A Dama do Subúrbio
A Dama do Subúrbio
Por: E.N Vianna
Capítulo 01

MARIANA

Todos os dias às seis da manhã me colocava de pé para subir ao terraço para ver o nascer do sol, a vista era linda e privilegiada quando não estava nublado ou chovendo. Fazer isso me mantinha ligada aos meus pais, ao passado e a saudades de quem eu costumava ser. 

  Era um ritual que começou aos meus três anos de idade, quando meu pai me chamava para pegar ovos junto com ele no galinheiro, era sempre bem cedinho as galinhas tinham que estar dormindo, ele me colocava no pescoço e saia pegando os ovos, cantando a música de todos os dias, uma música que ele amava.  

Nesses versos tão singelos  

Minha bela meu amor  

Pra você quero cantar  

O meu sofrer a minha dor  

Eu sou como o sabiá  

Que quando canta é só tristeza  

Desde o galho onde ele está  

 Nessa viola  

Eu canto e gemo de verdade  

Cada toada representa uma saudade  

Eu nasci naquela serra num ranchinho a beira chão  

 Todo cheio de buracos onde a lua faz clarão  

Quando chega a madrugada  

Lá no mato a passarada  

Principia o barulhão  

 Lá no mato tudo é triste  

Desde o jeito de falar  

Pois o jeca quando canta  

Da vontade de chorar  

Não tem…  

   

Eu só sabia sorrir, via meu pai trabalhar, ouvia a música e sentia o sol tocar minha pele. isso foi até meus cinco anos, quando meu pai já não me aguentava mais, passei a catar ovos junto com ele, cantando junto e sentido o mesmo sol. 

 Mas tudo que restava de minha família, estava guardado em uma caixinha de lembranças no fundo de minha mente, naqueles dias não havia mais a alegria de estar com meus pais.  isso porque tive que me mudar para a pensão da minha tia e madrinha, a fazenda do foi vendida após pegar fogo.  

 No dia do incêndio fiquei órfã, meus pais estavam dormindo quando o fogo se alastrou pela casa velha da fazenda. Foi triste perder tudo com apenas dezesseis anos de idade. Hoje moro no subúrbio de São Paulo. Mas nada apagava minhas lembranças, a saudades era contínua, e tentava agora me virar. Mas minha tia me amava como filha, e isso me dava um pouco de esperança.  

 ― Mari, desce daí. Vai logo na padaria antes que os pensionistas acordem.  

  ― Tá bom tia, já estou indo.  

   ― Vai, vai logo.  

   Adorava sair pra rua, na realidade era minha hora favorita. Fazia quatro anos que morava na pensão e quando estava na rua colocava os fones de ouvido e saia cantando e dançando pelas ruas. Passei pela igreja e como sempre respeitosamente fiz o sinal da cruz, continuei meu caminho e dona Angelina estava no mesmo lugar todos os dias, sentada em sua cadeira de balanço na frente da casa.  

   ― Bom dia menina.  

   ― Bom dia Dona Angelina!  

   Entrei na padaria, o cheiro do pão francês fresquinho entrou nos meus sentidos, impossível resistir. Fechei os olhos guardando o aroma na memória, era mais uma de minhas manias. Nunca se sabe quando vai ser a última vez que vê ou sente algo na vida.  

   ― Mari vai ser o de sempre? ―disse Joana me trazendo de volta.  

   ― Isso mesmo Joana, o de sempre.   

   ― Hola niña, buenos días.― Hernandes me cumprimentou com o sotaque de português.  

   Vou dizer uma coisa, mas por favor não contem a ninguém, esse Hernandes é um homem muito bonito. Ele é um homem alto, com a pele cor de leite com café, os olhos castanhos claros quase cor de mel, os cabelos lisos bem curtos. Nunca vi homem assim como esse, e o que mais deixa ele bonito é o sotaque, ele é alto e forte. Dizem as más línguas que ele tem um corpo dos deuses, mas eu mesma nunca vi.  

   ― Bom dia Hernandes.  

   ― Toma aqui garota, leve logo para sua tia, e peça a ela que venha quitar logo a conta desse mês porque não podemos ficar esperando a boa vontade dela.  

 Sai da padaria com três sacolas nas mãos, e com a língua coçando para dizer a dona Joana que minha tia já havia pago a conta do mês. Mas como ela deve ter gasto sem o Hernandes saber, cobrou de novo.  Voltava em passos apressados, passei pela quitanda do Seu José, mas ele nem me viu então segui meu caminho.   

