Capítulo 5

Aina

Ficamos em silêncio pelo resto da viagem, até que o jeep entrou em uma estrada repleta de acácias com folhas ressecadas pelo calor do verão. Assim que o veículo se estabilizou, um sol forte atingiu meus olhos e eu precisei protege-los com as mãos. Bruno deu uma breve risada com a minha reação.

—É por isso que estou de óculos — concluiu. — Precisa conseguir um para você.

—Acho que tinha um óculos de sol dentro da minha bolsa — recordei enquanto minhas mãos protegendo o meu rosto da claridade. — Por falar nisso, o que fez com as minhas roupas?

—Pendurei no varal atrás da casa para que pudessem secar durante o dia.

—Obrigada — deixei escapar. — E por falar em coisas molhadas, acho que meu celular estragou por causa da água. Poderia me emprestar o seu para eu falar com o meu irmão?

—Acho que não tem sinal nessa área do parque, mas eu empresto quando voltarmos para a casa.

Suspirei, me sentindo um pouco aflita. Akin devia estar preocupado com a minha falta de notícias — principalmente depois das trinta ligações que fiz e dos recados que deixei na caixa postal dizendo que eu estava voltando para casa pois o curso era uma farsa. Eu preferia não pensar onde essa história iria terminar caso eu não entrasse em contato logo.

—Bruno, eu não posso esperar até voltarmos para o chalé no fim do dia. Preciso encontrar algum ponto de sinal por aqui.

O homem suspirou e encostou o carro, só então percebi que estávamos em um terreno elevado com vista para uma extensa pradaria onde alguns antílopes pastavam tranquilamente. O sol nascia no horizonte, nos presenteando com um céu alaranjado naquele início de manhã. Era uma linda paisagem.

Eu estava boquiaberta observando o lugar quando Bruno me entregou um celular preto com a parte inferior da tela trincada.

—Boa sorte para encontrar sinal — ele disse e desceu do jeep, desaparecendo do meu campo de visão.

Certo, eu preciso avisar Akin antes que ele vá até a polícia dar queixa sobre o meu desaparecimento. Com aquilo em mente, saí do carro e olhei ao meu redor, tentando encontrar algum ponto mais alto. Bruno estava procurando alguma coisa no porta-malas do veículo então eu comecei a perambular por ali em busca de sinal para fazer minha ligação.

Quando desbloqueei a tela do celular, reprimi uma risada ao ver que o papel de parede era uma selfie de Bruno ao lado de uma zebra que mastigava capim. O homem teve a sorte de tirar a foto no exato momento em que o animal olhou para a câmera.

—Não abra a galeria — ele me alertou, enquanto fechava o porta-malas do carro, pendurando um binóculo marrom em seu pescoço.

—Eu jamais faria isso. — Me virei em sua direção. — Não quero ver um nude seu ou coisa do tipo.

Bruno deu uma gargalhada e caminhou para a frente do jeep. Fiquei surpresa ao ouvir aquele som e meu estômago voltou a borbulhar como na noite passada. Foco, Aina, você precisa ligar para o seu irmão...

Depois de observar as coisas que haviam por ali percebi que o lugar mais alto seria em cima do carro, então me preparei para subir até lá.

—O que pensa que está fazendo? — Bruno perguntou, enquanto eu subia no capô.

—Conseguindo sinal — respondi, enquanto apontava o celular para todas as direções até que surgiu um pequeno ponto. Pulei de alegria e o carro balançou.

—Se quebrar a suspensão do meu jeep, vai ter que pagar — o homem resmungou, enquanto posicionava o binóculo em seu rosto para observar a pradaria.

—Shh... eu vou fazer a ligação — Me sentindo ansiosa, digitei rapidamente o número do meu irmão e torci para que ele já estivesse acordado. Precisei deixar o meu braço levantado para que o sinal não caísse, então coloquei o telefone no viva-voz.

—Alô? — Akin atendeu, depois de alguns segundos.

—Akin? Sou eu! — Exclamei.

—Aina? Onde você está? Eu passei a madrugada inteira tentando te ligar... o cara do curso te sequestrou?

Bruno virou seu rosto em minha direção e eu me senti um pouco envergonhada.

