Ponto de vista da Léa.
— Olá novamente! Este, bem provavelmente, será meu último vídeo-diário antes da hibernação, então vou aproveitá-lo para dar algumas orientações... Essas são para Lisa: Dirceu, o cavalo marrom está doente. Não sei bem o que ele tem, mas tenho o medicado de acordo com os sintomas. Cuide dele, por favor, ele é muito bonzinho. Você não terá dificuldades para os exercícios diários, então mande ver! — após uma pequena pausa, prossegui — vou deixar uma nota para você, escrita em papel, o velho e antigo, que ainda nos serve bem — disse seguido de risos — essa informação é para você Lisa! E, Hector, não se intrometa! — disse franzindo a testa. — Acredito que seja só isso. Boa escala! Paz e paciência para os próximos sete meses! Desligan...
— Não. Quase ia me esquecendo de algo. Aquela criatura misteriosa ainda anda solta por ai. Infelizmente nossos esforços não foram suficientes para encontrá-la. Não se preocupem. Ele não fez mal nenhum a ninguém, até agora. Boa sorte, Lisa! Desligando.
— Espero que não seja nada — disse com receio da verdade — Hector vai encontrar a criatura... Alguém vai.
Saí a caminho da sala de comando para me encontrar com Saeed, verificarmos nossos relatórios e quais instruções dar à nova dupla.
— Como estamos, piloto? — Questionei Saeed, a fim de que reportasse o status de seus deveres.
— Quase tudo pronto! — disse Saeed entusiasmado — Já terminou meus relatórios para Héctor e agora eu vai terminar de verificar nossa rota. — disse Saeed, logo em seguida virando sua cadeira de volta para o painel de comandos.
— Empolgado para quê, Saeed? — Questionei curiosa.
— Eu? Empolgado? — disse ele surpreendido pela pergunta. — Acho que agora eu está pronto pra hibernação. — disse coçando a nuca, com aquele sorriso sem graça no rosto.
Não engoli aquela desculpa de imediato, mas depois me pareceu realmente que o garoto queria tirar o cochilo de alguns meses.
— Ainda bem! — disse virando o olhar para o painel e tentando entender o que Saeed fazia. — Precisamos de um descanso também! E eu me sinto completamente pronta para esse longo sono.
— E você Lea? Já dexou tudo arrumado pra eles? — questionou Saeed ao virar seus olhos em minha direção, medindo meus movimentos. — Falta só vinte minutos pra Héctor e Lisa acordar.
— É mesmo. Só preciso aplicar a dose diária dos antibióticos de Dirceu. — disse dando desfecho à conversa. — Nos encontramos na sala de hibernação, Saeed!
Saí dali com a sensação de que Saeed tinha alguma informação que eu não tinha. Cheguei até Dirceu, apliquei-lhe os remédios e percebi que as doses estavam funcionando, pois ele estava melhorando — Muito bem, garotão! Você vai ficar bom! — disse acariciando sua crina. — Agora tenho que voltar, mas Lisa virá cuidar de você! Seja bom com ela também! — Dirceu relinchou e abaixou a cabeça. Ele era muito forte e tinha real desejo de viver, via isso em seus olhos.
Saí dali contente por ver a melhora de Dirceu.
Fui rapidamente até a sala onde os hibernados estavam e Saeed não se encontrava lá. As câmaras já estavam posicionadas para despertá-los. Faltava apenas três minutos para que os novos plantonistas despertassem do sono de sete meses e pouco. Comecei a ficar ansiosa, até que ouvi uma voz ofegante adentrando a sala repentinamente.
— CHEGUEI! — Disse Saeed correndo para o lado da câmara de Hector. — Desculpa demora! Tava terminando algumas coisas particular.
— Tudo bem menino. Concentre-se agora! — disse um pouco nervosa pelo atraso. Em seguida as câmaras começaram a drenar os fluidos internos e abriram logo em seguida, e os corpos já começavam a se mexer.
— Ah! — esbravejou Hector, após tossir fortemente e vomitar um líquido esbranquiçado — Que maravilha... Pronto para mais uma guerra!
Da câmara de Lisa ouvimos apenas tosses e gemidos.
— Lisa! Está tudo bem? — questionei ao ajudá-la a se levantar.
— Lea, que bom revê-la. — disse Lisa recobrando as forças — estou bem, não se preocupe.
— E aí menino? O que andou aprontando todo esse tempo? — questionou Hector, adiantando-se.
— Hector, na verdade já estamos prontos para passar as informações a vocês, antes que hibernemos. Mas primeiro vocês devem se lavar e vestir uma roupa mais confortável — sugeri.
— Está bem, vamos cuidar disso e nos encontramos na sala de comando em quinze minutos. — disse Hector olhando para Lisa, que assentiu com a cabeça e então lentamente deixaram a sala.
Hector, o militar, era extremamente pontual. Exatamente quinze minutos após deixarem a sala de hibernação estavam na sala de comando se juntando a nós. Passamos todas as informações a eles, tiramos suas dúvidas e então chegou nossa vez de hibernar. Os dois nos acompanharam até a sala onde iríamos dormir, nos acomodaram nas câmaras e agora éramos nós que adormecíamos com os fluídos.
