joias, brinquedos e livros que ela deixava de lado logo em seguida pedindo por mais.

Os anos foram se passando e, apesar dos desaparecimentos e caprichos da princesa, o reino ainda prosperava e era motivo de alegria para seu rei e seus súditos. Nas vésperas do seu aniversário de dezesseis anos, Branca de Neve começou a se afastar ainda mais da corte, dizendo que estava doente e que preferia ficar em seu quarto. Carmélia disse aos criados que achava melhor para todos que se mantivessem afastados, para não correrem o risco de pegar a mesma doença e assim todos fizeram.

No dia do aniversário, ao nascer do sol, ouviu-se um alto grito que alcançou quase todo o reino e que perceberam que vinha do castelo, mais precisamente do quarto da princesa. Os guardas, as damas do corte e o rei correram para saber do que se tratava e o que havia acontecido a Branca de Neve.

Ouviram outros sons, como alguém que se debatia, vindos do mesmo recinto, que se encontrava com a porta trancada e, mesmo com ordens do rei, a princesa não a abriu. Os barulhos de briga permaneceram por mais alguns distante, alguém se debatia. Até que finalmente os guardas conseguiram derrubar a porta, porém ninguém estava preparado para o que havia dentro do cômodo. Um som de surpresa e dor foi emitido por todos. Com os olhos esbugalhados, marcas roxas e arranhões ao redor do pescoço, Branca de Neve estava enforcada em seu lustre. A princesa estava morta.

Não havia nenhum sinal de Carmélia além de uma janela aberta. O rei caiu de joelhos em prantos, sentia que sua vida havia sido destruída, primeiro sua amada esposa, depois sua adorada filha haviam sido tiradas dele. Porém, o monarca não sabia que o verdadeiro terror mal havia começado.

Branca de Neve foi sepultada no Mausoléu do Palácio em um caixão ao lado de sua mãe. Entretanto, não estava enterrada, apenas dentro de um caixão feito de algo que se assemelhava a cimento. Mais uma vez, o luto se alastrara sobre o reino e o rei não mais quis sair de seus aposentos ou conversar ou mesmo dar ordens. Ele desistira da vida e não queria mais atuar em nenhum conselho ou decidir o que deveria ser feito pelo reino. Seus conselheiros ficaram temerosos, não sabiam o que fazer para que ele pudesse se animar novamente e retomar os seus deveres. Meses haviam se passado e o povo temia pelo seu futuro, até que ela apareceu.

Elisabeth era uma caçadora que estava de passagem, ela era uma mulher forte, de

olhar determinado e feroz. Possuía longos cabelos castanhos que chegavam à sua cintura e ficavam sempre presos em um rabo de cavalo que chacoalhava quando andava. Seus olhos castanhos contrastavam com seu pequeno nariz e seus lábios finos. Não trajava vestidos, mas sim roupas masculinas de caça e sua pele era dourada pelo sol. Quando seu grupo passou pelo reino, participaram de um jantar no palácio e, por um verdadeiro milagre, o rei saiu de seu quarto para comparecer ao mesmo. No instante que seu olhar encontrou o de Elisabeth, ele se apaixonou imediatamente. A cor voltou às suas faces e ele deu o primeiro sorriso desde que Branca de Neve era viva. O sentimento foi recíproco e, em menos de dois meses, os dois resolveram se casar. Novamente o reino se enchia de alegria.

A nova rainha era severa, mas justa e governava de modo que o reino prosperou e deu muitos frutos. Entretanto, os sumiços continuaram e estavam mais frequentes sendo, então, uma vez por semana, além disso, os aldeões se queixavam de sons animalescos ouvidos durante a noite. A rainha começou a se intrigar com o fato e começou a investigar mais a fundo sobre o que poderia estar acontecendo, mas não teve muito sucesso, ninguém que sumia era encontrado novamente e ninguém nunca via alguém que era pego. Elisabeth começou a se irritar com uma presa que lhe escapava, estava sendo impossível descobrir quem estava por trás dos desaparecimentos.

