Capítulo Um

Segunda-feira, 7 de fevereiro – 6 horas

Adriana ainda tinha o rosto riscado pelas lágrimas quando retornou aos seus aposentos e começou a vestir-se, a se arrumar. Mas ao entrar no quarto da filha, de apenas 5 anos de idade, um pouco de sua amargura se dissolveu.

Sua pequena Letícia dormia profunda e tranquilamente, de lado, a face direita no travesseiro e o dedinho polegar na boca. Adriana se ajoelhou ao lado da cama e passou a mão por seus cabelos:

−  Bom dia, minha querida.

−  Bom dia, mamãe.

−  Como dormiu esta noite?

−  Dormi bem – respondeu Letícia, depois de bocejar sonora e longamente.

−  Excelente – disse Adriana, beijando-a no rosto. – Agora vamos deixar essa preguiça de lado e levantar.

Antes de finalmente criar coragem para pôr-se em pé, Letícia bocejou pela segunda vez.

−  Vou deixar o uniforme da escola em cima da sua cama e em seguida vou descer para preparar o café, enquanto você toma banho – continuou Adriana, quando terminou de despir a garota. – Depois, subo novamente para ajudá-la a se arrumar. Combinado?

Totalmente acordada agora, Letícia não pôde deixar de observar uma mancha escura na lateral esquerda do rosto de Adriana, apesar de todo o cuidado que ela tivera para encobrir a equimose com maquiagem.

Mas a menina nada comentou. Afinal, além de aquela não ser a primeira vez que percebera equimoses espalhadas pelo rosto ou pelo corpo da mãe, Letícia era esperta o suficiente para intuir que aquele assunto não lhe era permitido.

−  Combinado – respondeu.

−  Então, já para o banheiro – ordenou Adriana. Mas a menina não saiu do lugar.

−  O que foi querida? Algum problema?

A menina, de repente, abraçou-a com toda a força que tinha.

−  O que foi, querida? – tornou a perguntar Adriana.

−  Nada, mamãe.

Preocupada, Adriana afastou um pouco a filha para fitá-la. Como a menina mostrou um sorriso, seu coração se acalmou. Adriana não sabia que, mesmo sendo apenas uma criança, Letícia já era capaz de dissimular seus sentimentos.

−  Então, vá logo tomar o seu banho, meu anjo. E não se esqueça de lavar bem os cabelinhos.

−  Pode deixar, mamãe! – tornou Letícia, antes de correr pelada para o banheiro.

Adriana sorriu levemente. Sua filha era uma criança maravilhosa, e significava tudo em sua vida. Tanto que ela se perguntava o que seria de sua vida se não fosse a menina.

E pensar que eu não queria ter filhos!, lembrou.

Letícia nascera de uma gravidez não premeditada, de um descuido com a pílula, pois Adriana nem cogitava ter filhos no início de sua vida conjugal. Quando deu à luz aquela linda menina, porém, compreendeu que na verdade tinha recebido um presente divino para preencher sua vida, seu casamento. Um casamento que desde o início estava fadado ao fracasso, e que ela mantinha apenas por causa da filha.

De fato, Adriana nunca arriscaria a felicidade e o conforto da pequena Letícia, por isso suportava o ciúme exacerbado do marido, por isso suportava a própria infelicidade, havia mais de cinco anos.

Após ajeitar as roupas da garota sobre a cama, desceu apressada a escada para preparar o café da manhã, mas, quando chegou à cozinha, defrontou-se com o marido todo engravatado, ao pé do fogão, terminando de coar o café.

−  Bom dia, Beto.

−  Bom dia – tornou ele, ríspido.

−  Levantou cedo hoje.

−  Levantei no horário de sempre. Você é que acordou atrasada.

Adriana não expressou qualquer comentário, enquanto ajeitava a mesa. Ele continuou:

−  Então, é hoje que começam suas aulas na faculdade?

−  Sim – respondeu ela, concisa.

−  E a Letícia?

Ela esperou que ele se aconchegasse à mesa, depois serviu o café e sentou-se na cadeira ao lado:

−  O que tem ela?

−  Com quem ela vai ficar?

Adriana suspirou. Os dois já haviam conversado sobre aquilo.

−  Já conversamos sobre isso ontem à noite.

−  Não me lembro de termos chegado a uma conclusão.

−  Se tivesse parado para me ouvir...

−  Você sabe que eu não posso ficar com ela. Tenho a academia.

Mantendo-se calma, Adriana passou manteiga nos pães, antes de dizer:

−  Não se preocupe. Eu já disse à empregada que toda segunda e quarta-feira ela terá de ficar até você chegar da musculação...

