Capítulo 7

Aina

Bruno passou o resto da manhã listando todos os tipos de biomas que existiam na região e dando informações detalhadas sobre os animais que viviam em cada um deles. Fiquei aliviada por ter aquela agenda para anotar o que eu ouvia, pois meu cérebro não estava guardando nada. Eu não conseguia deixar de pensar no que aconteceu mais cedo, no fato de que Bruno já foi casado e ficava todo irritado quando mencionava a sua ex-esposa. Estava claro que ele odiava a mulher e comecei a me perguntar se ela não seria a causa do seu mau humor constante. Será que ela fez algo que o homem não gostou? Para a minha tristeza, havia uma grande chance de que minhas perguntas nunca fossem respondidas, Bruno não parecia disposto a se abrir e estava mais sério que antes.

Por mais que eu quisesse me concentrar no curso e deixar de me meter nos problemas de outras pessoas, meu cérebro tinha vontade própria e continuava me lembrando dos últimos acontecimentos, de quando Bruno estava sorridente pela manhã e até fez piadas sobre a fotografia que tirou. Pensei que finalmente tinha conseguido iniciar uma amizade com o sujeito, mas o conteúdo que estava na agenda mudou tudo. Talvez, Helena fosse o motivo do homem estar daquele jeito e agora que eu tinha aquilo em mente não conseguia ficar brava quando Bruno agia de forma rude. Eu sabia que ele estava sofrendo. Cada pessoa tem um jeito de lidar com a dor...

O resto da tarde seguiu sem nenhum acontecimento marcante. Quando o sol começou a se pôr, Bruno dirigiu de volta para o chalé e como já era de se esperar, ficou em silêncio durante todo o caminho. Ele não falou durante o jantar e antes de dormir apenas pediu que eu me preparasse, pois acordaríamos cedo pela manhã. No dia seguinte, Bruno me levou para conhecer o habitat de alguns pássaros locais e me ensinou a pegar ovos no ninho deles em segurança. O homem também explicou que caso eu ficasse perdida e precisasse de algo para comer, os ovos eram uma refeição rápida e uma ótima fonte de proteína se eu estivesse disposta a buscá-los no alto da árvore. Ele passou o resto do dia me mostrando onde conseguir comida na savana, como cupins ou pequenas larvas que viviam em solo mais húmido. Depois de conhecer minhas opções de alimento, eu definitivamente virei fã dos ovos de pássaros. A noite caiu outra vez e o homem permaneceu calado como uma porta até a hora de dormir. Eu estava gostando das aulas, mas no fundo fiquei chateada por Bruno estar evitando falar qualquer coisa que não fizesse parte da matéria. Eu precisava encontrar um jeito de contornar aquela situação e voltar a construir uma amizade com o sujeito.

No meu terceiro dia de curso, estacionamos o carro na sombra de um emaranhado de árvores que ficava no início de um pasto com grama alta e ressecada onde alguns antílopes pastavam. O sol do meio-dia brilhava alto no céu e a única coisa que amenizava o calor era a brisa fresca que soprava de vez em quando.

Eu estava observando os animais pela janela do carro com o binóculo marrom de Bruno enquanto ele me explicava sobre as espécies que costumavam visitar aquela área. Estremeci quando o homem mencionou que no meio da tarde alguns felinos caçavam a refeição por ali, pois a altura da grama era perfeita para se esconderem e prepararem uma emboscada.

—Vamos fazer uma pausa para o almoço. — Bruno terminou a sua explicação e desceu do carro.

Me virei no banco para observá-lo e o vi tirando uma bolsa térmica azul do porta-malas. Quando o homem retornou, se sentou no banco do motorista e abriu a bolsa, tirando dali duas quentinhas. Ele me entregou uma das embalagens laminadas e eu a abri imediatamente. O cheiro delicioso da comida tomou conta do interior do veículo e meu estômago roncou. Era uma espécie de massa cortada em tiras cobertas por um molho avermelhado. Bruno era um ótimo cozinheiro e sempre fazia o nosso almoço antes sairmos para a aula. No dia de hoje, eu estava decidida a iniciar uma conversa paralela com aquele homem para fugir do silêncio habitual que se instalava na hora da refeição.

