São Paulo, 07 de fevereiro de 2017
Henrique— EU estou bem. Agora podemos seguir em frente. — Isso foi o que Cristina me disse há sete anos atrás, após a sua cirurgia.
Ela só ainda não sabia que não podia mais engravidar. Não sabia que seu útero precisou ser retirado para ela não morrer. Cristina sentiu fortes dores naquela noite e a levei direto para o hospital. Ela teve uma hemorragia grave e precisou ser operada com urgência. — Mioma — a médica me disse. Caso não fosse operada imediatamente, ela morreria. E se seu útero não fosse retirado, ela teria câncer. O que eu poderia fazer? Os médicos precisavam da minha autorização para seguir com o procedimento. Cristina estava inconsciente. Eu não tinha outra escolha a fazer. Ela tinha sofrido um aborto espontâneo alguns meses antes disso. Como falar a sua esposa que o seu maior desejo não poderia se realizar?Minha família e a de Cristina sempre foram muito próximas, e quando nos tornamos adolescentes, eles incentivaram o nosso namoro. — Vocês se conhecem desde crianças — dizia minha mãe —, frequentam a mesma escola, fizeram a primeira comunhão e crisma juntos. Por que não namoram? Além disso, ela gosta de você. Acreditei na minha mãe e eu e Cristina começamos a namorar. Aos dezenove anos, ficamos noivos e nos casamos. Minha mãe só não me disse que o fato de termos estudado na mesma escola ou de nos conhecermos desde crianças significava que seríamos felizes juntos, ou que em algum dia eu poderia amá-la. Este foi o meu erro, acomodar-me às situações. Então como dizer a mulher com quem você é casado que ela não poderá mais gerar filhos seus e que, de certa forma, você está feliz por isso?~~•~~
— Vamos lá, Henrique! Não é como se você a estivesse traindo. Vocês não transam há o quê? Seis anos? — pergunta Marcone num tom inquisitivo, fazendo com que minha atenção volte para o assunto que o trouxe à minha sala há alguns minutos.
Desvio meu olhar por um instante para o computador à minha frente, 19h56.— Sete — corrigi-lhe sem nenhuma emoção na voz.
Nove anos de casamento. E não me recordo se em algum momento eu realmente quis tê-la. Nunca consegui enxergá-la como mulher. Ela era minha amiga de infância. Uma amiga que tornou-se a pessoa com quem partilho a mesma cama e troco conversas aleatórias. Nada além disso.— Como bom advogado que é, sabe que legalmente vocês não mantêm uma vida de casados — ironiza.
— Sim, eu sei.
— Então qual o problema de você ir comigo à Casa de Prazer?
— Pensei que você tinha me chamado para ir a um bordel — interpelo com certo sarcasmo.
— Não, cara, não é um bordel. Lá tem umas mulheres maravilhosas que dançam pole dance, boa bebida, e se você também quiser, uma boa noite de sexo.
— Ou seja, bordel — afirmo com desdém.
— Não é, é diferente. Você não escolhe as mulheres, elas escolhem você; é a regra da dona. E quando se é um homem de sorte, pode ser escolhido pela própria. São poucos os que conseguem isso.
— Eu nunca traí, Cristina.
— Eu sei, meu amigo. E não entendo por que vocês continuam casados se você não a ama.
— Eu me casei com ela, Marcone. É com ela que tenho que ficar — digo firme.
— Sem essa, Henrique. Estamos no século vinte e um. Ninguém é obrigado a permanecer casado com alguém se não há amor entre os dois. Você nem a deseja.
— Eu acredito na doutrina do casamento. Você sabe que isso é importante na minha família.
— E isso é importante para você? — questiona me olhando firmemente. — Você não a ama, Henrique. Você a trata como sua amiga, não como sua mulher. Isso nem é justo com ela.
— Ela nunca reclamou — respondo em minha defesa.
— E você alguma vez a perguntou como se sente sobre isso?
— Cristina não é assim. Ela não demonstra o que sente — desconverso.
— Ou você não enxerga os seus sentimentos.
— Chega disso, Marcone! Se ir nesse bordel vai fazer você parar de questionar a minha vida, então vamos logo de uma vez.
— Ótimo! — exclama orgulhoso. — E não é um bordel, é uma Casa de Prazer.