Um dia, enquanto Elisabeth procurava por novas pistas, o rei descansava em seus aposentos, com dois guardas postados do lado de fora guardando sua porta. Gritos roucos foram ouvidos, os guardas invadiram o quarto a tempo de ver Branca de Neve, mais bela do que nunca, com os lábios vermelhos do sangue de seu pai a sorrir para eles e, logo em seguida, pular pela janela. Eles ainda tentaram pegá-la, mas ela sumiu com a noite.

Elisabeth correu até o quarto, encontrando o rei ainda vivo, porém todo ensanguentado e

aguentando por um fio.

— Meu amor... O que houve?

— Ela... — engasgou o rei

— Ela? Ela quem? CHAMEM UM MÉDICO! ONDE ESTÁ O MÉDICO? — Ela se voltou para os guardas que saíram em disparada atrás de suas ordens e ela permaneceu sozinha com o rei.

— Não... há... tempo…

— Não diga isso! — pediu a rainha o colocando em seu colo e o afagando no rosto  — Vossa Majestade ficará bem!

— Não... me escute... ela… — O rei tentava falar, mas se afogava no próprio sangue.

— Ela quem? — insistiu a rainha e os olhos do rei se perderam.

— Lábios vermelhos como sangue... Cabelos negros como a noite... Branca como a neve…

— Branca... Branca de Neve? Ela está morta, meu amor — exclamou a rainha, já imaginando que seu marido estivesse delirando.

— Não, Vossa Majestade! — disse um guarda que tinha acabado de chegar e trazia junto com ele o médico. O senhor mais idoso correu em direção ao rei, mas não havia muito o que fazer. — Nós também a vimos!

— A viram? Como? Ela está morta! — A rainha se voltou para o guarda, enquanto o médico tentava examinar o monarca, que continuava tentando dizer algo.

— Ela não era mais humana... — respondeu o outro, assustado, chegando também.  — Era um monstro! Ela o mordeu e se alimentava dele.

Nesse momento, o médico moveu a cabeça do rei e Elisabeth pôde ver que sangue escorria de dois furos no pescoço do rei que, com um último olhar amoroso para sua rainha amada, faleceu.

Elisabeth fechou os olhos para conter a dor, cerrou os pulsos e se levantou calmamente. O médico ainda tentou últimas verificações, mas ela o dispensou e se voltou para os guardas aterrorizados. Com um rosto feroz disse:

— Nós vamos achar Branca de Neve e executá-la, nem que seja a última coisa que eu faça!

Enquanto isso, na floresta que cercava o reino, sete anões que trabalhavam em uma mina de diamantes voltavam para o seu lar após um longo dia de trabalho. Ao chegarem em casa, já de noite, ouviram batidas na porta e um deles foi atender. Na soleira se encontrava uma linda jovem de longos cabelos negros, pele claríssima e uma boca vermelha como sangue. Eles se encantaram no mesmo segundo.

— Boa noite, senhores, será que vocês poderiam me abrigar por uma noite em sua casa? Já é tarde e estou perdida... Não sei como voltar para minha residência…

Um dos que estavam mais atrás empurrou o que estava na porta embasbacado e respondeu:

— Mas é claro, donzela! Entre e fique o tempo que precisar!

Branca de Neve deu um sorriso perverso, mas que foi completamente ignorado pelos anões que só conseguiam admirar a sua beleza. Ela trajava um vestido em um azul profundo como a noite, com detalhes em dourado e uma capa vermelho sangue. Com o convite, ela pôde entrar e se sentar em uma cadeira no meio da sala de estar, encarando-os.

— Ora, vamos ver... Quem são vocês?

— Então, senhorita... — começou o anão que havia falado.

— Vossa Alteza — corrigiu Branca de Neve.

