CAPÍTULO 4 - C.A.O.R.N.

            O bar Ossos e Rosas era um dos vários que existiam no Bairro da Boemia, mas se caracterizava por ser o mais famoso e antigo dentre os que tinham donos de origem eslava, sendo um dos mais antigos da cidade e que teria sido erguido pelo próprio Víktor Kotov, que se tornou o chefe da sua família e, consequentemente, dos negócios ilícitos comandados por ela, sendo um dos cinco indivíduos mais poderosos de Maité.

            É dito que teria sido do próprio Víktor a ideia do nome do bar e do símbolo dos ossos cruzados com rosas entre eles, tanto como uma forma de lembrar a época em que a família Kotov transformava os seus desafetos em adubo para as plantações de rosas das famílias Smirnov e Melnikov, como de anunciar as esperanças quanto à Pax Maitensis, pois os eslavos doaram todas as rosas necessárias para as cerimônias fúnebres de todos os que caíram durante o Cataclismo, incluindo dos membros das outras famílias criminosas.

            Uma dessas outras famílias era a italiana Romano, cujo chefe, Matteo, foi uma das vítimas do Cataclismo, deixando três filhos e uma filha, Giulia, que assumiu os negócios, deixando o irmão mais novo, Carlos Alberto, descontente com isso. Porém, preferindo não criar uma guerra e confiando que a Pax Maitensis funcionaria, ele abandonou as atividades criminosas e, no ano seguinte, nasceu o seu primeiro filho, Carlos Alberto Oliveira Romano Filho, que vinte anos depois lhe daria o primeiro neto.

            Carlos Alberto Oliveira Romano Neto cedeu a sua mesa a um grupo de jovens que tinha chegado ao bar um pouco depois de ele pagar a conta. O espaço estava cada vez mais cheio e não fazia sentido ficar ocupando aquele lugar, uma vez que já estava de saída, então, ele foi aguardar Clara escorado à parede de uma das entradas.

            Passados alguns minutos, o rapaz sentiu um leve esbarrão no braço e, quando virou o rosto, viu que era Clara, parada ao lado dele, mascando um chiclete e com ambas as mãos segurando o celular, em cuja tela os olhos estavam vidrados.

            - E aí, vamos? - indagou a jovem, olhando brevemente para os olhos de Carlos, que sorriu em resposta e saiu andando na frente. Clara o seguiu e eles passaram por entre as mesas ocupadas na calçada em frente ao bar.

            - Meu carro tá mais pra lá. - disse Carlos, enquanto atravessavam a rua e passavam em frente ao outro bar, seguindo direto para a esquina - É aquele ali, o único vermelho. - indicou, quando já haviam passado do canto do quarteirão.

            - Ele não está quase no fim do quarteirão. - comentou Clara, enquanto terminava de digitar o endereço dele e se perguntando se seria o endereço verdadeiro.

            - Olhando agora, realmente não está. - respondeu o rapaz, se perguntando por qual motivo pensou ter estacionado quase na outra esquina.

            Chegando próximo o suficiente para ver a placa do carro, Clara rapidamente digitou as letras e números dela, enviando as mensagens para Débora antes de entrar no carro.

            - Acabei de perceber que você não me disse o seu sobrenome em momento algum. - comentou Clara, enquanto colocava o cinto de segurança e Carlos colocava o carro em movimento.

            - Sério? - disse ele - Talvez se você tivesse perguntado, eu teria respondido! - riu, vendo que Clara estampava no rosto uma expressão que concordava com o que ele falou - Romano, meu sobrenome é Romano. Na verdade, meu nome completo é Carlos Alberto de Oliveira Romano Neto, mas meus amigos me chamam de C.A.O.R.N. - informou, notando a expressão de incredulidade no rosto da jovem.

            - Romano? Como a família criminosa italiana que comanda a cidade junto com as famílias Kotov, Topatinga, Olamilekan e Watanabe? - perguntou Clara.

