Capítulo Um

Parte 1...

Camila agradeceu ao motorista do táxi após ele lhe dar o troco pela corrida. Estava em frente à clínica veterinária onde faria uma entrevista para um possível emprego.

Um emprego fixo e estável, que lhe daria um salário.

Ela puxou o ar fundo, as mãos trêmulas e começando a suar. Engoliu em seco e desceu do carro devagar, mas de forma firme. Sentiu o vento forte que soprou seu cabelo castanho escuro e segurou na saia do vestido verde que havia escolhido para a entrevista.

Não era nada caro, apenas um vestido solto e com um leve florido no tecido leve e confortável. Desde que tivera o acidente ela evitava usar roupas que a apertassem. Até isso havia mudado em sua vida.

Estava entusiasmada e ao mesmo tempo nervosa. Havia recebido uma chamada de Charlotte Reeves que a avisou que seu filho Mike estaria esperando por ela para uma entrevista de emprego na clínica.

Ficou feliz com isso e tentou controlar o nervosismo. Depois de tudo o que havia passado, seu médico a fez prometer que teria muito cuidado com fortes emoções, fossem elas boas ou ruins.

Uma das sequelas que herdou de seu acidente foi a afasia. Ela tinha sofrido uma forte pancada no lado esquerdo do cérebro e isso a deixou por muito tempo com problemas motores, devido ao encéfalo ter sido atingido e ter sofrido uma hemorragia.

Por mais de um ano ela fez um sério, dolorido e caro tratamento físico com psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólgos para recuperar o que havia perdido. Estava viva, era o que importava.

Não era mais a mesma Camila de antes, mas agora era uma pessoa diferente e melhor. Aprendia a cada dia, mesmo o caminho sendo árduo e longo.

Deu alguns passos lentos na direção da clínica e observou o prédio térreo à sua frente. Estava mais para um hospital de tão grande e branco que era. Achou muito bonita a fachada.

Seu coração disparou e ela respirou fundo duas vezes para se acalmar. Mesmo sendo algo simples, pois ela antes era uma estagiária em uma firma de arquitetura que sonhava com seu próprio escritório, ainda assim era uma coisa nova. E ela tinha que ter cuidado com emoções.

Andou devagar, puxando um pouco a perna direita. Pelo menos hoje ela andava sozinha e podia fazer muito mais coisas do que ao sair do hospital.

Ajeitou a bolsa no ombro, olhando toda a área. A fachada era dividida em duas partes com uma enorme porta no centro, de vidro e ferro, que ia até em cima. De cada lado um vaso alto de cerâmica com flores coloridas.

Na frente um jardim muito verde com uma pequena fonte de um lado e do outro uma árvore frondosa com um banco de cimento dando a volta por seu tronco largo. No meio um caminho de pedra cimentada.

Havia uma grande placa de madeira com o nome da clínica no centro, decorada com flores embaixo. Ela demorou um pouco para ler o nome Clínica Reeves. Essa era uma das sequelas também.

Ela havia perdido a capacidade de compreender e formular a linguagem, o que a deixou com uma forte depressão que a fez precisar da ajuda de um terapeuta especializado nesse tipo de trauma.

A afasia tinha dias bons e dias ruins. Evitar emoções fortes ajudava muito. Quando ela estava em um dia ruim, agora já era capaz de perceber isso e entender que precisava de um tempo seu, quieta.

Nos dias bons ela conseguia ler e até escrever sem muita demora e podia pronunciar palavras mais difíceis sem dificuldade. Teve que reaprender muita coisa e a entender que tinha seus momentos e que isso não deveria deixá-la depressiva.

Após ler a placa ela recordou o que isso significava. A clínica era para grandes e pequenos animais. Ficou parada pensando se deveria continuar ou não, se era mesmo o que queria. Não tinha certeza de que uma pessoa na condição dela pudesse ajudar muito em um lugar como esse.

Charlotte a incentivou muito e a entusiasmou, porém agora que estava ali, ficava em dúvida. Só que agora ela teria que ao menos entrar e falar com o filho de Charlotte, senão ficaria feio de sua parte não aparecer.

Deu alguns passos indecisos na direção da porta e viu três pessoas saírem lá de dentro, sorridentes e fazendo carinho em um cachorro branco que abanava o rabo parecendo feliz.

Ela não sabia que raça seria. Amava animais, mas muitas raças ela não conhecia e às vezes até mesmo esquecia qual era devido seu problema. Não era por não prestar atenção, mas por seu cérebro simplesmente apagar essa informação.

Estar ali já era algo que a fazia ficar um pouco agitada e isso atingia seu equilíbrio emocional. Ela estava acostumada com sua vida do jeito que estava. Não havia grandes surpresas, o que a deixava em um posição um tanto quanto confortável. A parte financeira não era boa.

Sua pensão por invalidez era baixa e ela era obrigada a se virar de outras formas, fazendo vários serviços, geralmente para pessoas conhecidas, que ela sabia, a ajudavam por sentir pena de sua situação.

No começo isso a incomodou muito, mas não hoje em dia, depois de anos de tratamento. Agora compreendia e aceitava que a vida é assim, ela apenas acontece, independente do que você planeja.

Olhando para a clínica ela suspirou imaginando se gostaria de trabalhar ali. Amava animais, mas cuidar deles com a obrigação pesada de não cometer erros era algo que a assustava. Não tinha certeza de que seria capaz de fazer algo assim. Uma coisa é andar com cachorros pequenos que ela já conhecia e outra era cuidar de animais diversos.

Mas, estava ali. E de repente ela apenas falaria com o filho de Charlotte e pronto, não iria para a frente. Era uma responsabilidade muito grande e ela estava acostumada com uma vida diferente, dentro do que agora era sua normalidade. Ainda tinha um longo caminho pela frente até conseguir voltar a ter mais dinâmica na vida.

Tudo bem, ela estava se sentindo sozinha há muito tempo. As horas de seu dia passavam de forma única, onde ela tinha que fazer as coisas de acordo com sua capacidade. Se mantinha ocupada fazendo o que podia e da forma que podia, mas não reclamava. Hoje sua vida estava bem melhor do que a equipe médica a informou anos atrás.

Foi muito difícil, cansativo e dolorido, mas cada dia era um vitória para ela. Tinha dias que se sentia pra baixo, mas no geral ela era positiva sobre sua saúde e seu futuro, só evitava sonhar alto demais.

Ia um passo a cada vez. Era difícil, mas estava conseguindo.

Se conseguisse se manter serena, podia realizar muitas tarefas, se comunicar bem e até mesmo chegava o fim do dia bem ativa. Nos últimos meses ela até estava conseguindo ler pequenos livros de poesia e até romances. Claro que ela repetia a linha mais de uma vez, até pegar a frase completa e conseguir compreender o texto, mas no final era uma vitória.

Desde seu acidente ela não vinha lendo mais, apenas ouvia livros em aplicativos, porque era impossível ler corretamente. Até mesmo para ouvir os áudio livros era complicado antes. Ainda hoje às vezes tinha dificuldade porque se perdia nas palavras.

Então talvez aceitar esse trabalho fosse algo que acabasse lhe causando um prejuízo. Se e havia um se bem grande nesse meio, ela viesse mesmo a trabalhar ali, teria que deixar claro sua dificuldade para que as pessoas não se sentissem obrigadas a aceitá-la.

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