— Vossa Alteza, eu sou Pólus, esses são meus irmãos Gamlin, Phebus, Jyunetis, Dracos, Cretus e Wilys.

— Hum... e o que vocês fazem? — perguntou, já desinteressada

— Somos mineradores, Vossa Alteza, mineramos diamantes.

— Você disse diamantes? — Branca de Neve se animou.

— Sim, alteza, os trocamos por comida e outras coisas quando vamos à cidade.

— Muito bem, de agora em diante, vocês três irão trabalhar — disse ela apontando para Pólus, Gamlin e Phebus. — Vocês dois — continuou, se voltando para Jynetis e Dracos, que eram os mais fortes — irão construir um sarcófago todo de diamante para mim. E, por último, vocês dois — finalizou, apontando para Cretus e Wilys — cuidarão da minha segurança e arrumarão essa casa que está parecendo um chiqueiro!

Na mesma hora que ela disse tais palavras, os anões a obedeceram cumprindo as ordens dadas e Branca de Neve sorriu perversamente.

— A diversão está só começando.

No reino, Elisabeth treinava fortemente durante o dia para caçar Branca de Neve e, durante a noite, estudava grossos livros para tentar compreender o que era aquele monstro e o que deveria fazer para destruí-lo. Após uma semana delegando suas tarefas administrativas aos conselheiros, Elisabeth finalmente achou em um velho livro o que poderia ser a resposta para suas pesquisas.

— “Vampiro...” — leu ela — “ser das trevas que se alimenta de sangue humano. Só se mostra durante a noite, pois a luz do sol o enfraquece. Durante o dia permanecem em caixões ou cavernas, sempre escondidos dos raios solares. Seres de extrema beleza que conseguem manipular humanos através de ordens ou até mesmo só olhares. Precisam de permissão para entrar em casas e domicílios. São criados a partir de um humano que ingere sangue de vampiro e morre com o sangue em suas veias. Se tiver se alimentado de sangue humano junto com o de procedência de vampiro, se tornará muito mais forte e difícil de se controlar. Para revelar um vampiro basta apenas que ele morda uma superfície clara, ele deixará traços de sangue de suas presas. São seres insaciáveis, que, em sua busca por sangue, matam a todos.” 

Elisabeth passou a elaborar um plano para poder demonstrar a todos quem Branca de Neve era antes de executá-la e continuou a leitura.

 — “Para matar um vampiro, é necessário enfiar uma estaca profundamente em seu coração. Além da luz do sol, a água de fontes sagradas também o prejudica”.

O rei não sabia, mas a rainha tinha um artefato mágico que passara de mãe para filha em sua família. Era um espelho que revelava a localização daquilo que a pessoa mais buscava encontrar. 

Na manhã seguinte, após cumprir com suas obrigações, a rainha foi até seus aposentos, vasculhando até encontrar o espelho, o segurou em suas mãos e disse as palavras mágicas:

— Espelho, espelho meu, quem é que dos meus olhos mais se escondeu?

A imagem no espelho tremeluziu, mostrando Branca de Neve dormindo em seu caixão de diamantes, o rosto sereno como de um anjo. A seguir, mostrou a imagem de uma pequena cabana na floresta e, após, a floresta em si. A rainha já sabia onde procurar.

Branca de Neve despertou naquela noite com a sede queimando-lhe a garganta e saiu em busca de uma presa que já ansiava há meses. Sentira o cheiro da velha há poucos dias e, através de informações que recebera dos seus queridos anões, descobrira onde era o casebre daquela que tinha lhe transformado no que era. Na verdade, Branca de Neve não se queixava, era linda para sempre, todos lhe faziam o que queria e ainda tinha o poder de tirar a vida de quem lhe desse a vontade.

Porém, aquela velha lhe irritara a infância inteira, dizendo o que podia ou não fazer e lhe dera o sangue enquanto ainda era humana. O gosto era repugnante no início, mas depois se acostumara. Estava na hora de fazer uma visitinha à Carmélia.