            - Sim, exatamente esses Romanos. - respondeu Carlos.

            - E você não achou relevante me informar isso, mesmo que eu não perguntasse? - indagou Clara, perguntando-se se não deveria m****r uma nova mensagem para Débora.

            - Não muito, porque, assim, embora eu seja parte da família, mantenha contato com meus primos e tal, ninguém do meu lado da família participa dos negócios ilícitos - respondeu Carlos - Nós não sabemos de nada sobre os negócios, nada mesmo.

            - E isso é possível? - perguntou Clara, deixando escapar uma breve risada como a de quem acabara de ouvir algo absurdo - É a primeira vez que estou ouvindo algo desse tipo. - Clara estava achando aquilo tudo incrível, uma novidade, uma coisa muito interessante para compartilhar com Débora no dia seguinte.

            - Sim… É! - disse Carlo, achando engraçada a reação de Clara.

            - E… Como foi que isso aconteceu? Você pode contar? - indagou ela, curiosa e pensando que havia um bom tempo que ela não se encontrava com um cara tão interessante ou, pelo menos, com coisas interessantes para contar.

            - Posso sim, não tem nada de mais. - respondeu ele - A minha família faz parte de um ramo que abandonou essas atividades criminosas lá no começo da Pax Maitensis, quando o meu avô não gostou que a única irmã dele, minha tia-avó, Giulia, foi escolhida como a nova chefe da família. - contou Carlos, até que um pouco empolgado por falar sobre isso. - Entendeu?

            - Sim, sim, entendi. - respondeu Clara - Mas porque tem um “Oliveira” no teu nome? Pensei que todo esse povo das famílias criminosas só casasse e tivesse filhos com gente da mesma comunidade. - perguntou, notando que, embora Carlos tivesse alguns traços italianos, ele tinha uma aparência muito mais miscigenada do que semelhante à dos outros ítalo-brasileiros do bairro Sete Colinas.

            - Verdade, entre eles ainda existe muito dessa babaquice de só se casarem e terem filhos com gente da mesma origem - comentou o rapaz - Meu avô me explicou, uma vez, que isso é muito mais para manter algum controle sobre os rumos dos negócios do que por algum pensamento racista ou algo do tipo. - começou a explicar o rapaz, um pouco mais sério -  Tanto que muitos dos mafiosos que estão nas hierarquias mais baixas são casados com pessoas de outra etnias - continuou - Aliás, você sabia que existem muitos casamentos entre as cinco famílias?

            - Não, também não tinha ouvido falar sobre isso… - respondeu a jovem, tentando se lembrar se já tinha visto ou ouvido algo a respeito.

            - Pois é, esses casamentos entre as famílias seriam uma forma de estreitar os laços e manter a Pax Maitensis viva. - disse Carlos.

            - Tá, mas você não respondeu a minha pergunta. - pontuou Clara, quase impaciente, mas muito mais temerosa de que ele acabasse seguindo a conversa para outro rumo e esquecesse de responder. Ela detestava ficar curiosa a respeito de algo e não conseguir sanar a curiosidade.

            - Claro, eu ainda não terminei. - retrucou o jovem, parando o carro num sinal vermelho - Como eu dizia, existem muitos casamentos entre as hierarquias mais baixas das cinco famílias e, na prática, elas hoje são uma coisa só, cooperando nas atividades e repartindo os lucros. - explicou - Agora, respondendo a tua pergunta, meu bisavô teve duas esposas. A primeira era italiana e foi a mãe dos gêmeos e da única filha dele, Giulia Romano, que herdou o comando da família e dos negócios criminosos. A segunda esposa dele era brasileira mesmo, filha de um judeu com uma mulher cafuza. Esse “Oliveira” no meu nome vem dela. - respondeu, ouvindo Clara soltar um “ah” logo em seguida.