−  Vou fazer também judô às terças e quintas.

Tentando a todo custo evitar uma nova discussão, ela não respondeu de imediato, apenas tornou a levantar-se e o observou. Obviamente, como não conseguira persuadi-la de maneira alguma a desistir da ideia de voltar a estudar, Roberto estava dando a última cartada, concluiu Adriana com perplexidade. Ele colocava enormes dificuldades para ficar com a própria filha, e esquecendo suas obrigações de pai.

−  E quando resolveu fazer judô? Durante a madrugada? Porque ontem você não me falou nada sobre isso...

−  Já estava pensando nisso há algum tempo – alegou Roberto, nervoso. Ele não conseguia compreender por que a esposa ansiava em trabalhar e estudar. Em sua concepção, toda mulher casada deveria dedicar-se apenas ao lar, ao marido e aos filhos, a não ser que o homem não tivesse condições de sustento, o que evidentemente não era o seu caso. E embora Adriana já tivesse explicado inúmeras vezes que a mulher deveria trabalhar e estudar não apenas por necessidade financeira e sim por prazer e realização pessoal, Roberto não se convencia.

Mas ele terá de se convencer, pensou ela, irritada. Não deixarei de estudar para atender a um simples capricho dele. De jeito nenhum! Esperei cinco anos para voltar a estudar e não vou desistir agora.

−  Letícia também é sua filha, Beto. Você tem obrigação de... – Adriana parou de falar quando percebeu que Letícia estava ali, parada em frente à porta da cozinha. Ela não queria que a menina presenciasse mais uma discussão.

−  Eu não tenho obrigação nenhuma – retrucou ele, cada vez mais nervoso, e sem se dar de conta da presença da filha. – Você é a mãe, e a mãe tem obrigação de zelar pelos filhos. Aliás, você deveria saber disso melhor do que ninguém, não é mesmo?

Adriana estremeceu. A ironia de Roberto feriu mais do que uma punhalada. Mas talvez ele não imaginasse como fora doloroso para ela saber, aos 14 anos de idade, que sua mãe legítima fora uma prostituta e que a deixara, assim que nasceu, na porta da casa do pai. E que sua amada mãe, ou aquela que ela pensou que o fosse, não era verdadeiramente sua mãe.

Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, todavia as lembranças obscuras do dia da morte de Filomena, sua mãe por vocação, povoaram sua mente e arrastaram-na para o passado. E de repente ela voltou a ter os fatídicos 14 anos de idade e encontrava-se sentada na cama, em seu quarto, chorando baixinho, com o pai ao seu lado...

−  Pai, a mamãe vai mesmo morrer?

José Carlos procurava controlar-se para não cair em prantos na frente da filha, embora isso fosse quase impossível naquele momento.

−  Eu gostaria de lhe dizer que não, minha filha... Gostaria muito...

−  Mas, papai, a mamãe já teve recaídas muito fortes antes e resistiu.

Ele levantou e virou de costas, porque não conseguia mais reprimir as lágrimas.

−  Eu sei, filha, eu sei. Porém, desta vez, só um milagre pode salvá-la.

−  Milagres acontecem, pai – tornou a jovem Adriana. – Mamãe garantiu isso.

Depois de tantos anos de luta contra a doença da esposa, José Carlos não conseguia acreditar em mais nada. Apesar disso, antes de abrir a porta do quarto e sair, pediu à filha:

−  Então, reze, querida. Quem sabe Deus escuta suas preces.

E foi exatamente o que Adriana fez durante aquela tarde inteira. Filomena havia ensinado que os milagres só aconteciam se a pessoa pedisse a Deus com muita fé. Por isso Adriana rezou e rezou, com toda a fé que tinha.

E esperou pelo milagre.

Porém, quando foi ao quarto dos pais, às seis horas da noite, com o coração cheio de esperanças, encontrou-os chorando, numa despedida angustiante.

Ela parou diante da porta, em respeito, e pensou em voltar mais tarde. Entretanto, aquela estranha despedida incitou-a a ficar ali, ouvindo o que não deveria.

−  Perdoe-me, querida – suplicou José Carlos. – Perdoe-me por não ter contado antes...

−  Eu já lhe perdoei há muito tempo, Carlos – disse Filomena, num esforço quase sobrenatural para falar. – A verdade é que eu sempre soube, embora muitas vezes tenha me recusado a acreditar.

−  Quero que você saiba, minha querida, que foi apenas uma noite. Eu...

Filomena colocou um dedo trêmulo sobre a boca dele.

