Capítulo III- Um filho pela liberdade

Eva Sollis

No mero colocar os pés no saguão da residência Müller, olhei em volta, muito por aqui mudou, meus olhos passearam de um lugar a outro, um dia esta casa foi minha, da minha mãe, havia uma familia nela, mas hoje, é um lugar tão desconhecido, nem cheira mais a perfume de alecrim como antes.

Minha mãe desenhou a mão a planta deste lugar, como o meu pai pôde colocar outra aqui dentro em tão pouco tempo após a sua morte? Nem ao menos respeitando a sua memória ao trazer a amante.

— Ei amiga, de quem é essa casa? — O sussurro de Fatima me vez quebrar o elo de recordação que me inundavam, a olhei ao meu lado, assenti. — Sim, é dela, a gente vai pegar a Isa e ir embora logo em seguida. — Sorriu fraco, o alivio em evidência, o piso preto em branco um pouco empoeirado, nunca antes o vir assim, embora sabendo como Ivone é exigente com as empregadas, isso não é da minha conta, pelo menos não mais.

Tudo que me importa aqui é apenas Isabela, a minha filha. — Olha, finalmente apareceu — A mulher de cabelo loiro cortado curto em franjas, numa blusa comprida colorida em tons amarelos e vermelhos de cetim, amarrada a cintura, descendo os degraus da escada também em preto e branco, a sua mão percorrendo o corrimão de madeira, disse animada, ela envelheceu. — ... tão depressa, Eva, diga-me quando se tornou uma mãe tão amorosa assim?— Ivone ironizava, de fato, eu não achava que eles iriam me incomodar algum dia, por isso esqueci o passado.

Lhe observei ao descer, ainda há magoa, há tanto aqui dentro. — Quem é você? — O dedo foi apontado para a minha amiga, que ainda não entendia nada. — Ivone, onde está a minha filha? Qual a graça de trazê-la para cá após anos que eu saí daqui? — Perguntei ansiosa, já era noite, já não suportava mais cada segundo,cada minuto sem ver a minha pequena.

— O quê? — A voz de Fátima ressoou ao meu lado, não me virei para responder. — Negócios minha cara, não se preocupe, a sua diabinha está…— Ivone começou a dizer com paciência vindo até nós duas.

— Quem você está chamando de diaba, sua draga? Eva ela esta falando da Isa?— Assenti olhando a minha madrasta.

Meu corpo estando trêmulo, o meu único intuito é apenas um, ter a minha filha em meus braços, conhecendo Ivone tão bem, presumo que ela deseja que eu perca o equilíbrio, como perdi outras vezes, mas eu queria entender o porque? Quais as razões para fazê-la ir atrás da minha filha, de mim, para vir aqui, onde tanto quiseram que eu saisse.

— Eu não vou deixar essa mulher se referir assim a Isa, Eva!

Rosna Fátima ao meu lado, a maneira preguiçosa que Ivone nos olha, parece ter todo o domínio do mundo, tento entender isso. — Arrumou um cachorrinho de estimação, Eva? O que esperar de você… — Me aproximo da mulher de pé, indo para uma poltrona.

— Ivone, por favor, só quero saber onde está a minha filha? Não temos nada falar, vocês me expulsaram desta família e eu sair, olha, são anos sem pôr os pés aqui nesta cidade,tudo que eu quero é saber da Isa, você me entrega ela e pronto, eu volto para o meu mundo.

Vejo se sentar me avaliando, com dois dedos próximos aos lábios, sorri fraco de repente. — Se dependesse de mim, Eva, nunca mais veria essa sua cara imunda, mas a sua irmã quer lhe ver, na verdade, tem uma proposta para você. — Argumenta entre suspiros, o que me irrita ainda mais, não é apenas ver a sua cara que me faz mal, é estar posição que ela tem, ardilosa, gananciosa, manipuladora, nunca vai mudar?

— Irmã? Que irmã Eva? — Fátima pergunta, me fazendo me arrepender de nunca ter lhe dito nada sobre o meu passado.

— Eu tenho uma irmã gêmea, Fátima! A Ezra. — Seus olhos castanhos se abrem em dúvida e curiosidade. — Tá de brincadeira não é? — Pergunta duvidosa, enquanto eu nego, adoraria que fosse uma brincadeira, uma piada ou um pesadelo, mas não é, sou gêmea.

— Podemos falar sobre isso depois? — Me olha atravessado meio que impaciente. — Tá né, fazer o quê? Já estou aqui. — Olho para Ivone sentada no sofá.

