Capítulo 03

À noite havia sido longa. Após a breve comemoração, Dean arrumou algumas malas com o material e roupas necessárias e caiu no sono. Acordou pela manhã com o despertador lhe convidando para mais um dia, um dia este especial e único, o qual ficaria marcado para sempre na sua vida, corpo e alma.

Sentou na beirada da cama e sentiu o cheiro de panquecas e omelete no ar, mal tinha noção de que o costume de acordar e está tudo pronto, logo não faria parte da sua rotina matinal. Vestiu uma camisa e foi-se para o banheiro, se higienizar. Depois, voltou ao quarto e prosseguiu em direção à cozinha, deparando-se com uma mesa farta, o que não era costumeiro.

— O senhor ainda vai me deixar mal acostumado. — Dean disse puxando uma cadeira. — Bom dia, pai.

— Bom dia, filho. Como foi sua noite? Suponho ter sido maravilhosa em todos os aspectos, estou certo?

— Sim, foi uma noite boa. Mal esperava amanhecer para terminar de arrumar os poucos detalhes e, em seguida, ir para Thyssen. — ele falou pegando um pedaço de bolo, proveniente da padaria na esquina. — Falando em Thyssen, o senhor me leva até lá. Talvez não dei tempo de ir à concessionária.

William trouxe uma jarra com suco natural e depositou sobre à mesa.

— Quanto a isso, não vai ser preciso. Você irá para Thyssen, no seu próprio carro. Eu tinha umas economias no banco, e acabei comprando um para você, Dean. 

— Não, tio. Por que fez isso? Esse dinheiro era para o senhor se manter esses tempos.

— É um presente meu, para você. Daqui a pouco o carro chega, e não precisa fazer tempestade em copo d'água, aliás, arrumei um emprego como repórter na rede de televisão de Lessen, ou seja, poderei me garantir rapidamente. — ele deu às boas novas.

— Sério?

— Sério. E outra, o carro nem foi tão caro assim, Dean. Vale menos do que você significa para mim, filho. — William mais uma vez, sendo gentil. — Vai que horas para Thyssen? São quase duas e meia de viagem, não tem que pegar à estrada à noite.

— Tô muito feliz pelo senhor, tio. E, não, vou às duas horas da tarde.

— Menos mal.

Dean riu pela preocupação do tio, mas via pela expressão de William, que o homem estava infeliz, talvez porque não tivesse preparado-se para a despedida. Porém, para Dean, era melhor assim.

As horas passaram-se como minutos. Os minutos deram vez ao segundos e assim sucessivamente. O carro de Dean, chegara no horário marcado. Era um automóvel preto, muito bonito, de última geração, com wifi inativo e teto solar, além de refrigerado. Espaçoso, gigante e aconchegante, tudo que Dean precisava, mas diferente do que William lhe dissera, aquele veículo não foi nem um pouco barato.

Olhando o tio pelo retrovisor, Dean perguntou:

— É um carro caro, tio.

— Dean, por favor. — William o repreendeu. — É um presente meu, apenas aceite.

Ele foi intimado a concordar. 

— Vamos buscar suas coisas, está quase na hora de partir.

Mesmo se fazendo de forte, William Ferraz estava desgastando-se, ainda não sabia como lidaria com à ausência de Dean. Mas Dean, por outro lado, tinha certeza que ele e Lia, logo estariam juntos e comemoraria este feito grandemente.

Dean desceu do carro e acompanhou William de fora, para dentro da casa trazendo os pertences. Alguns pesados, outros nem tanto, e deixou-os no porta malas. Em pé, ao lado da varanda da casa, William sustentou um olhar, este vencido quando Dean avançou e o abraçou forte.

Os dois choraram.

Um porque queria seu sonho realizado. Outro porque desejava ficar mais tempo ao lado do sobrinho, ainda que sete anos tivesse sido tempo suficiente para isso. Mas, William, aprendeu a amar Dean de uma forma única, um amor de pai para filho. Um amor de proteção e, acima de tudo, um amor limpo.

Ao se afastarem, Dean fez questão de secar as lágrimas de seu tio, logo depositando um beijo no rosto de William, segurando firme as mãos dele.

— Vou sentir sua falta, pai.

— É pra me ligar todos os dias, assim que acordar. Me ouviu?

— Ouvi. — disse Dean, sorrindo. — Posso não ligar todos os dias, mas ligarei, pelo menos, uma vez na semana. Sem contar que poderei vir nos finais de semana.

William o abraçou novamente.

— Vai com cuidado, Dean. Qualquer coisa eu vou estar aqui, sempre. Pode contar comigo. 

— Eu sei disso, pai. Sempre soube.

— Oh, Dean... — William continuou o abraçando, ainda mais forte —, já tô com saudade.

— Eu também. Mas agora é hora de ir, pai. Eu odeio despedidas...

— Mas esta não é uma despedida, é um até breve.

William o soltou, soltou para deixá-lo livre. Deixou livre para poder voar sozinho, sem cargas sobre as costas, como Jessica havia o pedido antes de morrer. Então assim o fez. Deixou que Dean Ferraz Salvatore, fosse embora em busca de seus sonhos.

Num último abraço e aperto de mãos, Dean sentiu que a melhor coisa que houvera acontecido consigo após a morte de seus genitores, sem dúvida era o afeto que supria por seu tio, como se ele fosse seu pai. Um pai presente, responsável e alegre. Um homem que dava tudo só para vê-lo feliz. Mas o momento era outro. E quando Dean já estava dentro do carro com o cinto lhe protegendo, aquele metal todo envolta, soube que o destino lhe preparava algo mais agradável.