—Que prato é esse? — puxei assunto.

Bruno tirou uma garrafa vermelha da bolsa térmica e encheu dois copos de alumínio com suco de laranja.

—Macarrão e molho de tomate — respondeu, enquanto enrolava a massa no seu garfo.

—Confesso que nunca comi.

—É um prato comum no meu país natal — Ele levou o talher até a boca e fez uma pausa para mastigar. — Eu mesmo faço a massa e o molho em casa.

Ganhando coragem, enrolei o tal do macarrão no garfo e engoli. Meu estômago bateu palmas assim que a comida desceu pela minha garganta. Bruno era um bom cozinheiro e aquilo me impressionava, pois eu não conhecia muitos homens que cozinhavam — meu irmão, por exemplo, nem sabia colocar água para ferver.

—Que horas você acordou? — perguntei e bebi um gole de suco, deixando o copo em cima do painel do carro. — Imagino que demorou muito tempo para fazer essa refeição.

—Não tive muito trabalho. A massa já estava pronta, eu só coloquei o molho. — Ele comeu mais macarrão.

—Se todos os pratos do seu país forem assim eu ficarei feliz em experimentar tudo o que você sabe fazer — comentei e engoli outra garfada.

O homem me olhou pelo canto do olho e não respondeu, apenas bebeu mais suco e espetou macarrão no garfo. Eu sabia que ficaríamos em silêncio se eu não iniciasse outro assunto, então decidi ser franca com ele.

—Bruno, eu percebi que você não gosta de falar sobre o passado...

—Por que acha isso? — ele me interrompeu.

—Porque estávamos nos dando bem até eu fazer perguntas sobre a sua ex.

— Não vou tocar nesse assunto — Bruno suspirou, aborrecido, e olhou para os animais que pastavam do lado de fora.

—Eu entendo, está bem? É um direito seu manter o passado em sigilo e prometo que não farei mais perguntas sobre isso. — Espetei mais macarrão com o garfo. — Honestamente, eu estou odiando esse silêncio desconfortável que paira entre nós desde que encontrei aquela agenda bizarra. Não quero passar os próximos doze dias na mesma situação... será que pode voltar a ser o Bruno que tentava ser educado e sociável?

—Estou sendo sociável. — Ele comeu o macarrão que restava em sua marmita de alumínio. — Caso contrário, eu não estaria falando com você agora.

—Porra, você sabe o que eu quero dizer! — me exaltei. — Nós somos dois adultos, mas você age como uma criança tímida e birrenta. Seja mais comunicativo.

O homem ao meu lado reprimiu uma risada e bebeu outro gole do suco de laranja.

—Está bem, eu serei mais comunicativo — respondeu com ironia. — A partir de hoje, vou dizer tudo que vier em minha mente, mas depois não reclame.

Franzi o cenho quando ouvi aquilo. Por que eu tenho a impressão de que ele usará minhas palavras a seu favor?

—Eu não demoro. — Bruno saiu do carro, me deixando sozinha para terminar a minha refeição.

Observei o homem caminhar para trás da acácia que estava em frente ao jeep e uma vez que ele não saiu de lá, concluí que devia estar fazendo xixi. Por sorte, o tronco da árvore era grosso o suficiente para esconder o seu corpo e eu agradeci mentalmente por não ver nada enquanto o sujeito tirava a água do joelho.

Um pouco distraída, fitei o emaranhado de árvores e arbustos que estavam alguns metros à nossa frente e quase dei um salto no banco quando a vegetação começou a se mover.

—Bruno? — gritei, temendo que algum animal perigoso saísse dali.

Segundos depois, as folhas mais altas das acácias foram empurradas por um longo pescoço amarelado com manchas marrons e relaxei visivelmente ao perceber que o movimento incomum foi causado por uma girafa. Ela saiu da vegetação, caminhando tranquilamente em direção ao jeep e até parou para comer as folhas mais altas da árvore onde Bruno estava.

