Bienvenida

                                                                 Gab

Insossa, insípida, maçante. Era absolutamente frustrante passar todas essas horas, cinco dias da semana, sentado ao lado de alguém que tinha absoluto fanatismo pela perfeição, alguém que não enxergava nada além de tons básicos.

Observei sua camisa do uniforme perfeitamente passada, seu jeans caro na medida certa, seus cabelos soltos, dourados, longos e retos. Eles cheiravam a frutas e a shampoo.

Seu gloss brilhava transparente sobre seus lábios cor de rosa. Seus olhos esverdeados lutavam por manter uma distância prudente de mim. Era engraçado observar como seu corpo tencionava diante de qualquer ínfimo movimento meu a seu lado. Como se eu fosse uma espécie de animal traiçoeiro prestes a atacar e ela precisasse manter a guarda.

Era quase estimulante notar os olhares furtivos de Jony em nossa direção.

Quase.

Ele parecia achar que aquela garota era sua propriedade assim como tudo naquela maldita escola, assim como tudo naquela cidade, assim como tudo o que me rodeava.

Eu estava me lixando para o seu precioso quadro perfeccionista, mas não podia evitar desfrutar da fúria que irradiava dos seus olhos cada vez que buscavam os dela e constatava com desgosto que seguíamos em silêncio um ao lado do outro e que seu tormento duraria todo o resto do ano letivo.

ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥

— Maldição! — A escutei bufar ao meu lado, apagando pela centésima vez uma frase do caderno voltando à estaca zero de um texto que nem havia começado.

O relógio na parede ao lado do quadro negro indicava que faltavam apenas dez minutos para o fim da aula.

Observei os rascunhos de frases desconexas implorando por algum sentido em seu caderno enquanto suas mãos tremiam de frustração e ela mordia os lábios uma e outra vez, colorindo o rosa de vermelho vivo.

Observou as palavras sem sentido como se todas e cada uma delas se burlassem do seu coeficiente acima da média.

Fitou o relógio a nossa frente. Meus olhos acompanharam os seus... Oito minutos.

Riscou uma palavra, logo outra.

Sus ojos reflejaban la luz de la ...

Observou a frase como se não fizesse sentido algum e levou a caneta aos lábios.

Inclinei-me lentamente em sua direção.

Meu braço chocou contra o seu por cima da mesa e ela se sobressaltou, saindo completamente do seu torpor.

Observou-me aturdida enquanto eu tirava a caneta de seus lábios e completava a frase que bailava deslocada em meio à folha de caderno vazia.

Sus ojos reflejaban la luz de la luna. Eran puntos plateados y solitarios que incidían en la oscuridad del océano. El jamás podría quitar los ojos de ella, aunque en este entonces no lo supiera.

Abriu a boca, mas seus lábios não pronunciaram nenhuma palavra.

O sinal tocou.

Levantei-me depois de arrancar a folha do meu próprio caderno com meu texto e coloquei a mochila nas costas.

Deixei aquela maldita aula para trás depois de colocar a folha sobre a mesa da professora.

Não me equivoquei.

Seus olhos me seguiram.

                                                                       

                                                      ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥ ღ ♥

O Rio de janeiro é uma cidade quente em todos os sentidos até mesmo no inverno, mas dentro dos muros daquela escola da elite carioca, o caos das obras em andamento, o trânsito e o burburinho da cidade lá fora pareciam um sonho distante.

Passei pelos portões sem me dignar a responder o "boa tarde" educado do segurança da escola e me mesclei com os estudantes que também abandonavam seus muros a caminho de casa. Minha mãe estaria decepcionada com a minha irrisória vida social, mas naquele momento até mesmo o segurança daquele lugar espalhava burburinhos absurdos sobre a história da minha vida e como eu havia ido parar ali.

O ditado diz que quem conta um conto aumenta um ponto certo? O burburinho agora era que minha mãe era meretriz. Uma dançarina de um cruzeiro em que meu pai havia viajado. Algo de uma noite depois de algumas bebidas.

