Capítulo II

Geny

Sinto o cheiro da brisa fresca vindo da floresta antes de abrir os olhos.

Os pássaros cantam alto lá fora e os raios do sol penetram a cabana. Meu corpo ainda está pesado do cansaço da rotina de ontem. Eu apenas sinto um pequeno corpo se mover contra mim antes de ouvir algo que ouço quase todos os dias.

— Mamãe estou com fome. — Eu a sinto passar por cima de mim na cama com dificuldade para alcançar o outro lado. Abro os olhos e a vejo sentar-se à minha espera. Callie tem apenas 5 anos, mas na minha mente já se passaram 5 anos desde que minha vida mudou para sempre.

Respiro fundo, deixando um leve sorriso se espalhar pelo meu rosto. O dia está começando a clarear quando me levanto para cuidar dela. Callie está sempre com fome pela manhã. Exatamente como alguém que já conheci. Vou para a outra sala na cabana, onde guardo minhas armas e pego minhas adagas. Eu os coloco em cada lado do meu quadril. Nunca ando desarmada. Nem confio na minha própria sombra e quando começo a pensar em me arrepender do que já fiz, volto a ficar satisfeita com cada passo que dei até agora. Mas cada escolha sempre vem com consequências boas e ruins e tenho que enfrentar as ruins agora. Saio de casa e vejo o céu começar a mudar de laranja para azul. No horizonte, altas montanhas decoram a paisagem e vejo outras pessoas iniciando suas tarefas também. Ando calmamente com Callie ao meu lado, ela cumprimenta a todos que passam por nós, depois de me ver fazer o mesmo. Sua felicidade me lembra muito Khan. Desde sua morte, ninguém mais se atreveu a me desejar, e se tentassem, certamente não viriam me testar depois do espetáculo que dei em matar o líder.

Caminho com Callie por alguns minutos perto do bosque. Não muito longe dali fica a casa de Silas. Silas gosta de morar sozinho em uma cabana de madeira mais velha que as outras e na frente de sua casa todo o chão é recheado de verduras. Assim como as árvores ao redor, carregadas de frutas. Como de costume, vejo de longe o velho baixinho de barba escura regando suas plantações. O sol já está alto no céu, e eu olho para o horizonte atrás da casa de Silas e vejo o vasto oceano azul. É uma paisagem linda e eu nunca me canso de assistir.

— Silas! — Callie grita ao me deixar e corre para o homem que a espera com um sorriso. Silas é um dos poucos leais que tenho, praticamente faz parte da minha vida, alguém que está comigo desde que eu era criança.

— Oh… Olá pequena Callie. — Imagino que você teve uma boa noite de sono.

— Sim, mamãe me protege de monstros ruins quando tenho pesadelos. — Diz ela enquanto brinca com os dedos.

— Quando tentarem atacar você, ataque de volta e dê um susto neles. você verá, eles nunca mais voltarão. — Callie sorri balançando a cabeça concordando. O homem de idade de olhos azuis sorri para ela ainda em seus braços.

Belbor aparece em seu ombro, um pequeno macaco de pelos dourados. Companheiro de Silas que também se tornou amigo de Callie, ela faz carinho do animal que não para de analisar sua mãozinha.

— Silas… Já posso comer as amoras? Eu rolo meus olhos. Callie é viciada em amoras.

— Pelos Deuses, filha. — Eu coloco minha mão na minha testa. Ela está cobrando de Silas por essas frutas há meses.

O homem sorri novamente e a coloca no chão. 

— Deixe-a. — Você também gostava de comê-los, esqueceu? — Silas cuidou de mim e de Khan um ano depois que conheci Khan quando criança. Éramos apenas dois órfãos. Ele volta sua atenção para ela.

— Eles estão finalmente bons para comer, pequena Callie. — Eles estão lá perto das árvores maiores. — Siga Belbor e ele vai lhe mostrar onde estão as melhores. Callie me olha e sai correndo com felicidade em seu rosto. Ela estava esperando há um tempo por suas frutas favoritas. O problema era deixá-la comer demais e recusar outra comida depois, ou até mesmo passar mal.