Acompanhada de seus dois anões de guarda, Branca de Neve foi até o casebre e bateu à porta, ouvindo os resmungos da senhora que empalideceu completamente ao ver quem a esperava ao abri-la.

— Olá, querida ama! — disse Branca de Neve com o sorriso mais delicado do mundo.

A velha bateu a porta e correu para dentro. Branca de Neve apenas acenou com a cabeça e os dois anões que portavam machados começaram a destruir as paredes da casa.

— O interessante é que, se não há casa, eu não preciso de permissão para entrar — dizia Branca de Neve enquanto circulava ao redor do casebre, esperando que os dois anões terminassem o trabalho.

A velha tremia e ofegava, de volta à sua forma normal. O encantamento só durava enquanto tomasse uma poção específica, que já havia acabado. Procurava desesperadamente algo que

pudesse usar para se defender, mas, antes que encontrasse, as paredes já haviam caído e Branca de Neve se aproximava a passos leves. A velha caiu e começou a correr com dificuldade, tropeçando nos restos dos móveis e nas lascas de madeira. Ela caiu novamente e começou a se arrastar quando sentiu uma mão em suas costas que a virou. Encarou Branca de Neve e viu que não havia escapatória.

— Eu te-te imploro! Poupe a mi-minha vida! Eu te dei a eternidade!

— Tsc, tsc, tsc... Você também me ensinou que os fracos não merecem a vida. Adeus, querida ama.

Aos sons dos gritos da velha que tinha seu negro sangue consumido, vários pássaros negros levantaram vôo e Branca de Neve se tornou ainda mais forte com o sangue mágico.

Na tarde seguinte, a rainha saiu para caçar com seus dois guardas de maior confiança, ou foi isso que disse para seus conselheiros. Na verdade, já tinha armado o plano para dar um fim ao mal que havia se alastrado por seu reino. Levava em sua bolsa uma maçã embebida em água consagrada e uma grande estaca de madeira. Seguiu em direção à cabana dos anões sem nada dizer a seus guardas sobre o que os aguardava naquele local ou o que pretendia fazer.

— Majestade, estamos saindo da zona de caça... — começou um dos soldados, olhando ao redor. — Perdoe-me perguntar, mas aonde vamos?

— Homens, eu os trouxe pois confio em vocês mais do que em quaisquer outros — afirmou a rainha — hoje iremos acabar com o monstro que tem assombrado o nosso reino. Compreenderei se vocês não quiserem ir, porém, eu irei e trarei a cabeça de Branca de Neve.

Os dois homens se entreolharam e acenaram com a cabeça. Aquele que ficara em silêncio disse:

— Majestade, nós a seguiremos até o inferno se for necessário. Traremos a paz de volta para nosso reino.

A rainha, orgulhosa, concordou com a cabeça e eles aumentaram a velocidade da cavalgada, se aproximando do local da cabana.

Pouco tempo antes, naquela mesma floresta, um príncipe cavalgava retornando de uma viagem que fizera para espairecer. Seus pais estavam fazendo pressão para que se casasse logo, porém ele não almejava tão cedo prender-se a alguém. Estando absorto em pensamentos, ele não percebeu quando um anão veio correndo em sua direção e se assustou com os gritos do mesmo.

— Meu senhor! Meu senhor! Por favor, ajude-me!

O príncipe olhou para o simpático senhor pequenino e disse:

— Claro, meu bom amigo. Em que posso ajudá-lo?

— É uma donzela! Ela está desmaiada! Ela precisa que alguém a ajude!

— Vamos agora mesmo.

O anão saiu em disparada com o príncipe cavalgando logo atrás. O que o jovem não sabia é que tudo não passava de uma armadilha de Branca de Neve que ordenara aos anões que lhe trouxessem alguém para alimentá-la logo que acordasse.

