POV Sophia SinclairRestaurante — Paris, 22h14O espelho me devolvia o reflexo de uma mulher que eu mal reconhecia. Vestido vinho, decote elegante, cabelo preso num coque baixo com alguns fios soltos de propósito. A maquiagem marcava meus olhos, mas o que me doía era o que estava por dentro. Era a terceira vez que eu passava batom. E a terceira vez que eu tirava. Porque nenhuma cor conseguia esconder o gosto amargo da noite. O celular vibrava. Mensagem de Enzo: “Cinco minutos. Estou na porta.”Suspirei. Peguei a bolsa. Respirei fundo. Sorri para o espelho como quem se prepara para uma guerra. E desci. O restaurante do hotel era um luxo absurdo. Lustres de cristal, garçons que pareciam modelos, mesas finamente postas e música ambiente tocando baixo, só pra lembrar que ali era território de elite.E eu não estava em paz. Enzo caminhava ao meu lado com aquela cara de “nada me surpreende”. Terno impecável, o usual olhar atento a tudo e todos.— Você está parecendo a noiva da máfia — murmu

POV Sophia SinclairAcordei com a luz invadindo o quarto como um tapa na cara. Não doía. Mas lembrava que a realidade ainda estava ali, deitada ao meu lado. Me estiquei devagar, os músculos reclamando da noite mal dormida.A noite anterior piscava na minha memória como luzes de neon. Gabe. A praça escondida. As risadas sinceras. O toque leve da mão dele sobre a minha. Eu não devia ter ido. Mas foi uma das poucas vezes que me senti viva sem sentir culpa.Suspirei. O celular estava cheio de notificações não lidas. A maioria dele. Do homem que carrega meu caos nos ombros e o espalha por onde pisa: Matthias Kane. Nenhuma mensagem de raiva, mas todas com aquela ausência barulhenta que dizia “eu sei”.Me levantei e fui direto pro banheiro. A água gelada me fez lembrar de quem eu era antes dele. Antes de tudo. Antes do beijo no elevador. Do corpo colado no vidro. Da culpa que virou vício.Coloquei um vestido simples, mas elegante. Não podia dar brecha pra mais julgamentos. Meu pai ainda esta

POV Richard SinclairQuando eu abri aquela porta, eu sabia. Sabia. Não sei explicar, mas no fundo… já era como se o universo estivesse me preparando. Um peso no peito, uma dor nos dentes, um silêncio esquisito no corredor.E então eu vi. Minha filha. Na cama de Matthias Kane. Os lençóis não escondiam o que tinham feito. A pele exposta. Os lábios inchados. Os olhos perdidos. A porra do cheiro dele grudado nela. Foi como levar um tiro. Mas o sangue não saiu pelo peito. Saiu pelos olhos. E eu vi vermelho. Meu punho se fechou sozinho. A raiva não me perguntou se podia entrar, ela invadiu com os dois pés na porta da minha sanidade. E quando Matthias tentou abrir a boca… eu não esperei. Soquei. Com gosto. Com alma. Com ódio e amor misturados até ficarem podres.Ele não revidou. Claro que não. Porque sabe. Sabe que me deve. Sabe que jurou proteger a Sophia. Não foder ela. A voz da minha filha me implorando pra parar foi como uma faca de duas lâminas, uma cortava a raiva, a outra cortava o or

POV Richard Sinclair As noites que não dormi… foram muitas. Mas as que dormi? Essas doeram mais. Porque foi nelas que vi o rosto dela… Da mulher que me amou… Da mulher que morreu por causa do que eu tentei mudar.Caminhei até a varanda do meu quarto com o dossiê de Matthias Kane nas mãos. Mas não precisava abri-lo. Eu conhecia cada linha. Cada nome. Cada operação. Porque muitas delas… foram ordens minhas.Mas minha filha nunca soube. Nunca contei a ela sobre o outro Richard. O Richard que sujava as mãos para impedir que crianças fossem vendidas como mercadoria. O Richard que montou uma rede de infiltração em organizações de tráfico humano, pornografia infantil, estupros e tortura transmitida ao vivo. O Richard que perdeu a esposa por ousar ir fundo demais.Ela foi morta como recado. Um vídeo. Um maldito vídeo deixado em um envelope preto. Na minha cama. Era para eu ter morrido. Mas mataram ela.Porque sabiam que me quebrariam por dentro.Desde então… Matthias esteve ao meu lado. O ún

POV Gabe KaneUm mês. Trinta dias. Setecentas e vinte horas. Tempo demais pra alguém como ela fingir que não se importa. Mas eu vejo. Eu sempre vejo. Sophia Sinclair não é mais a mesma garota que caiu nos braços do meu irmão. Ela também não é a mulher que acordava rindo das piadas ruins que eu contava no café.Não. A mulher que caminha agora pelos campos de treino tem sangue nos olhos. Raiva nos punhos. Silêncio na alma.Ela treina como se estivesse em guerra. Talvez esteja. Contra o mundo. Contra si mesma. Contra a ausência dele. E Matthias... Bem, ele virou um fantasma com cicatrizes que ninguém sabe ao certo onde está ou se está inteiro. Não fala comigo. Não fala com Enzo. Só manda ordens curtas, diretas, sem vida. Como se fosse outra pessoa respondendo.Ele não pergunta por ela. Mas também não manda esquecer. E isso é o que mais fere. É como se ele estivesse tentando se matar aos poucos... De dentro pra fora. Deixando que a mulher que o quebrou aprenda a se tornar mais forte… sem