—Não, eu estou bem... Na verdade, foi um mal entendido.

—Como assim um mal entendido? Você estava desesperada nas mensagens que deixou.

—Foi o calor do momento — admiti e desviei meu olhar para longe de Bruno que estava prestando atenção na conversa sem ao menos disfarçar. — Acabei fazendo as pazes com o sujeito... eu acho. De qualquer forma, não precisa enviar uma equipe de buscas nem nada parecido.

—Tem certeza, Aina? — Akin parecia preocupado.

—Tenho — suspirei.

—Então você ficará para fazer o curso?

Engoli em seco, enquanto pensava no que dizer. Meus olhos se fixaram em Bruno que me encarava atento, obviamente, também estava esperando pela minha resposta. Desviei minha atenção do homem que me deixava apreensiva e observei o horizonte, onde os animais pastavam e o sol se elevava pelo céu iluminando as regiões mais altas. Eu queria ver aquilo mais de perto, queria conhecer pessoalmente os hábitos dos animais daquela região e aprender a viver no meio deles. Seria como um safari particular com um guia que eu também estava curiosa para conhecer melhor... se ele decidisse se abrir mais, é claro. Quando voltei a encarar Bruno, ele tirou seus óculos e sustentou meu olhar de um jeito tão intenso que fez minhas pernas bambearem. Respirando fundo respondi à pergunta do meu irmão que estava do outro lado da linha:

—Sim — respondi. Bruno arqueou levemente as sobrancelhas e tentou disfarçar um breve sorriso que surgiu em sua boca rosada. — Eu vou fazer o curso.

*****

Depois de me despedir do meu irmão e convencê-lo de que ele não precisava chamar a guarda nacional para me resgatar, Bruno veio em minha direção e estendeu sua mão para mim.

—Ótimo, agora me entregue o celular e desça do carro — exigiu, autoritário.

Suspirei entediada, mas concordei. Segurei sua mão para obter um pequeno apoio e desci do capô.

—Não estendi a mão para ajudá-la, estava esperando que você me entregasse o celular — admitiu.

Ah Deus, por que isso não me surpreende?

—Toma essa merda! — Entreguei o celular de forma rude e caminhei até à beira da colina para admirar a vista.

—Então você vai ficar? Não preciso te levar até a cidade no final do dia?

—Ainda não tenho certeza — cruzei os braços. — Falei aquilo apenas para não preocupar o meu irmão — menti. Na verdade, eu já tinha decidido que iria ficar, mas não queria que Bruno percebesse que cedi tão facilmente.

—O que eu tenho que fazer para você ficar no curso, Aina? — perguntou, relutante.

—Pode começar sendo um pouco mais gentil — sugeri. — Não quero passar os próximos dias ao lado de um homem rude.

—Não sou rude. — Ele cruzou os braços. — Apenas fico de mau humor com muita facilidade.

—Bom, então não desconte o seu mau humor em mim.

Bruno ficou em silêncio por alguns segundos, mas assentiu.

—Vou tentar...

—Isso já é um começo. — Dei de ombros. — Então, o que você pretende me ensinar hoje?

—Ainda estou pensando... — Ele coçou a barba por fazer e uma expressão divertida cruzou o seu rosto. — Vamos descer até a pradaria.

—Sério? Lá em baixo? — Apontei para o lugar de grama verde onde os animais pastavam.

Bruno assentiu e começou a caminhar para a beira da colina.

—Aqui tem um caminho íngreme que os animais usam para descer até lá. — O homem apoiou seu pé esquerdo um pouco mais abaixo, checando se o solo estava firme. — Será mais fácil se você segurar a minha mão.

Engoli em seco quando ele estendeu sua mão para mim. Ganhando coragem, me aproximei da encosta e aceitei a sua ajuda.

Um arrepio involuntário percorreu o meu corpo quando minha mão tocou a sua e percebi com espanto que o mesmo também havia acontecido com Bruno. Os pelinhos arrepiados em seu braço entregavam que ele não estava indiferente com o meu toque. Pensar naquilo me deixou inquieta, mas foi uma boa distração para que eu não me assustasse enquanto descíamos a trilha íngreme de terra e cascalho.