Ao chegar na cabana, no final da tarde, o príncipe entrou com ferocidade, procurando a moça e perguntando:

— Onde ela está? Cadê a moça?

— Por aqui! — disse outro anão que estava na sala e o levou a um porão completamente escuro.

Os olhos do príncipe demoraram a se adequar e ele pode reparar melhor no rosto dos homenzinhos que o acompanhavam, pareciam estar em transe. Conseguindo, finalmente, enxergar, o príncipe estranhou o enorme sarcófago de diamante, mas logo foi tomado pela beleza estonteante da jovem que estava deitada dentro dele. Ele se aproximou e se inclinou para beijá-la no exato instante que a noite caiu e Branca de Neve abriu os olhos e sorriu maliciosamente.

O príncipe percebeu que algo estava errado e tentou se afastar, mas atrás dele os anões o impediram a fuga. Branca de Neve foi se levantando devagar enquanto analisava sua presa.

— Parabéns Pólus, sangue real... Ótima escolha!

— O meu dever é agradar a minha rainha — respondeu o anão que tinha guiado o príncipe.

Branca de Neve sorriu com aquilo e se armou para atacar, o príncipe, desesperado, gritou em pânico, ao mesmo tempo que Elisabeth com seus dois homens entraram correndo na casa.

— Guardas, peguem os anões, mas não o machuquem, eles não têm controle sobre os atos deles… — Enquanto os guardas os amarravam, ela se virou para a jovem que já tinha em seus braços o príncipe — Branca de Neve, solte-o!

Branca de Neve olhou para o príncipe e depois para Elisabeth e resolveu que a rainha era um prêmio muito melhor. Com a ponta da unha do indicador, fez um leve corte no pescoço do príncipe e limpou a gota de sangue que de lá escorreu. Levou o dedo à boca e suspirou, mas, por fim, soltou o jovem que se juntou aos guardas para prender os anões, deixando a princesa para ser lidada pela rainha.

— Ora, ora, ora se não é a minha querida madrasta — disse ela com a voz infantil — a que devo a honra de sua visita?

— Eu poderia dizer muitas coisas, — começou a rainha com uma voz baixa — mas melhor dizer que é simplesmente para o seu fim!

Dizendo isso, a rainha pulou em cima da princesa rolando com ela e tirando a maçã do bolso. Deu uma chave de braço no pescoço de Branca e forçou a maçã em sua boca. A princesa deu um berro inumano e cuspiu a maçã suja de sangue, estava com os lábios queimados e se virou com ódio para a rainha, pulando em cima dela. A luta era feroz, e os guardas, após imobilizarem os anões, tentaram ajudar, mas as duas mulheres lutavam muito bravamente, impossibilitando qualquer um de se aproximar. Depois de socos, chutes e tentativas de mordidas por parte de Branca de Neve, a princesa encurralou a rainha contra um canto. Os guardas tentaram se aproximar, mas a rainha os impediu com o olhar. Escorria sangue de um corte em sua testa e Branca de Neve o lambeu.

— Hummm, você será tão deliciosa quanto o meu pai! — disse sorrindo

Elisabeth recebeu nova ira e energia com aquela frase e puxou a estaca de dentro da bolsa e enterrando no coração de Branca pelas costas enquanto a princesa tentava enfiar as presas em seu pescoço.

Branca de Neve deu um berro que sacudiu todas as árvores da floresta e seu corpo foi enegrecendo até se desfazer em um pó preto. Os anões saíram de seu devaneio e olharam aterrorizados para o monte de pó em seu porão. Elisabeth, os guardas e o príncipe deram um grande sorriso, felizes como estavam por terem sobrevivido.

Em uma grande festa, o povo todo aplaudiu a sua grande salvadora, a rainha caçadora que arriscara a própria vida para salvar o seu reino. Depois de alguns meses de troca de correspondência, o príncipe se casou com Elisabeth, criando um laço poderoso entre os dois reinos e todos viveram novamente em paz.

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