 Ao contar a minha tia que Dona Joana cobrou novamente a conta que já havia sido paga, ela ficou muito brava e disse que mais tarde iria pessoalmente conversar com a dona da padaria.  

  Eu saía para procurar emprego todos os dias desde que completei dezoito anos, não consegui nada. Mas minha tia me tranquilizava dizendo que isso era normal, ela pagava um curso de inglês para mim, e eu era grata porque isso iria me ajudar no futuro. Mas a realidade era que ela temia que eu não tivesse nada na vida igual aos meus pais, que não tinham nada além de uma fazenda cheia de dívidas com uma casa velha.  

 Sabia que ela me amava e queria meu bem, então fazia sempre o que podia para ajudar na pensão.   

  Na manhã seguinte teria mais uma entrevista, tentava ser positiva, porém, não era o tipo de garota que criava expectativa para depois quebrar a cara.  

  ― Bom dia, qual seu nome?  

   ― Mariana.  

   ― E qual é a vaga que está buscando?  

   Ué, eles que anunciam a vaga e não sabem? ― Pensei  

   ― Estou aqui porque vi um anúncio de uma vaga de atendente de recepção. ―  O homem coçou o queixo barbudo e logo depois escreveu algo no computador.  

   ― E qual é sua experiência? Já trabalhou na área?  

   ― Não senhor, nunca trabalhei.  

   ― Ok, muito obrigado a gente vai entrar em contato.  

   Não era nenhuma novidade, sempre é assim, voltei mais um dia para a pensão desempregada, se ao menos um deles me desse a chance que eu precisava. Que raiva que sentia, eles ao menos poderiam me dizer qual era o problema e eu poderia tentar persuadi-los e dizer que sem uma oportunidade nunca teria experiência. São Paulo sem sombra de dúvidas é grande, mas o que tem de pessoas passando perrengue por pensar que é um lugar de emprego fácil, chega dar dó. Mas tinha a certeza que minha vida iria mudar um dia.  

   A volta era sempre cansativa e frustrante, não gostava de voltar e dizer pra minha tia que mais uma vez não havia conseguido. Estava quase no portão da pensão quando um homem me parou, não dei atenção nem sequer olhei para a pessoa na minha frente.  

   ― Oi moça, pode me dar uma informação? ― disse com a voz rouca e grave.  

Foi então que levantei meus olhos, me deparando com um homem lindo e sorridente.  

   ― É claro, se eu puder ajudar. ― Sorri timidamente  

   ― Sabe me informar onde é a pensão da Mariazinha?  

   ― Claro, é aqui mesmo, pode entrar a minha tia está na recepção e vai atender o senhor.  

   Ele sorriu e passou por mim, um suspiro escapou de minha garganta, e antes dos pés dele subir os pequenos degraus da pensão ele me olhou novamente e com um sorriso encantador agradeceu.     

― Obrigado moça por me ajudar. ― Deu uma piscadela e entrou na pensão.  

  Inalei todo ar que consegui no momento, e após uns segundos soltei o ar. Lindo de mais... Pisquei algumas vezes saindo do transe em que me encontrava. Ponderei se deveria ou não entrar na pensão, mais uma notícia ruim pra minha tia... então dei meia volta, precisava conversar um pouco, e havia um lugar que quando a gente entrava triste, saia mais relaxado, a casa da Dona Angelina.  

   

   ― Tem café, dona Angelina? ― Perguntei do portão.  

   ― Sempre tem menina, vem entre, vou servir um café quentinho, fiz um bolo de fubá que está uma delícia.  

Se eu tivesse uma avó, com toda certeza ia amar se ela fosse como dona Angelina, uma pessoa que acalenta sua alma apenas com o sorriso.  

   ― Eu ouvi bolo de fubá. ― Disse a Letícia entrando logo atrás.  

   ― Agora deu viu, chegou a mais desavergonhada. ― Dona Angelina bufou, mas eu sabia que ela falava da forma mais carinhosa que podia. E que amava a Letícia assim como todas as malucas que a perturbavam. Dona Angelina a chamava de desavergonhada, mas a tratava muito bem, com um carinho imenso assim como faz comigo e com todos. Menos com seu José, ela odiava aquele homem.  

   Nós entramos na sala e ela nos serviu bolo com café, antes que eu levasse a primeira garfada à boca chegou também Jéssica, Cris e Jana.  