***Ponto de vista de Lisa.
— Hector surtou. Ele bebe às vezes e me deixou sem gravar meus vídeos-diários por todos esses... — disse assustada, olhando para a porta várias vezes, trêmula. — por todos esses meses. Ele… Ele é estúpido! Grosso! E a maior parte do tempo tem sido agressivo. Já tentou me assediar várias vezes... Parece que o espaço aflorou tudo de ruim que havia nele! — disse tentando conter as lágrimas. — Com muito esforço e, lutando contra ele, consegui que ele parasse com as tentativas de matar Dirceu. Ele diz que a criatura que Saeed e Lea diziam que estava solta iria nos devorar vivos, e que deveríamos acabar com a missão. Ele matou alguns animais alegando que precisava de carne! — disse serrando os punhos de ódio — Ele mexeu nas câmaras e alterou todas as datas de hibernação! E não permite que eu chegue perto da sala! Não sei como fazer para acordar Rick ou os outros. Preciso de ajuda! — disse com desespero. Ouvi Hector bater na porta da minha unidade. — DESLIGO.
— Hector. Estou me trocando! — gritei pela porta trancada. — Já te encontro aí fora!
— Seja rápida! Estou cansado de esperar por você! — disse ele após dar um soco forte na porta de aço.
— Ordinário... Vou me livrar de você de uma vez por todas! — disse determinada.
Saí da minha unidade e fui até a de Saeed, a fim de encontrar algo que me ajudasse a abrir a sala de hibernação. A porta estava trancada e de dentro de sua unidade sentia um cheiro forte de comida estragada. A unidade seguinte era a de Lea, e estava destrancada. Infelizmente não havia nada que me ajudasse a abrir a porta de aço da sala de hibernação. Corri então para a unidade de Hector, pois me lembrei de suas facas. Apanhei a primeira que avistei e corri até a sala de hibernação. Forcei a faca na fechadura, quebrei a ponta da faca, mas consegui abrir. Fui até minha câmara, preparei-a para mim, e enquanto ela abria corri até as câmaras de Eddie e Isa e despertei-os. Entrei em minha câmara, temendo que Hector me descobrisse e, apavorada adormeci.
***Ponto de vista de Isabela.
— Lisa! Lisa, sua vagab... Ahn? Ela entrou na sala das câmaras. — disse Hector após notar a porta forçada.
— Eddie! Isa? Despertaram tão cedo? — disse Hector ao vê-los despertando ainda, com voz arrastada como a de um bêbado.
— Hector? — disse Eddie entre tosses e gemidos — onde está Lisa?
— Ela estava indisposta e preferiu hibernar antes que despertassem — disse ele em tom contestável, após olhar para sua câmara.
— Suponho que você fosse logo em seguida, não Hector? — questionou Isa duvidosamente.
— Não. Tenho alguns assuntos para resolver aqui ainda. — disse Hector deixando a sala.
— Eddie, algo está errado! Vamos atrás dele. — disse caindo de minha câmara, voltando a mexer meu corpo lentamente.
Eddie e eu fomos até a cabine de comando e não encontramos Hector.
— Eddie, tente as câmeras da nave! Descubra pra onde ele foi! — sugeri apreensiva.
Após alguns segundos vasculhando as câmeras, Eddie encontrou Hector saindo de sua unidade com uma faca enorme, indo em direção à ala dos cavalos.
— Isa! Encontrei ele! — disse Eddie repentinamente — ele está seguindo para a ala dos cavalos, com uma faca enorme! — concluiu apavorado.
— O quê ele pretende? — perguntei pegando um bastão no armário de canto e saindo da sala. Eddie levanta e pega também um bastão eletrificado e me segue.
— Hector causando problemas novamente?! — disse Eddie ainda se recompondo.
— Ele não muda. Simplesmente não muda! — disse complementando a fala de Eddie, irritando-me cada vez mais.
Chegamos até a ala dos cavalos e lá estava ele terminando de abrir o ambiente em que Dirceu estava se recuperando, isolado dos outros.
— Hector! — chamou Eddie, a fim de atrair sua atenção. Ele simplesmente ignorou seu chamado.
— Hector! — gritei furiosa — Afaste-se do cavalo agora! Ou terei que ser mais incisiva?
— Eddie, vamos! Ele não vai parar. — intimei-lhe rapidamente.
— Afastem-se — gritou Hector — já!
Neste instante foi evidente que ele estava bêbado. Eddie adiantou-se.
— Já que você é tão valentão, porque não vem aqui me dar uma surra, seu bêbado! — ousou Eddie — Seu covarde!
— Isso Eddie, está funcionando! — comentei em baixo tom — atraia-o para você que eu dou um jeito nele.
— Está bem, mas seja rápida! Eu não dou conta dele! — disse Eddie com medo do militar.
— Fique tranquilo. Serei rápida! — disse com sorriso maroto.
Hector largou o pescoço do cavalo, saiu do pequeno estábulo e veio em nossa direção, foi então que nos afastamos um do outro. Hector tentou acertar Eddie com sua faça, lançando um golpe forte com o braço direito. Eddie esquivou, mas não havia muito para onde correr naquele hall das celas, um ambiente quadrado.
— Isa! Dê um jeito nesse cara! — gritou Eddie apavorado.
Acerto um golpe com o bastão eletrificado, mas não é o suficiente para derrubá-lo. Ele então da um jogo de corpo desengonçado e me derruba ao chão.
— Eddie, cuidado! — alertei-lhe.
Eddie esquiva novamente dos golpes de Hector e acerta o bastão em sua perna direita, a perna de apoio, enquanto eu acerto um golpe em cheio em sua nuca. O militar bêbado cai desmaiado ao chão.
— Ufa! — suspiro em sinal de alívio — conseguimos.
— Ainda bem! — diz Eddie também entre suspiros — não sobrevivi à mortons para isso aqui.
— Venha Eddie. Vamos colocá-lo em sua câmara. Ele vai dormir por muito tempo! — afirmei incomodada.
— Com certeza vai! — concorda Eddie.
— E depois, vamos descobrir o que houve entre ele e Lisa...