Capítulo 2

Assim que entrei na padaria, o cheiro do cappuccino preenchia todo o ambiente refrigerado e senti que definitivamente estava no paraíso.

Nas caixas de som acopladas nas paredes de gesso, uma banda de jazz tocava ao fundo, tornando o ambiente agradabilíssimo, além de confortável.

O volume da música, o cheiro dos pães saindo do forno, as tortas na vitrine, as nozes ensacadas, as frutas expostas para serem transformadas em sucos da preferência do cliente e as geladeiras repletas de frios e manteigas, davam requinte ao lugar, assim como o buffet do café da manhã servido em uma extensa mesa colorida que complementava o local de forma majestosa.

Os atendentes eram extremamente simpáticos e afáveis. O bom humor que girava em torno de todos na loja, inclusive dos consumidores que escolhiam seus quitutes, era de dar inveja.

No entanto, direcionei-me para os pães onde uma fila com três pessoas já se formava e passei os olhos rapidamente na geladeira avistando uma coluna somente de bebidas alcóolicas.

— Você pode por favor guardar o meu lugar enquanto eu vou até a geladeira? — pedi para a moça que estava na minha frente que sorriu positivamente.

Saí da fila e peguei no refrigerador uma garrafa pequena de destilado para misturar no café, sentindo olhos julgadores me encararem na mesma hora, mas, não me importei, pois era sábado, eu estava de ressaca e obviamente com disposição para mais um gole.

Voltei para a fila agradecendo a gentil mulher que havia guardado o meu lugar, pois agora tinha pelo menos mais quatro pessoas atrás de mim. Paguei pelos pães e fui direto para o balcão da cafeteria onde uma máquina enorme de café expresso trabalhava sem parar.

O tilintar das xícaras e o aroma que exalava a cada alavanca puxada para moer o grão, impregnava todo o meu ser que seria capaz de permanecer ali dentro para sempre.

Pedi o meu expresso puro para a viagem, enquanto observava algumas pessoas se acomodarem no balcão para desfrutar de suas xícaras cafeinadas, lendo jornais de papel ou revistas de um assunto qualquer.

Enfim, fui para o caixa onde a fila também aumentava gradativamente observando as pessoas que se tratavam com recíproca educação enquanto pagavam por suas mercadorias e, na minha vez, não foi diferente.

A menina que manuseava a caixa registradora com uma habilidade incrível, parecia ter sido treinada para não demorar mais que dois minutos com cada cliente e antes que pudesse perceber, meus pães e minha bebida já estavam embalados.

Agradeci e saí da padaria segurando cuidadosamente em uma das mãos o meu precioso copo de café.

Caminhei novamente para frente do semáforo, afim de refazer todo o percurso de volta até a minha residência. Por coincidência, o sinal estava fechado para os pedestres.

Beberiquei um gole da minha moca que estava escaldante, sem ao menos esperar chegar em casa para saciar a minha vontade e como uma criança travessa, queimei a minha língua enquanto sentia meu estômago urrar de fome.

A sacola pendurada no meu braço esquerdo balançava e tentei pará-la sentindo o quentinho do pão roçar minha perna.

Olhei para o prédio que morava há dois anos e que se escancarava bem a minha frente com sua cor azul como o céu de verão, destacando-se diante de todos os outros, similar a uma daquelas casas que enfeitavam as ruas dos países baixos de Amsterdã, na Holanda, sentindo-me felizarda por morar em um lugar como esse.

Não deixava de forma alguma o aluguel atrasar, mesmo que isso comprometesse a rotina de embebedar-me diariamente, afinal, precisava manter a minha reputação de alcoólatra funcional, já que era o que a maioria das pessoas que me conheciam, dizia.

Além disso, a minha casa estava bem próxima a de meu pai, que obviamente não sabia onde eu me instalara. Ao pensar nisso, meu coração apertou trazendo-me lembranças de todas as brigas, resultado de desavenças que nos separaram por longos dez anos.

De repente, um vento surgira do nada e pareceu me abraçar, envolvendo-me em uma brisa que mais parecia uma maresia, embora, eu tivesse certeza que isso não passava de um delírio do meu coração cheio de saudades, da minha mente repleta de flash e da minha barriga vazia, já que o mar ficava há centenas de quilômetros de distância.

Olhei para o céu novamente e não havia nenhuma nuvem.

Ele estava limpo e brilhante como uma manhã de sábado deve ser, no entanto, uma sensação estranha seguida por um pressentimento indecifrável me envolveu, como se algo no ar tivesse mudado repentinamente à minha volta, alertando-me para algo bem próximo.

Sorri de mim mesma, como se tivesse enlouquecido e quando finalmente o sinal abriu, atravessei.