A verdade? Mamãe tinha pavor de barcos. Passava mal ate mesmo com filmes sobre o tema, mas era uma ótima dançarina.

Com certeza ela não era uma meretriz.

Eu a conhecia muito bem. Já o homem prestigioso que parecia ter sido enganado inocentemente por ela eu não conhecia em absoluto e agora já não me importava.

Havia percorrido poucos metros fora dos muros da escola  quando senti que retrocedia torpemente alguns passos. Não demorou muito para eu entender que alguém havia agarrado minha mochila e me puxado violentamente pra trás.

Eram quatro no total.

Altos, entediados e carentes por um pouco de aventura.

Jony havia permanecido alguns passos atrás como quem prefere manter-se a margem, embora sua expressão dissesse exatamente o contrário.

Palavras não eram necessárias.

Caminhamos em silêncio como um grupo estranho de adolescentes que, de repente, não tinham nada a dizer um ao outro até uma rua paralela pouco movimentada a algumas quadras da escola.

O primeiro golpe me acertou em cheio e senti o gosto metálico do sangue nos lábios. Meu agressor era consideravelmente maior que eu, mas também era mais torpe o que me permitiu esquivar o terceiro e o quarto golpe com certa facilidade. Aproveitei o seu desconcerto para acertar seu rosto com toda a força que tinha. Ele gemeu e recuou alguns passos, levando as mãos ao nariz enquanto o segundo atacante me acertava um chute na cintura.

Maldito miserável!

Senti uma dor quase insuportável nas costas enquanto caia de joelhos e o primeiro grandalhão com fúria nos olhos e o nariz sangrando como uma torneira quebrada me acertava novamente inúmeras vezes.

Levantei-me vendo pontos translúcidos e irregulares a minha frente enquanto minha cabeça estalava de dor. Uma dor que percorria meu pescoço e se alojava na minha testa sem permitir que eu abrisse completamente os olhos.

Esquivei um golpe e acertei um terceiro babaca no estômago. Aproveitei os segundos de vantagem e fechei a mão em punho. Senti meus dedos arderem quando chocaram contra o seu rosto. O maldito caiu resmungando como um bebê e permaneceu onde estava.

Senti que a dor de cabeça aumentava a um nível quase enlouquecedor quando alguém me agarrou pelos cabelos e me arrastou para trás. Acertei a barriga do idiota com o cotovelo e caí novamente de joelhos no chão. Minha vista estava nublada e eu já não distinguia os rostos que pairavam entre as sombras.

Não até que Jony, que havia estado observando tudo como um espectador VIP, abaixou-se na minha frente e me fitou nos olhos, sem a menor sombra de vergonha na cara por não poder lutar as próprias batalhas.

Dois de seus malditos trogloditas me seguraram pelo braço, um de cada lado, impossibilitando qualquer represaria, ainda que eu já não tivesse forças para isso. O outro parou atrás de mim, me puxando pelo cabelo para que eu não pudesse desviar os olhos do idiota abaixado a minha frente.

— Meus pais podem ter aceitado a aventura desafortunada do meu pai com a puta da sua mãe e tudo o que veio a seguir, mas eu não. — Um sorriso cínico brincou em seus lábios e seus olhos azuis brilharam. — Não se meta no meu caminho. Isso foi só o começo.

Senti meu corpo relaxar dolorido quando me soltaram e desapareceram na esquina.

Limpei o sangue dos lábios com as costas da mão e sorri enquanto me levantava com dificuldade e sentia minhas costelas e minhas costas protestarem como se tivesse sendo perfurado por agulhas.

Coloquei a mochila em um dos ombros enquanto o sorriso se ampliava em meus lábios.

Minha mãe havia odiado durante toda a sua vida meu comportamento impulsivo e descontrolado na maioria das vezes.

Eu havia tentando andar dentro dos limites por ela.

Eu faria qualquer coisa para vê-la feliz.

Mas ela já não estava ali.

Já não havia ninguém por quem eu quisesse ser uma pessoa melhor.

Isso seria interessante...

Eu mal podia esperar pelo próximo encontro.

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