Capítulo 1

"Maila"

Já é quase meia noite e estou treinando na academia da famiglia. Isso mesmo treinando. Acho que faço isso quase todas as noites por falta de sono desde meus quinze anos quando tudo aquilo aconteceu na minha vida me levando a ter essa vida de coruja.

Pego a toalha que está em cima do braço da cadeira de descanso e seco o suor que escorre pelo meu rosto depois de tantos chutes e socos no saco de areia.

Nao adianta, por mais que tente sorrir e parecer normal na frente das pessoas que amo, nunca mais fui normal depois daqueles dias infernais.

Esses pesadelos me assombram todas as noites, mesmo com os remédios pra dormir ou o cansaço acumulado, quase nunca tenho uma boa noite de sono, e quando tenho é porque estou muito bêbada ou quando estou com ele.

Subo as escadas para dar uma corrida nas esteiras antes de encerrar a noite. Olho as outras pessoas na academia e sorrio quando me cumprimentam, antes fazer isso era tão simples, mas agora parece uma coisa boba e sem motivo. Se sou falsa? Não.

Mas as vezes quero não ter que olhar pras pessoas ou corresponder suas expectativas, mas o mundo parece sempre esta olhando pra mim e isso me cansa.

Ter essa dor dentro de mim me faz pensar que os outros nunca vão me compreender, não importa o que eu faça ou deixe de fazer, mas isso não me da motivos para descontar nos outros ou ficar com raiva de tudo e do mundo, só que isso passa pela minha cabeça de vez em quando.

Saio da esteira depois de mais dez minutos correndo, subo as escadas que dão para a sala principal da sed da máfia e dou de cara com Maick sentado no grande sofá da primeira sala.

Passo por ele indo pegar algo diferente pra beber, abro o pequeno frigobar pegando uma garrafa pequena de suco, quando vou passar por ele de novo escuto sua voz e paro.

-Sabia que ia te encontrar aqui. -ele sorri de lado, esse sorriso me mata. -Sua mãe está doida atrás de você.

-Disse que ia vim malhar. -passo por ele que segura meu pulso me puxando de volta para que eu olhe pra ele.

-Não precisa ficar com essa máscara fria pra mim. Nos dois sabemos o motivo de você estar aqui. -ele me puxa para seus braços me fazendo sentar em seu colo e sinto o cheiro gostoso do seu perfume uma mistura doce, que me deixa desnorteada e confortável.

-Isso é uma merda. -murmuro mas sei que ele ouviu pois começa a fazer carinho em meus cabelos que estão soltos em minhas costas.

-Porque minha vida não podia ter sido um pouco normal? Será que é pedir muito? -sussurro comigo mesma, e enlaço meus braços em sua cintura.

-Calma, vai ficar tudo bem bonequinha. -o apelido que ele me deu quando eu era criança sempre me deixa sem graça, mas me faz bem quando ele me chama assim.

Antigamente podia até dizer que me parecia com uma boneca mas agora acho que estou mais para algo bem mais cabuloso, um espantalho velho e desarrumado.

Meus cabelos loiros avermelhados estão mal cortados e emaranhados, minhas roupas são dois números maiores que meu corpo, roupas masculinas para ser mais exata e faz anos que não cuido da pele.

-Vem, vou te colocar pra dormir. -ele se levanta e me puxa rumo aos quartos que tem aqui, esses quartos são para quem vem de missões e acaba por ficar aqui por algum motivo.

Raramente acontece das pessoas saírem daqui pra falar a verdade, aqui é praticamente a segunda casa de todos. Como posso dizer um abrigo para quem está desesperado? Acho que posso colocar dessa forma. É pra cá que sempre venho quando não consigo dormir por causa dos pesadelos.

Na grande maioria das vezes quem me resgata dos meus pesadelos é Maick, isso desde que Diogo desapareceu e Seb casou com Laura.

Quando eu saio de casa tarde da noite sem avisar ninguém, sempre é pra ele que eu ligo primeiro, pra ir me buscar em algum lugar aleatório que fui parar depois de andar sem rumo.

Mas nos últimos tempos minha mãe que corre atrás dele para saber de mim, ou pede que ele fique de olho em mim para que eu não faça nenhuma besteira como a da última primavera.

-Você precisa de um banho e depois cama. -ele diz já tirando meu blusão pela minha cabeça sem nenhuma dificuldade, ele já me me deu banho várias vezes nesses últimos cinco anos.

-Toma banho comigo hoje? -pergunto e ele só concorda sem nem pensar duas vezes.

É sempre assim, ele cuidando de mim e eu sempre fugindo dele logo em seguida, desde quando aconteceu todas aquelas coisas não consigo mais te-lo para mim, mesmo querendo muito não acho que posso tê-lo.

Me sinto quebrada demais para ficar com ele, talvez nunca va me sentir bem novamente para ficar junto dele.