   ― Oi vó, tem bolo pra gente também? ― Perguntou Cris.  

   ― Tem minha filha, entrem e sentem eu vou buscar.  

   ― Eu vou te ajudar vózinha.  

   A Cris não era neta dela, mas chamava ela de vó assim como quase todo mundo que mora no bairro, o que me deixava intrigada era o fato de Dona Angelina morar sozinha e de nunca falar sobre sua família, se tinha filhos ou netos.  

   ― E aí já estão sabendo da fofoca? ― Jéssica perguntou  

   ― Não, conta aí! ― Letícia disse já orelhas em pé.  

   ― Não começa a fazer fofoca, você não precisa repassar tudo que escuta. ― Disse Jana  

   Dona Angelina chegou e serviu as meninas e logo em seguida se acomodou em sua poltrona.  

   ― Ouvi boatos de que a Joana saiu de novo com o Açougueiro, não vi nada, mas disseram que ela estava saindo do açougue toda descabelada e com a roupa amassada.  

   ― Jéssica para de ser fofoqueira, isso ainda vai dar briga.  

   ― Mas então o que ela estava fazendo lá. ― Perguntei inocente  

   Todas me olharam e simultaneamente caíram na gargalhada, e até Dona Angelina riu. Minha face queimou como fogo, não entendia muito de alguns assuntos e por essa razão entre nossas conversas eu sempre virava o motivo de muitos risos.   

― Menina, a Dona coisinha estava dando uns pegas no Açougueiro Messias, isso é triste, daqui a pouco embucha e aí quero só ver a confusão, o Hernandes é um homem tão bonzinho. ―disse dona Angelina juntando as migalhas de bolo que caíram na sua saia.  

   ― Há Vó, bonzinho mesmo, bem tenho vontade de ir cuidar dele.― Cris disse rindo  

   ― Toma vergonha menina!  

   ― E o emprego Mari? ― Jana mudou de assunto, ela não gostava de fofoca.  

   ― Ah, Jana não foi dessa vez, mas tudo bem.  

   ― Não fica assim, você vai arrumar coisa melhor, agora tenho que ir, tenho cliente logo cedo. ― Jana deixou o prato do bolo na mesinha e logo se espreguiçou indo para a porta e sumindo  

   ― Também vou, a gente tem que abrir o salão. ― Dessa vez foi Jéssica que se foi  

   Ficamos eu, Cris e Letícia mais Dona Angelina papeando, Letícia contava suas aventuras noturnas e Dona Angelina ficava o tempo todo resmungando, dizia para não falar pouca vergonha na casa dela, Cris como sempre foi lavar a louça que sujamos e depois de estar mais relaxada, fui apressada para a pensão.  

   ― Dona Angelina é um caso sério, né não? ― Letícia perguntou já na porta da pensão.  

   ― É uai, ela é um amor, me faz rir até quando estou triste.  

   Realmente, Dona Angelina era uma joia rara. Nós entramos e logo que vi minha tia ao telefone deixei Letícia e esperei minha tia. Contei a ela sobre não ter conseguido o emprego e ela, como sempre me tranquilizou, dizia que eu era jovem ainda, que um dia encontraria um emprego e que esse seria maravilhoso. Ajudei na organização dos quartos, cuidei do jardim do terraço e também limpei a vidraça da frente da pensão e quando enfim terminei me preparei para ajudar minha tia com o almoço, mas estranhamente quando entrei na cozinha me deparei com um homem de costas no fogão.  

   ― Quem é ele, tia?  

   ― Prazer eu sou Luiz Fernando, o novo cozinheiro.  

   Era o mesmo que me abordou na entrada mais cedo, mas em minha mente se passava; “que cargas d'águas, esse homem está fazendo aqui?” Mas  minha tia me mandou vestir avental e touquinha e foi o que fiz. E logo estava de frente para o rapaz que sorria o tempo todo.  

   ― Prazer sou Mariana, em que eu posso te ajudar Chefe? ― fiz piada, porque era muito...intrigante ver um homem como aquele no fogão e com um avental. Estava realmente charmoso  

   ― Mariana, ajude ele em tudo, vou até o Banco resolver alguns problemas e volto depois.  

   Minha tia saiu sem mais explicações e ficamos só eu e o bonitão, ele me pediu para picar algumas coisas e comecei minha tarefa.  

   ― O que você está fazendo? ― Perguntou me encarando.  

   ― Uai, picando o que me mandou.  