                                                              ...

De um lado ao outro da rua, a extensão tinha mais ou menos dez metros e no meio da faixa de pedestre meu cérebro me alertou para as chaves de casa.

Certamente, não lembrava de tê-las guardado dentro da sacola, provavelmente esquecendo em cima do balcão do café ou perto da menina da caixa registradora.

Parei abruptamente no meio da rua, aproveitando o sinal fechado e sacudindo a sacola plástica para ouvir o barulho do chaveiro, que foi em vão, pois não houve sinal de que o molho estaria ali dentro.

Rapidamente virei meu corpo na direção oposta, para voltar à padaria sem aceitar que a minha distração provavelmente esfriaria meu café e meus pães.

Foi então que tudo aconteceu muito rápido.

Eu só tive tempo para avistar um carro grande e preto vindo diretamente para cima de mim, sem que eu pudesse fazer absolutamente nada.

                                                                ...

Abri os olhos, percebendo que meus tímpanos estavam tampados e bloqueados para qualquer tipo de som ou ruído e a primeira coisa que vi, foi o azul do céu ainda sem qualquer nuvem branca.

Quando eu era criança, uma das minhas brincadeiras favoritas era ficar com minhas amigas deitada exatamente como estou agora, vendo as figuras que as nuvens formavam.

Ainda consigo ouvir as risadas que duravam horas quando tentávamos decifrar cada imagem que aparecia acima de nós, transformando toda aquela bagunça na melhor fase de nossas vidas. Sem saber que um dia, brincaríamos disso pela última vez antes de crescer.

Hoje, não há nuvens que formem imagens engraçadas ou misteriosas, assim como não há em minha vida alguém para compartilhar tais lembranças.

Fui arrancada de meus devaneios sentindo minha audição voltar gradativamente querendo entender o que havia acontecido.

Certamente, eu estava no chão, deitada de barriga para cima vendo toda a movimentação que acontecia ao meu redor tentando mexer meus braços sem conseguir, além de ter uma ardência nos cotovelos que estavam em contato com o asfalto áspero.

Em uma outra tentativa, mexi os dedos das mãos para saber se ainda segurava a sacola plástica, mas ela não estava mais comigo.

Meus ombros pareciam estar sendo pressionados por uma força que puxava-me para baixo, sem dar a mínima chance de me levantar. Cada parte do meu corpo formigava.

Tentei girar a cabeça vagarosamente e uma dor aguda me fez grunhir um som atípico transformando tudo em pânico. Desesperadamente comecei a girar os olhos para captar o máximo de coisas que podia.

As pessoas rapidamente se aglomeraram para me ver e reconheci alguns rostos de dentro da padaria que minutos antes, estavam na fila bem atrás de mim.

Fechei os olhos, pensando nas últimas coisas que vira.

Eu estava atravessando... Faixa de pedestre.

O sinal estava vermelho...

As chaves foram esquecidas...

A sacola plástica... Meu café... Meus pães... Minha bebida...

Um carro preto...

Abri meus olhos novamente, dessa vez, umedecidos. Eu agora sabia... Tinha sido atropelada.

                                                               ....

Algumas pessoas me olhavam horrorizadas, outras se aproximavam e saíam de perto tapando a boca, fazendo com que eu imaginasse a real condição da qual me encontrava.

Sentia meu corpo latejar, alguns ferimentos arderem, no entanto, estava consciente, o que era um grande alívio e por mais que não conseguisse me mexer, ainda podia ver e ouvir tudo ao meu redor.

Foi então que um burburinho começou a se alastrar como fogo em floresta e ouvi uma mulher ligar para a emergência, enquanto um senhor pedia para que eu não me movesse de jeito nenhum, e ao tentar respondê-lo, senti um gosto de ferro na minha boca dando-me a clara impressão de que cada palavra pronunciada, saía de um maxilar solto.

Balbuciei achando que estava me comunicando, sem me dar conta do sangue que jorrava de dentro do meu corpo para fora.

De repente, avistei um homem ensandecido, com um ferimento na testa correndo em minha direção e se agachando para bem perto de mim.

Quando o olhei, tive a impressão de que o conhecia de algum lugar e acho que o choque do qual encontrava-me, não deixava meu raciocínio coerente.

Continuei a puxar no fundo da minha memória, de onde era aquele rosto conhecido, quando uma onda imensa e avassaladora de recordações das quais lutava para enterrar a minha vida inteira, invadiu-me como um tsunami.

Minha respiração ficou ofegante, meus olhos formaram uma tromba d’água que assim como em uma cachoeira inundou toda a minha alma e na hora eu soube...

Aquele ser humano, que assim como eu, estava em choque, era César... Júlio César, como o grande Imperador.

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