— Como está sua saúde, velho amigo? — Disse há duas noites que estava se sentindo cansado. — Pergunto gentilmente. Eu realmente me importo com Silas, então não se trata apenas de educação. Silas é como um pai para mim.

— Sim, está tudo bem, acho que estava trabalhando muito e resolvi descansar um pouco.

— Entendo. — Me sinto aliviada e volto meu olhar para Callie, que está tentando pegar algumas frutas que estão em galhos mais altos. — E as plantações?

— Ainda são abundantes e se tivermos problemas já sabemos como resolvê-los. — Mesmo sabendo a resposta, agora era minha missão verificar toda a aldeia. 

— E você querida? — Como você está lidando com todo o peso atual que está carregando.

— Qual deles voce quer dizer? — Eu pergunto em um tom normal, ele é o único com quem eu falo sobre esses assuntos.

— Pelo que já percebi, você se dá bem como líder, você se saiu muito melhor do que o anterior. — E seus pesadelos? — Você está dormindo melhor? — Sei que Silas se preocupa porque tive que passar o resto da gravidez na casa dele, pois eu me sentia em perigo em minha própria casa e os pesadelos eram horríveis o suficiente para passar noites sem dormir com medo de algo acontecer. Nunca mais quero passar por essa situação.

— Bem, quando me concentro nas minhas funções e principalmente em Callie, elas vão embora. — Mas não posso ficar dependente de alguém para dormir bem. — Callie vai crescer rápido e eu vou ficar sozinha novamente.

Ele ri e eu fico confusa, não falei nada engraçado.

— Talvez seja melhor fazer mais filhos, então. — Silas ri alto e eu levo minha mão ao rosto, rindo de seu comentário.

— Seria até uma boa ideia se ele estivesse aqui. — Eu sinto tanto a falta de Khan.

— Eu sei. — Mencionei isso apenas para distraí-la. — Mas você não deve tentar esquecer Khan, apenas guarde os bons momentos, eu sei que vai demorar para sarar, mas até lá você vai amadurecer. 

Eu seguro as lágrimas. Meu parceiro não vai voltar e tenho algo dele para cuidar e proteger. — Tem razão.

— Mamãe! Mamãe! — Callie grita voltando toda manchada de vermelho e roxo. 

Silas sorri novamente e ela me mostra seus dentinhos em um sorriso.

— Acho que preciso de um banho mamãe. — Ela ri com uma voz doce de bebê, coçando a cabeça com uma das mãos. Uma coisa que seu pai sempre fazia quando estava envergonhado.

— Ou fez de propósito! — Vamos lá. Que tal uma corrida até o rio? — Eu a vejo acenar com a cabeça e correr na minha frente. Eu sigo atrás observando cada movimento dela.

— Tome cuidado! — Eu grito com ela enquanto a sigo. Khan ficaria muito orgulhoso em ver que sua filha é uma cópia dele. Adiante, vejo um pequeno rio fluindo para a queda abaixo. O rugido da cachoeira é alto e o cheiro doce enche meus pulmões.

— Pronta? — Pergunto e a vejo se animar, ansiosa para pular da cachoeira.

Eu pego sua mão e corro em seu ritmo para que ela salte. Quando o chão acaba sinto a adrenalina aumentar e a sensação de queda toma conta de todo o meu corpo. Callie grita enquanto pula e eu a agarro em meus braços. Assim que afundo a solto para nadar até a superfície com ela agarrada em meus ombros. Uma mania dela desde bebê.

Callie ainda não sabe flutuar muito bem, mas se esforça.

— Vamos de novo mãe? — Ela pede agarrada a mim para descansar. Eu sinto sua respiração muito rápida e sei que já é o suficiente para me divertir.

— Chega por enquanto. É hora de te limpar, mocinha.