   Ele veio até onde estava, segurou minha mão delicadamente e começou a mover, me ensinando o modo correto de cortar cebolinha.  

   ― Assim mocinha, trate as cebolinhas com carinho, não precisa ser agressiva.  

   Sua mão na minha me deu um choque que não sei ao certo como explicar, dei um pulo com a carga de energia que recebi de sua pele. E de repente o balcão de mármore branco estava vermelho com meu sangue escorrendo por entre meus dedos.  

   ― AI!  

   ― Nossa, me deixa ver isso, falei pra ir com calma porque deu esse pulo?  

   Colocou minha mão embaixo da água da torneira, e por alguns segundos ficamos em total silêncio. Quando o sangue parou de jorrar ele delicadamente me virou de frente e fez pressão com um pano. Fixei meus olhos em seus lábios, ele falava baixo, mas eu não ouvia nada, apenas observava os lábios se mexerem devagar. Quando subi um pouco mais, nossos olhos se encontraram. Algo estava errado, porque sentia meu coração bater tão forte quanto uma bateria de rock. Os segundos se passaram e quebrei nosso contato visual, encarei o chão e dei um passo para o lado ao notar que estava muito perto dele   

  

LUIZ FERNANDO

Acho que vim parar no céu, primeiramente prazer, sou Luiz Fernando, nasci e fui criado em SP, mas era mochileiro, já rodei o Brasil, fui pro Chile, Estados Unidos, Europa, Índia, Itália e uma lista imensa de lugares, mas precisei voltar. Algumas pendências familiares me obrigaram a voltar e resolvi ficar em uma pensão, pois é. 

De cara vi a personificação de perfeição, a garota parada olhando para o nada, com os cabelos na cintura, e uma bunda linda. Não me julguem ainda, vi ela de costas então precisava falar da bunda dela, vi a placa da pensão de cara, não sou bobo sou bem esperto digamos assim, mas resolvi me fazer de cego e perguntei para ela sobre o lugar, no momento em que ela me olhou nos olhos, pude contemplar seu rosto perfeito, senti uma pontada forte no peito, o cupido acertou a flecha bem no meu coração. A menina era muito gata, com uma pele linda, nem tão branca e nem tão morena, estava mais para um bronzeado, seus olhos castanhos pequenos e meio puxadinhos nos cantos, um sorrisinho inocente. 

O Meu Deus, que perigo era eu perto daquela anja. Perguntei e tive minha resposta, mas aí é que terminei de me enrolar, porque a voz tão delicada veio carregada com um sotaque gostoso, sabe aquelas mineirinhas com voz de princesa? 

Isso mesmo, acabei de entrar em uma tremenda enrascada, era um cara que gostava de viver paixões, não vou negar, vivia rodando o mundo e conheço mulheres de todas as formas possíveis, nunca com relacionamento sérios, pois nunca ficava mais que dois meses em um lugar só, mas princesa igual  aquela garota, eu nunca vi na vida. Para acabar de vez com meu juízo, a mineirinha e sobrinha da dona da pensão, quando vi ela na cozinha, com um vestidinho marcando todas as suas curvas, segurei bastante minhas tendências sacana para não assustar a menina.   

   ― Desculpa, eu sou muito desastrada. ― Disse quebrando o clima que estava entre nós.  

   Ela se sentou no balcão e tive uma visão privilegiada de suas pernas, mas o que me encantava nela era que não estava tentando ser sexy, agia com a inocência de uma criança, mas mal sabia ela que estava me deixando louco e apaixonado...   

   ― Maria preciso de um... ops desculpa, não sabia que… Mari, quem é ele?  

   Uma loirinha bonitinha entrou e fixou os olhos azuis em mim, observei suas roupas e seu corpo, cintura fina, quadril largo, unhas compridas e cabelos compridos. A garota era o oposto de Mariana, mais sagaz e parecia mais experiente, veia isso pelo olhar que ela lançava em minha direção.  

   ― Ele, no caso eu estou aqui, Prazer sou o novo cozinheiro da pensão.  

   ― Letícia, minha tia não gosta de vocês na cozinha. ― Mari advertiu de forma carinhosa  

  ― Tudo bem, estou indo pra sala de Tv, e o prazer é todo meu. ― disse dando uma piscadinha e saiu rebolando com a mini saia que deixava pouco para a imaginação.  

   A loira estava descaradamente dando em cima, mas por mais linda que ela fosse, minha atenção naquele momento era toda da Moça do interior e pequena em minha frente.  

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