            Carlos ainda chegou a perguntar para Clara se ela gostaria de saber mais alguma coisa sobre ele ou sobre o seu relacionamento com a parte mafiosa da família, mas ela declarou que, por enquanto, havia saciado a curiosidade a respeito dos bastidores familiares da máfia de Maité.

            - Você me deu muito mais informações do que eu esperava - disse ela - ou que realmente seriam necessárias para um encontro casual! - brincou, dando uma breve risada - Mas eu até que fiquei um tantinho aliviada por você ter aberto o jogo. Claro, poderia ter feito isso lá no bar e, sim, eu sei, eu deveria ter perguntado lá mesmo ou nas nossas conversas pelo chat do Esbarre, mas agora isso não importa, a curiosidade é quanto à tua casa… Ao teu quarto… - deixou o tom de voz insinuante, enquanto ela se inclinava na direção do rapaz, aproximando os seus lábios do rosto dele e levando à mão direita a deslizar do joelho à virilha dele  - À tua cama… - sussurrou no ouvido de Carlos, pouco antes de morder a orelha dele, enquanto a mão dela acariciava-lhe a genitália por cima da calça.

            Clara beijou o pescoço do seu parceiro para aquela noite ao mesmo tempo em que desabotoava a calça dele, lentamente deslizando o cursor do fecho ecler para baixo. Carlos riu quando ela comentou com uma pontada de desapontamento que homens não deveriam usar cuecas.

            - Talvez aquelas que tem umas aberturas… - pontuou, ao mesmo tempo em que Carlos parava em mais um sinal vermelho, ao lado de outro carro.

            Naquele momento, coincidiu de um alto e magro homem, que estava de carona no carro ao lado, ver Clara inclinando a cabeça em direção ao regaço de Carlos até desaparecer por trás da porta do veículo vermelho. O observador também percebeu que os lábios do rapaz se moveram logo em seguida e, se as janelas de ambos os carros estivessem abertas, talvez ele pudesse ter ouvido o jovem dizer que Clara não precisava fazer aquilo, pois a casa dele já estava a poucos metros.

                                                                ***

            A casa em que Carlos morava com a família ficava no meio de um quarteirão do bairro Sete Colinas e tinha muros altos o suficiente para não permitir que nada do andar de baixo fosse visto. Podia-se ver apenas que havia um segundo andar e que este possuía duas janelas com varandas voltadas para a rua em frente.

            Naquela noite, não tinha mais ninguém na casa, pois os pais de Carlos estavam fora da cidade e todos os irmãos e irmãs dele estavam pernoitando nas casas de outras pessoas. Por isso, o rapaz incentivou Clara a não se conter, caso quisesse fazer barulho, e deixou a música rolando em altíssimo volume para que os gritos dela não fossem ouvidos pela vizinhança.

            - Ei! - gritou Clara, quando Carlos repentinamente soltou o seu cabelo, sua cintura e deixou a cama - O que aconteceu? - indagou ela, nua e de joelhos na cama, vendo o rapaz reduzindo o volume do som até que a música ficasse quase inaudível e um peculiar ding dong se destacasse.

            - A campainha! - disse Carlos, virando para Clara e fazendo uma cara de chateado - Deve ser algum vizinho incomodado com o som alto, vou lá resolver isso e já volto pra gente terminar o segundo tempo. - explicou, enquanto vestia uma bermuda.

            Sem camisa, Carlos desceu pela escada, enquanto a campainha continuava a tocar e passou pela sala de estar, seguindo até a cozinha, que era onde ficavam, lado a lado, o interfone e o monitor das câmeras de segurança. Na tela, ele viu um homem que nunca tinha visto antes, nem no bairro, nem em canto algum.

            - Boa noite! Posso ajudar? - indagou o rapaz, sem tirar os olhos do monitor.

            - Detetive Enoque Vos, Distrito de Polícia de Maité. - disse o policial, exibindo o distintivo para a câmera - Procuro por Clara Katsaros e pelo Carlos que se encontrou com ela no Ossos e Rosas.

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