— Continua a mesma Eva? Enganando as pessoas ao seu redor. Querendo extrair o que elas têm de melhor para te dá. Você já disse para ela como conseguiu aquela coisinha? — Suspiro fundo, ela se auto descreve, eu não sou assim.

— Coisinha é a tua mãe, cara de Botox, vem cá ela é tua mãe Eva? — Nego com a cabeça, passo a mão no rosto querendo manter paciência, o que me parece estar ficando cada vez mais distante, essa paciência que cultivei em anos, Ivone tem o dom de tira-la. — Onde está a Ezra? — Pergunto indo em direção a escada. — Ezra? Ezra ?— Subo alguns degraus com pressa enquanto a chamo alto.

— Ela não está! — Ouço a mulher dizer, lhe olho de cima, volto olhando para Ivone, dou meia risada de surto. — Como não está? — Pergunto agoniada. — Onde está a minha filha, desgraçada? — Sinto que a coceira no couro cabeludo começa, passo as unhas sentindo que vou arrancar maços de cabelos com elas.

Vejo o sorriso cínico na sua boca, os dentes curtos amarelos. — Não estando, quer que eu desenhe? — Diz zombeteira.

É impossível manter o controle, avanço em sua direção pegando pelo quimono de cetim levantando gola acima, não me importa se a garguelo, apenas ergo com força, lhe fazendo levantar. — Como não está? Eu quero saber onde está a minha filha? Vadia. — Grito erguendo-a, seus olhos azuis se arregalaram em desespero. — Cadê a minha filha? Não vai falar? — Pergunto em descontrole total.

— Se me matar, não vai saber nada sobre ela. — Diz em sussurro a medida, que esta segura em minhas mãos. — Solta, solta essa ordinária Eva, pelo amor de Deus, primeiro a Isa. — Ouço Fátima dizer, tentando tirá-la das minhas mãos, lhe jogo na poltrona com o ódio fervente nas veias, vejo alisar o seu pescoço com a mão aberta, ajustar as golas do quimono, sinto que tudo isso fora pensando com antecedência. — Seu marido onde está?

De repente para o ato de limpar a sua roupa quando me ouve, olha para mim. — Como? O que disse? — Desde que ele me expulsou daqui, de casa, disse que não faço mais parte desta família, me deserdando, tirando seu sobrenome da minha vida, mandando esquecê-lo como pai, eu não o vejo mais como um, deveria não tê-lo visto desde quando não respeitou a memória da minha mãe, pondo essa mulher aqui dentro.

— Seu marido? Ele está sabendo disso? — Pergunto eufórica, impaciente, visando a direção que antes era o escritório, agora não sei se é ainda. — Seu pai… — Viro-me para olhá-la, séria, Fátima está olhando as fotografias, me olha uma vez ou outra, pelo seu olhar, sei que ela está chateada, com perguntas a fazer.

— Saiu para o banco, estamos tentando um empréstimo. — Sorrio fraco, desde quando os Müller precisam tomar empréstimos? Sempre tiveram excelentes finanças, propriedades, são uma das famílias mais importante na cidade. — Dane-se não quero saber, vai me dizer onde está a Isabela? — Pergunto-lhe encarando diretamente.

— Dormindo, essa praguinha perturbou por duas noites.

Engulo em seco, subo as escadas, a sua procura abrindo a cada porta que surge na minha frente, porta por porta vendo cada quarto, até chegar a um branco, a cama branca de solteiro, a vejo deitada na cama, as lágrimas descem, nunca fiquei tanto tempo longe da minha filha, me aproximo da cama sem medir passos, acaricio e cheiro seus cabelos pretos ainda na trança que fiz a dois dias, agora meio que desfeita, os fios fogem dela.

Cheiro-lhe, beijo mesmo que ela não goste, mas está dormindo, o sono para uma criança é muito importante, mas de espectro autista é ainda mais, se não dormem, ficam agitados, não tem sossego, o cérebro precisa descansar, caso contrário dão crises por que ficam descontrolados, ainda na farda da escola deitada na cama sem coturnos e touca, sem cobertor. Me deito na cama ao seu lado, sem controlar a emoção, lhe abraço.

Vou ao choro. — Oh, meu amor, que dias terríveis, aí Isa que medo eu sentir, minha vida! — Digo em lágrimas, agarrada ao seu corpo frágil, imóvel, até sentir o leve mover dele em mim, a solto devagar para não acordar, deito ao seu lado, permaneço, lhe olhando, acariciando como posso, não sinto quando a noite se vai, e quando o dia chega, o que eu queria eu tenho agora, a minha preciosidade sentada no chão, separando os legos por cores.