−  Eu já perdoei você, Carlos, independentemente do que aconteceu. Adriana nos trouxe muita alegria. Ela é a filha que eu nunca pude lhe dar. – As lágrimas rolaram pela face muito magra de Filomena e ela parecia lutar para respirar. – Que eu nunca pude me dar. E eu a amei como minha filha. Como nossa filha.

Lentamente, o mundo começou a se abrir aos pés de Adriana, por isso ela correu. Correu para não cair no buraco que queria devorá-la. Correu porque sua respiração tornara-se de repente tão sufocante que seu pulmão até queimava. Aquilo não podia ser verdade. Filomena era sua mãe. Era sua mãe!

−  Não! Não! Não! – gritou, antes de desaparecer no corredor.

−  Filha?! – Aflita, Filomena agarrou a mão do marido e passou a sacudi-la. – Ela ouviu, querido. Ela ouviu tudo. Oh, Deus! Ela não podia ter ouvido! Não podia!

−  Ela nunca vai me perdoar – balbuciou José Carlos, também aflito, e sem saber o que fazer.

−  Corra atrás dela, querido – Havia urgência na voz fraca de Filomena. – Não posso morrer sem dizer a ela o quanto a amo, o quanto nós a amamos. Quero que ela entenda que não omitimos isso por mal.

Desesperado, José Carlos desatou a correr. Mas somente depois de procurar por todo o imenso sobrado é que a encontrou no jardim, sentada no gramado úmido, atrás de uma árvore e chorando incessantemente.

−  Por que não me contaram? – perguntou ela, assim que percebeu a presença do pai. – Eu tinha todo o direito de saber.

Ele sentou-se ao lado e tentou abraçá-la, mas Adriana se afastou.

−  Eu nunca tive coragem, filha. E somente agora contei a Filó tudo o que aconteceu. Por favor, me perdoe.

−  Eu pensei que ela era a minha mãe! Por que me enganaram? Por quê?

−  Mas ela é sua mãe, querida. Pois foi ela quem criou você e lhe deu amor.

−  Ainda assim, – murmurou Adriana – eu tinha o direito de saber.

−  Oh!, filha, você é ainda muito nova para entender...

−  E quem é, pai? – ela precisava muito saber. – Quem é a minha mãe de verdade?

−  De verdade? É a Filomena, pois foi ela quem...

−  Pai!

Por mais doloroso que aquilo fosse para todos, Adriana tinha todo o direito de conhecer a própria história, reconheceu José Carlos.

−  Está certo, filha, chegou a hora da verdade. O que quer saber?

Ela passou as mãos pelas faces para remover as lágrimas. Havia tantas perguntas.

−  Quero saber quem é minha mãe de sangue, onde ela mora, o que faz...

Mesmo estando com a fé extremamente abalada, José Carlos ergueu os olhos para o céu e buscou nele alguma ajuda.

−  Foi apenas uma noite... – começou, lenta e hesitantemente; as palavras doendo em sua garganta. – A Filomena estava doente, e eu e uns amigos fomos a uma boate...

−  Ela era prostituta?! – Adriana empalideceu.

−  Sim, filha. Sua mãe, Luísa, esse foi o nome que ela me deu, trabalhava numa boate muito famosa, próxima ao centro de São Paulo e eu... – ele parou, sufocado pelas lágrimas que passaram a cair – eu fui com uns amigos do trabalho para aliviar a solidão... Filomena estava mais uma vez internada e eu me sentia muito só...

−  Pai, você traiu a mamãe, quer dizer, a Filomena, quando ela estava internada?! Eu... eu não posso acreditar nisso!

−  Por favor, querida, compreenda – pediu ele. – Eu não fui à boate com essa intenção. Simplesmente aconteceu. Luísa era linda e eu bebi muito naquela noite.

−  E não usou nenhum preservativo, pai?

A pergunta pegou José Carlos de surpresa. Desde quando sua filha sabia dessas coisas?

−  Não – respondeu com toda sinceridade, ao se recuperar do susto. – Eu não usei. Estava bêbado demais para pensar nas consequências.

−  Mas e ela? – Adriana estava inconformada. – Ela também não se preveniu?

−  Acho que ela também não estava muito sóbria.

Agora, mais do que inconformação, Adriana sentia raiva.

−  Você e ela estavam bêbados?! – e a raiva cresceu em seu peito como um balão, quando o pai balançou a cabeça em afirmação. – Então eu fui fruto de uma noitada de dois bêbados?!