Observei com diversão quando o homem saiu de trás do tronco, boquiaberto com a presença do animal. Por sorte, as girafas não eram animais agressivos, então Bruno não corria perigo. De onde estava, ele fez sinal para que eu permanecesse dentro do carro no instante em que a girafa começou a se mover até o veículo.

Senti um frio na barriga quando o animal esticou seu longo pescoço para me espiar através do para-brisas e levou um segundo para que a girafa desse a volta e enfiasse a cabeça pelo vidro da janela que estava aberta no lado do motorista. Arquejei involuntariamente com a surpresa, mas logo criei coragem para esticar meu braço e tocar o focinho do animal. Seu pelo tinha uma textura macia, exceto pelas pequenas barbichas que me espetaram quando coloquei a mão em seu queixo.

Acariciei o animal por alguns instantes, maravilhada com aquela experiência, mas a girafa logo se afastou e retirou a cabeça de dentro do carro. Ela farejou o capô do jeep por alguns segundos e então caminhou na direção do pasto onde os outros animais estavam. Meu coração palpitava com a emoção que senti ao ficar tão perto daquele mamífero de pescoço longo. Eu mal podia esperar para ter esse tipo de experiência novamente e apesar do início conturbado que eu tive com o meu professor, eu me sentia animada pelas experiências memoráveis que este curso poderia me proporcionar.

—Você está bem? — Bruno perguntou quando entrou no carro. Havia um pequeno traço de preocupação em seu olhar.

—Estou — respondi com um sorriso no rosto, ainda me sentia maravilhada pelo que aconteceu.

—Ótimo, vamos embora. — Ele encaixou a chave na ignição e o motor do jeep ganhou vida.

—Pensei que ficaríamos aqui até o pôr do sol — protestei.

—Não prestou atenção no que eu disse mais cedo? Daqui a pouco será a hora da caça e você ainda não está pronta para ficar perto de predadores famintos. Amanhã prosseguiremos com o curso. — O homem fechou o vidro da sua janela e apertou um botão no painel do carro para ligar o ar-condicionado.

—Eu queria ver os leões — admiti e observei o ambiente tranquilo que havia ao nosso redor. Era difícil imaginar que a qualquer momento sairia algum predador dos arbustos para procurar comida naquele pasto ressecado.

Bruno desligou o carro e me encarou por alguns segundos.

—Leões seriam perigosos demais para você. — Havia certa ironia em sua voz.

—Eu não sou fraca, Bruno. — Franzi o cenho e encarei o sujeito — Eu quero trabalhar com esses animais, meu sonho desde a infância é ajudar a preservar espécies em extinção, principalmente os leões. — Fechei o vidro da minha janela para que o ar gelasse mais rápido. — E não cabe a você decidir com que tipo de animal irei lidar.

A expressão carrancuda do homem se suavizou.

—Não estou decidindo com o que você irá trabalhar, é a sua segurança que me preocupa. Leões são perigosos, Aina, não é preciso ter um diploma para saber disso. — Ele observou uma gazela solitária que pastava próxima do carro. — Só ficará frente a frente com esses animais, quando eu tiver certeza que realmente está pronta para isso.

—Mas...

—Porra! — Bruno gritou enquanto olhava para a janela ao meu lado.

Virei meu rosto a tempo de ver um guepardo bater sua enorme pata no vidro e arranhar o material com as garras.

—Ah! — gritei e me encolhi, instintivamente.

O guepardo rugiu e voltou a arranhar o vidro. Por sorte, minha janela estava fechada, mas era assustador ver um animal daquele tamanho tentando me devorar. Suas presas eram amarelas e enormes. Estremeci com o pensamento de que não teria a menor chance contra aquele bicho se eu estivesse do lado de fora.

—O carro não quer ligar! — Bruno se exaltou, o desespero estava nítido em sua voz.

Merda. E agora?  Eu não quero morrer hoje!

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