Quando minhas botas de caminhada tocaram a grama verde da pradaria eu suspirei aliviada e Bruno soltou a minha mão rapidamente. Respirei fundo, tentando encontrar o foco.

Agora que eu estava mais próxima dos animais, pude perceber a que espécie eles pertenciam. Seus chifres em formato espiral e as listras brancas verticais sobre a pelagem amarronzada indicavam que eram cudos. Acho que estávamos no território deles, haviam algumas fêmeas pastando na companhia de seus filhotes e machos que exibiam seus chifres espiralados enquanto caminhavam por ali. Eram animais fascinantes.

—Não faça barulho. Os cudos tem uma audição aguçada, mas suponho que já saiba disso, você é zoóloga. — Ele me olhou como se esperasse uma resposta.

Aquilo era um teste para saber se eu realmente falei a verdade sobre a minha formação? Decidida a fazer aquele homem engolir sua própria língua, forneci um manual completo sobre a espécie:

—Um cudo possui a audição sensível por causa das grandes orelhas — comecei. — Também é considerado o segundo maior antílope do mundo, perdendo apenas para o elande-grande. Seus saltos alcançam facilmente os dois metros de altura, eles também são uma das comidas preferidas de hienas e leões...

—Tá bom, já vi que entende do assunto — Bruno me interrompeu. — Estava apenas testando você.

—Para saber se falei a verdade sobre a zoologia?

—Sim — respondeu sem reservas. — Você não aparenta ter a idade que diz, parece uma garota que acabou de terminar o ensino médio.

—Vou levar isso como um elogio.

O vislumbre de um sorriso apareceu no rosto do homem, mas ele logo se recompôs.

—Não faça movimentos bruscos, vamos tentar chegar perto deles — mudou de assunto.

—Não será perigoso?

—Eu faço isso todos os dias — se gabou. — Venha, fique atrás de mim.

Bruno caminhou em passos cautelosos na direção de uma fêmea que estava mais afastada do bando. Eu o segui, pisando na ponta dos pés e evitando fazer barulho. Em pouco tempo estávamos há alguns centímetros de distância do animal, o antílope notou a nossa presença, mas não recuou, parecia até que já estava acostumado com a presença do homem no lugar. Com certeza, aquela não era a primeira vez que Bruno fazia aquilo.

—Me dê a sua mão, Aina.

—Para quê? — perguntei hesitante.

O homem não respondeu. Fui pega de surpresa quando ele segurou minha mão e a guiou lentamente até que tocasse no rosto do animal. Meu coração acelerou e eu não sabia se era pela emoção de estar perto do antílope ou por causa do toque de Bruno em minha pele. De qualquer forma, aquele era um momento único. Nunca toquei um animal livre na natureza, apenas alguns que pertenciam à reservas privadas e em momento de estudo.

Um sorriso se estendeu no meu rosto quando ganhei confiança para acariciar o cudo. Bruno tirou sua mão da minha e observou com uma certa diversão enquanto eu tocava o animal, traçando meu dedo pela linha branca que havia em seu focinho.

—Vou tirar uma foto — ele disse, enquanto colocava a mão no bolso para pegar o celular.

Fui pega de surpresa por aquele momento, mas não recusei. Quando o homem deu o sinal, sorri para a câmera do telefone e segundos depois um flash saiu.

— Pronto — anunciou. — Se quiser resgatar a imagem como lembrança do curso, faço um preço promocional de 150 xelins.

—Está brincando comigo, não está?!

Bruno não disfarçou o sorriso que curvou sua boca e eu relaxei visivelmente.

—Está bem, tenho outra proposta... se decidir que ficará no curso agora, te dou a foto como um brinde.

—O que aconteceu com você? — perguntei, desconfiada com o seu comportamento animado. — Agora está fazendo piadinhas?

—Pediu que eu fosse mais gentil, então estou tentando. — Ele deu de ombros.

Assenti em silêncio. Honestamente, não achei que Bruno cumpriria a sua palavra. Pensar naquilo me fez perceber que ele não era um homem tão frio quanto aparentava. Talvez, estivesse apenas relutante em fazer contato com outras pessoas. — Mas por quê?

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