−  Você tem sido a melhor coisa que aconteceu em minha vida – corrigiu José Carlos. – Eu sempre desejei ter filhos, mas a Filó... ela... ela nunca pôde realizar esse desejo por causa dessa doença maldita, essa tal de lúpus.[1]

Ah, Cristo, aquilo estava doendo demais! Mas ela ainda tinha perguntas a fazer. Muitas perguntas.

−  E como o senhor ficou sabendo de mim, se não teve mais nenhum envolvimento com essa tal de Luísa?

−  Era Natal e você foi deixada no portão, dentro de um cesto. Tinha apenas alguns dias de vida... – ele lembrou com exata nitidez daquele dia. – O segurança viu, pela câmera escondida no portão, quando uma mulher se aproximou e deixou o cesto. Ele pensou que fosse alguma brincadeira de uma vizinha; contudo, quando se aproximou, ouviu um chorinho e percebeu que havia um bebê embrulhado em uma manta.

Ela tornou a enxugar as lágrimas.

−  Então eu não nasci no dia 25 de dezembro como consta em meu registro de nascimento?!

−  Não. Deve ter sido entre os dias 10 a 15. Porém, por considerar que você fora um verdadeiro presente de Natal, Filó fez questão de registrá-la como nascida no dia 25.

−  E quando descobriu que eu era sua filha?

Cada pergunta era como uma flechada no peito de José Carlos.

−  Havia um pequeno recado sob a manta que lhe cobria...

−  E o que dizia?

−  Pouca coisa. Apenas que você era minha filha e que ela, Luísa, não poderia ficar com você devido à vida que levava... Até hoje não faço a mínima ideia de como ela conseguiu o meu endereço.

Ela procurava se controlar, quando, de repente, uma dúvida ainda mais cruel que uma jiboia apertou seu coração.

−  Pai, se minha mãe era uma prostituta, eu poderia ser filha de qualquer um... Então... Então como tem certeza que sou mesmo sua filha?

−  Apesar do imenso amor que adquiri por você desde a primeira vez que a segurei em meus braços, não posso negar que tive dúvidas a respeito disso – confessou José Carlos, após um momento de hesitação. – Por isso, há pouco mais de quatro anos, você e eu fizemos o teste de DNA.

−  Pensei que fosse só um exame de rotina, como o senhor alegou para a mamãe.

−  Eu tinha de ter certeza, minha filha – balbuciou José Carlos, quase rangendo os dentes de raiva de si mesmo. – Embora já tivesse a certeza em meu coração.

Ainda que tudo aquilo parecesse um verdadeiro pesadelo, Adriana suspirou aliviada. Ela era fascinada pelo pai.

−  E a família da mamãe Filomena desconfiava de alguma coisa? Sempre me trataram com tanto desprezo.

−  Eles sempre desprezaram a mim. Nunca aceitaram o meu casamento com Filó. Eu era apenas mais um imigrante espanhol que trabalhava nas lavouras de café, as quais os pais de Filó eram donos... Eles acreditavam que eu não a amava e que queria me casar apenas por interesse.

−  Essa história eu já conheço, pai. Mas será que eles realmente não sabem sobre mim? Será que nunca desconfiaram de nada?

−  Pode ser que tenham desconfiado por causa de nossa semelhança física. Até a própria Filó sempre desconfiou.

Neste instante, um sorriso meigo se formou nos lábios da jovem Adriana. José Carlos não tinha ideia de como a filha se sentia orgulhosa quando alguém dizia que ela era parecida com ele.

−  Pai, posso lhe fazer mais uma pergunta?

−  Claro que pode.

−  Você tentou procurar minha mãe Luísa, depois que ela me abandonou?

−  Sim. Mas ela simplesmente desapareceu da boate onde trabalhava. Talvez tenha voltado para a sua terra natal.

−  E de onde ela era?

−  Disseram-me que era potiguar. Eu nunca tive certeza disso... – e José Carlos inclinou a cabeça para examinar o rosto da filha. – Isso tem alguma importância para você?

Não sei, pensou Adriana, mas respondeu:

−  Não, papai. Isso não tem nenhuma importância.

E, após levantar-se e beijá-lo na testa, voltou para o quarto da mãe e abraçou-a com muito carinho.

−  Eu te amo, mamãe. Te amo muito.

−  Eu também, minha filha – respondeu Filomena em seu último suspiro. – Eu também a amo muito. Por favor, nunca esqueça isso.

Adriana sobressaltou-se quando Letícia a agarrou pelas pernas, choramingando.

−  Mãezinha... Mãezinha...