Terminamos de tirar as roupas e entramos no banheiro ele liga o chuveiro e a água quente cai no chão fazendo um vapor subir e finalmente encaro seus olhos.

-Somente nos dois para sempre. -digo levantando o dedinho no ar como fazia quando pequena, ele sorri de lado e levanta o dedinho enlaçando no meu.

-Somente nos dois para sempre. -diz, é sempre bom escutar ele falando isso, mesmo que amanhã eu queira ouvir de novo e de novo, porque eu o amo mais que a mim mesma, mais que meu coração possa aguentar.

Mas sei que se ele ficar comigo só vou magoa-lo com esse meu jeito quebrado de agir e pensar, mesmo que eu queira estar com ele sei que ele merece coisa melhor que eu, uma pessoa que está quebrada.

Não sei quando esse sentimento começou, mas sei que esta aqui tem muito tempo, um amor que jamais irei entender ou conseguir controlar, um que me domina por inteiro e me faz querer ficar longe.

Quando toda aquela situação aconteceu comigo cinco anos atrás ele foi o que mais se afastou de mim, talvez por se sentir culpado pelo ocorrido, mesmo não sendo culpa dele.

Mas ele também foi quem mais me ajudou na minha recuperação depois do incidente, quando eu não quis que ninguém me visse daquele jeito ele me escondeu e cuidou de mim com todo zelo e carinho.

Fiz de tudo para mante-lo por perto naquela época porque ele era meu seguro, por um tempo eu consegui, mas de um tempo para cá ele tem me afastado cada vez mais, principalmente depois que Diogo foi dado como morto. Ou sera que sou eu que estou me afastando cada vez mais? Nem mesmo eu sei dizer o que tem acontecido.

Não consigo entender, se ele me ama porque me afastar, porque?

O banho não demora muito, ele me lava com carinho e quando terminamos me seca, não consigo falar ou olhar para ele, mesmo que queira perguntar tudo que esta entalado na garganta, não consigo.

Tudo que consigo sentir é vergonha desse meu corpo, um corpo imperfeito, cheio de falhas, vergonha de tudo que me tornei depois daquele incidente.

-Vamos para a cama... -ao invés de me deixar ir andando me pega no colo e caminha comigo de volta ao quarto, ambos pelados.

Por mais que tenha vergonha, não há mais nada para esconder, ele já me viu por inteira e ja sentiu cada parte de mim. Nos tornamos um e depois nos separamos.

Ele me coloca na cama grande e se afasta até o armário no canto da parede pegando uma camisa grande, fico observando suas costas largas, as cicatrizes que ele conseguiu por minha causa.

Engulo em seco, não consigo mais conter as lágrimas que teimam em descer pelo meu rosto. O que me mais me machuca é saber que depois daquele fato todos me tratam como se eu fosse quebrar a qualquer momento, o que pode ser verdade.

Mas talvez eu nunca tenha sido concertada para poder quebrar. Pois talvez eu ainda esteja completamente quebrada e sem nem ao menos saber por onde começar a consertar.

-Ei, estou aqui com você... -sinto seus dedos secando minhas lágrimas, em seguida beijos por meu rosto, olho dentro dos seus olhos.

A minha salvação foi saber que ele estava comigo mesmo que eu esteja quebrada, destruída. Somente saber que ele ainda está aqui me deixa de alma e mente limpa.

-Eu... -se dizer isso agora, irá fazer alguma diferença? Ele irá parar de me afastar? Iremos nos entender? Acho que não. Engulo minhas palavras mais uma vez.

-Vem, irei ficar com você até que durma. -ele veste a camisa em mim e me puxa para junto do seu corpo nos deitando na cama, minha cabeça apoiada em seu peito, rodeio seu pescoço com meus braços para impedir que ele se afaste.

O lugar onde sempre consigo ter paz, escutando essas batidas lentas se acelerando com meus toques, o lugar para o qual sempre volto após uma longa batalha interna e um cansaço sem fim.

É aqui que quero ficar para sempre, mesmo que ele não me queira mais, mesmo que isso me cause dor. Sempre irei procurar por seu carinho, seu olhar, seus braços, sempre irei procurar por ele, mesmo que essa procura nunca acabe.

Não porque preciso de proteção, mas sim porque preciso sentir algo alem de dor, preciso sentir o amor que sei que ele tem por mim, mesmo que seja um amor de irmão.

Preciso saber que ainda consigo viver, somente por escutar essas batidas lentas se acelerando, saber que ainda sou amada por alguém alem de minha família.

Mesmo que me falte um pedaço, mesmo que eu nunca mais seja a mesma, só quero senti-lo por perto. Tê-lo em meus braços somente mais um pouco antes que possa estar longe, tão longe que ninguém consiga me alcançar.

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