— Parece que não foi dessa vez, pequena Callie! — Diz Kevrel sorrindo ao se aproximar da margem do rio. Ele deixa algumas armas nas rochas e vem até nós duas. Kevrel também tem a pele bronzeada e os cabelo escuro, além de ser alguns centímetros mais alto do que eu e os olhos azuis fortes, característicos do nosso povo.

— Você pode vir comigo, Kev? — Ela pergunta a ele.

— Eu ainda gosto de viver, criança. — Não tenho intenção de passar por cima da autoridade de sua mãe.

Callie faz beicinho e encosta a cabeça no meu ombro, irritada.

— Ela é nervosa igual a você. — Kevrel sorri para mim.

Eu finjo estar nervosa com ele. — Vou considerar isso um relógio.

— Acredite, isto é.

— O que você está fazendo aqui. — Achei que você estaria acompanhando a formação dos novos garotos?

— Sim, eu irei voltar em breve. Estava a sua procura. — Ficar de olho em você é sempre bom, nosso povo prosperou melhor desde a morte de Daryng.

Eu decido manter minha boca fechada.

— Ótima desculpa, Kevrel. — Você é tão convincente.

— Minha prioridade é a segurança da minha líder. — Ele diz com um sorriso malicioso.

Callie ri no meu colo. — Por que você simplesmente não diz a minha mamãe que gosta dela? — Eu arregalo os olhos e Kevrel parece ter a mesma reação. 

— Você tem uma mamãe teimosa. — Ele sorri e eu dou um leve sorriso e reviro os olhos.

— Tudo bem, vocês dois estão conspirando contra mim. — Vamos Callie. — Tenho coisas para fazer e desta vez não vou poder te levar. Você vai ficar com Silas até eu voltar.

Ela balança a cabeça fazendo beicinho e Kevrel ri enquanto saímos do rio. 

Passo o dia lidando com tarefas tediosas. Recursos, suprimentos para tempos escassos, problemas e mais problemas entre os membros do clã. O sol já está se pondo quando vou buscar Callie.

— Diga adeus a Silas, Callie, temos que ir. — Digo depois de caminhar até a casa enquanto Silas a abraça, Callie já está dando os primeiros sinais de sono. A noite caiu há apenas uma hora. 

— Vejo você amanhã, pequenina! — Silas a solta e Callie volta para o meu lado no caminho para casa.

— Mamãe, quando eu crescer vou fazer o que você faz?

— Se você se esforçar, sim. — Ser líder não é fácil, mas vou te ensinar tudo o que você precisa saber.

— Mas você é forte mamãe, ninguém consegue te vencer.

— Possivelmente, eu não sou invencível.

— É verdade que viemos das estrelas mamãe? — A mulher mais velha nos disse que somos de origem guerreira e que éramos conquistadores com poderes inimagináveis.

— Não sei Callie, não tenho ideia se isso é verdade, mas de acordo com as histórias, sim, viemos.

— Eu queria ver outros mundos. — Seria muito divertido. — Callie diz com um leve tom de arrependimento e vejo minha visão embaçar ao me lembrar de Khan. Ela tem os mesmos sonhos de seu pai. Eu entro na casa onde apenas Callie e eu moramos.

O trovão ecoa do lado de fora. Está escuro na cabana. Mas nossa visão é boa o suficiente para saber para onde ir.

Callie sobe na cama com dificuldade. Vou até onde guardo minhas roupas em um baú e as troco. Deito-me ao lado dela e ela me abraça. Sua mania desde bebê.

— Podemos brincar na cachoeira novamente amanhã? Se você não quiser, posso ir com Kevrel?

— Amanhã irei monitorar vocês dois.

— Você não gosta dele?

— Eu não confio cegamente. — Isso é algo que quanto mais cedo você aprender, melhor será para você. Ninguém é confiável. — Vá dormir, amanhã decidiremos o que você vai fazer.

Ela acena com a cabeça e se acomoda em meus braços. Callie mal dorme e sinto meu corpo relaxar de cansaço, então não tenho pesadelos com Khan.

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