−  Vamos querida, vamos tomar o café – disse Adriana, após ajeitar a menina na cadeira. Em seguida, olhou para Roberto, com os olhos cansados. – Ainda hoje vou acertar com Marisa para ficar também às terças e quintas-feiras, até você chegar da academia.

Apesar de estar bufando de raiva, Roberto não disse mais uma única palavra, apenas se levantou e foi para o carro.

E continuou em silêncio durante todo o percurso até a escola. Voltando a falar somente quando a filha se despediu.

−  Quer que eu a busque na faculdade?

−  Não há necessidade – Adriana respondeu. – Posso pegar um ônibus.

Ainda mais irritado, Roberto acelerou o carro.

−  Por que prefere voltar de ônibus?

Ah!, Deus, por que ele sempre deturpa minhas palavras?

−  Eu não disse isso, Beto. Disse apenas que posso pegar um ônibus. Mesmo porque não acho prudente que você saía às onze da noite e deixe a Lê sozinha em casa.

−  Posso levá-la comigo.

−  Nesse horário ela sempre está dormindo. Não há necessidade de sacrificá-la tanto.

−  Acho que você está arrumando desculpas para eu não ir pegá-la.

−  Por favor, Beto! Não estrague tudo assim! Eu... nós... não podemos continuar vivendo desta forma.

−  O que está querendo dizer?

−  Que eu não suporto mais esse seu ciúme doentio. Que nós estamos nos desgastando a cada dia – ela se virou para ele com os olhos arrasados, e uma lágrima rolou por sua face antes que ela pudesse conter. – Não podemos continuar assim, Beto. Não podemos.

Seguiu-se mais um longo momento de silêncio, e Roberto novamente só voltou a falar quando chegaram à empresa onde trabalhavam:

−  Não compreendo por que insiste em trabalhar, em estudar, se eu posso sustentá-la de tudo... se não precisa de nada disso.

Ela adiantou-se para abrir a porta do carro, após lançar-lhe um sorriso triste e comentar:

−  O problema é que você não quer compreender.

Com os olhos ardendo em fúria, Roberto puxou-a para dentro do carro.

−  Não vê que nossa filha sofrerá muito com sua ausência? Deveria repensar se compensa submetê-la a tanto sofrimento apenas por um capricho.

−  Oh!, Beto. Como pode usar a nossa filha para me chantagear?! – perguntou ela, fitando-o bem dentro dos olhos. – Como pode?

Ele não respondeu, e ela acrescentou:

−  Depois não diga que eu não tentei...

E novamente tentou sair, mas Roberto tornou a segurar firmemente seu braço.

−  O que quer dizer com isso?

−  Você sabe muito bem – ela simplesmente respondeu. Estava cansada, muito cansada daquilo tudo. – Agora solte o meu braço. Está me machucando.

Ele a soltou.

−  Desculpe.

−  Estamos atrasados...

      Pela terceira vez, Roberto a deteve dentro do carro. Desta vez, porém, ele a segurou de forma gentil.

−  Eu amo você, Dri. E jamais quero perdê-la.

Ao ouvir isso, os olhos de Adriana tornaram a se encher de lágrimas. Ela não pôde evitar.

−  Prometo que vou tentar mudar – continuou ele. – Prometo.

Ah, como queria acreditar nisso, pensou Adriana, enquanto tentava evitar que as lágrimas transbordassem de seus olhos.

E até houve um tempo em que realmente acreditou, lembrou ligeiramente, quando ele aceitou que ela trabalhasse fora. A verdade, no entanto, era que ela sempre estivera "sob as asas dele", independentemente disso. E quando ele conseguiu uma vaga na empresa de engenharia onde trabalhava, ela ficou superfeliz. Não compreendeu que ele lhe conseguira a vaga apenas para que pudesse vigiá-la de perto.

Mas ela era culpada de tudo isso, pensou, pois acreditou no impossível. Roberto nunca havia mudado, e bastava que se sentisse minimamente ameaçado para dar provas reais disso.

−  É muito difícil acreditar nisso... Muito difícil...

−  Por favor, Dri, acredite – ele tocou-lhe o rosto com carinho. – Eu realmente amo você.

Angustiada, ela enxugou as lágrimas e pulou do carro, antes que ele a impedisse novamente.

−  Vamos trabalhar, Beto. Estamos atrasados.

[1] Lúpus –doença inflamatória de origem autoimune, que provoca febre, perda de apetite, manifestações articulares e cutâneas, especialmente manchas na face que lembram asas de borboleta, podendo espalhar-se e atingir outros órgãos. Enfermidade cutânea de evolução lenta; tuberculose cutânea (Dic. Houaiss).

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Sentimento Fatal - Janethe Fontes 

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