Caminho devagar até Isabela, deixando Fátima dormindo na cama pequena para três. — Isa? — Diminui o movimento, parece me ouvir até parar a mão, parece que sentiu minha falta. — Vamos para casa tá? Mamãe vai ler o livro do pequeno príncipe, pode ser? — Volta ao ritmo de montar o brinquedo, até que a porta faz o barulho de abertura, ergo os olhos assustada.

— Bom dia irmã! — Olho para Ezra de pé numa calça preta justa ao corpo, suéter branco, maquiagem de ontem, olhos meios quebrados, cabelos longos soltos, sinais de quem passou a noite fora.

— Qual o propósito disto Ezra? — Pergunto para ela, me olhando de pé na porta, sorri. — Um acordo , um simples acordo. Te devolvo a sua filha, se você fizer o que eu mandar, não acha interessante? — Sorrio, é louca? Não vou fazer isto.

— Não se devolve, nem se dá o que não é seu, Ezra, portanto, não tem acordo, no dia que você ousar tocar na minha filha de no... — Mal deixa dizer quando se aproxima, ergue a mão para tocar a mecha de cabelo de Isabella, retiro a sua mão evitando o toque.

Limpa a mão na calça, um odor nojento vem dela. — Tenho gente me apoiando Eva, desta casa com ela você não sai, até aceitar o que eu quero. — Umedeço meus lábios ao ouvi-la. — O que você quer? — Me arrependo de fazer esta pergunta quando me avalia com uma cara presunçosa que certamente não herdou da minha mãe. — Fiz um acordo matrimonial com um homem bem-sucedido, ele quer um herdeiro, você não acha que eu vou estragar o meu corpo acha? —

Franzo o cenho querendo entender.

— E daí? O que tenho a ver com isso? — Sorri fraco. — Você vai se casar com ele, depois que tiver o herdeiro, eu assumo o lugar. — Dou meia risada, apesar de não fazer barulho, somente estando louca para fazer isso, meu riso morre quando ela apontou com o queixo para a minha filha, a luz vermelha refletindo da janela diretamente na sua cabeça, me desarmou por inteira em mil pedaços.

Agarrei Isa de imediato, tirando-a do lugar, olhei em volta a procura, a luz movia-se na parede, minha filha se debatendo, como um ato defensivo contra quem invade seu espaço.

— O que é isso Ezra? — A mesma bateu uma mão na outra como se limpasse, Isabella querendo sair do meu abraço, por não suportar aproximação. — Solta mamãe. — Reclama querendo sair enquanto tenho medo.

— É fazer o que eu quero, ou já vai descobrir o que é isso irmã. — Não mudou nada em anos, seus olhos negros cintilavam com algo desconhecido, somos irmãs por mãe e pai, apenas isto nada mais, a mulher sem laço de sangue dormindo na cama é mais irmã do que ela.

— Você não teria coragem! — Disse, quando a mesma me olhou diretamente. — Você sabe que eu tenho Eva! — Disse ao voltar pra porta, me olhando, rindo ironizando de tudo.

Seria preciso mais que um dia para saber, essa não seria a única conversa, ela precisaria me explicar mil vezes se fosse preciso. O porque de tudo isso? Por que de tanta maldade? Ivone esta ao seu lado. Embora não entendesse os motivos, o meu motivo ela tem sob ameaça, Isabela.

[...]

As lágrimas desciam perante o espelho, no banheiro do cartório, o que Ezra esta me obrigando a fazer é um crime, sempre soube que me odeia, sempre houve reixas entre irmãs, mas não imaginava que com a minha chegasse a tanto, ela já tinha o que queria, toda a minha herança que mamãe deixou, poderia agora se casar e ser feliz com quem quisesse, porque não me deixa em paz?

Limpei as lágrimas, segui para o salão, um homem num terno preto refinado olhando para tudo olhou–me assim que cheguei, de tons caucasiano, características alemã, seu rosto com uma cicatriz pegando de uma sobrancelha direita passando pelo nariz, indo até a bochecha esquerda, me deu sinais de que é um homem de coragem, com dinheiro, os seus olhos verdes frios fitaram os meus, a aura superior, feio seria o motivo para Esra fugir do casamento?

Nos casamos e somente com alguns olhares dele, eu quis correr, fugir para a minha simples vida, com a minha filha protegê-la, abraça-la e dizer que ia ficar tudo bem, mas na verdade naquele momento as minhas ações a protegiam da minha própria irmã.

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