Ele deu partida e acelerou rumo ao futuro, à sua nova vida. Recomposto, já pegando a avenida que o levaria para fora da cidade de Ashton, Dean percebeu que aquilo não seria tão ruim assim, já que o mundo tinha suas façanhas, mas o tempo era quem compositava alguns destinos.

As árvores verdes, as flores coloridas, o trânsito pacato, logo foi dando lugar a uma arborização diferente. Montanhas, relvas secas e um deserto não tão quente, àquela era à fronteira entre Ashton, ao Leste e Thyssen, ao Oeste. 

A viagem foi longa, principalmente por está sozinho, porém, logo o rádio acabou sendo seu companheiro mais próximo. A cadeia montanhosa ficou para trás, o que separava Ashton de Thyssen, agora era uma enorme ponte construída sob o Rio Gamar, à qual levava para as primeiras moradias de uma metrópole em pleno desenvolvimento.

Cercada por indústrias, com uma população com mais de dois milhões de habitantes, Thyssen era o lugar mais bonito em todo o estado de Lassen. Até o céu era diferente, um pouco mais azulado, talvez pela poluição. Porém, diferente de Ashton, Thyssen possuía mais recursos, mais vitalidade e uma forte economia, um bom lugar para recomeçar.

Depois de haver atravessado a ponte e está finalmente em solo de Thyssen, o silêncio foi dando lugar ao barulho de buzinas, pessoas andando pelas ruas, cartazes com propagandas, e isso era somente o fim da cidade, o começo para quem vinha de Ashton. O centro de Thyssen, era mais lindo, com lojas e campos de futebol, hotéis belíssimos, erguidos em pouco tempo. Uma cidade desesperada com uma população em plena correria.

Ele seguiu viagem até o centro urbano, onde as universidades estavam localizadas, aonde Valenza, estava construída. Chegou, finalmente, ao seu destino. Viu-se, de longe, o prédio com a fechada pintada recentemente, à movimentação do lado de fora e previu que os alunos da faculdade, já chegavam para a primeira semana de aula.

Ele estacionou o carro ao lado de alguns coqueiros e saiu de dentro do automóvel, cruzando à rua de pedras portuguesas até está dentro do enorme Campus. Parecia maior do que quando estivera ali há quase um mês. Valenza, seria agora, sua nova casa. Seu colega de quarto, uma pessoa diferente, mas com quem teria de lidar como lidava com William, seu tio.

Dentro do campus, ele parou para observar o prédio. As paredes intactas, os bancos perfeitamente limpos, o piso um brilho, os alunos menos ofegantes do que a maioria das pessoas lá fora. A construção exalava um esbelto ar puro, detalhadamente e com minuciosidade gigantesca, muito próxima daquelas que só se viam em filmes.

Dean caminhou vagarosamente, cruzando o extenso pátio à procura de alguém que pudesse ajudá-lo. Não muito distante, uma senhora com informe da instituição, parecia dar as boas vindas aos novatos, os veteranos apenas davam boa tarde, ou boa noite, afinal, eram quase seis. Ele, então, dirigiu-se a ela a passos firmes, com um ar sereno.

— Posso ajudá-lo em alguma coisa, jovem? — perguntou a senhora gentilmente.

— Sim. Poderia me dizer onde fica isso? — ele mostrou o comprovante com o número do alojamento, casa, professores e salas. 

A funcionária pegou o papel, colocou os óculos e analisou-o brevemente.

— Oh, sim. Está vendo aquele homem com terno sentado naquele banco?

— Sim.

— Então, é só pegar a esquerda dele, vai chegar até à um jardim e, sucessivamente, atrás da instituição, onde estão os alojamentos. O seu é o da direita, peça informações ao responsável, no caso, me parece que é o Ítalo. Veio sozinho?

— Sim, vim sozinho. 

— Tem carro? 

— Tenho.

— Então o ponha no estacionamento designado apenas aos alunos, assim fica mais fácil colocar suas coisas na casa.

— Obrigado pela recepção, senhora.

Ela assentiu.

Dean fez o mesmo trajeto de volta à rua. O crepúsculo já tomava conta dos céus, e diferente do que era em Ashton, Thyssen tinha um clima complicado, começando pela quantidade de chuva que caía do céu e quebrava sobre o asfalto da cidade. Ele tratou de colocar seu veículo no canto adequado no estacionamento, o qual lhe ofereceram, e retirou duas malas, as mais pesadas. Seguindo as instruções do responsável pelo estacionamento dos alunos, Dean pegou um corredor estreito e foi-se para além dele, chegando ao tal alojamento.

Ele foi no da direita, o qual haviam lhe indicado anteriormente, bateu na recepção e um garoto corpulento e com sinais de acnes, o atendeu.

— Novato? 

— Sim. 

— Cadê seu comprovante?

Dean estendeu o pedaço de papel ao rapaz que analisou e fitou Dean uma vez mais.

— Pode entrar. — ele avisou, entregando o comprovante de inscrição a Dean. — Seu quarto é o 110, é só seguir esse lance de escadas que vai chegar até lá. — indicou o responsável pelo alojamento.

— Obrigado. — Dean agradeceu.

Sem obter respostas, o garoto seguiu as instruções. Se soubesse que o quarto ficava tão acima, jamais teria pedido para morar no quinto andar. Foi mais por sorte, só isso.

Quando chegou ao quinto andar, ficou mais aliviado, a casa dos enumerados com 100, finalmente, estavam estampado nas portas de madeiras. Não precisou ficar conferindo, seguiu o final do corredor e viu o número 110, e bem abaixo, como um convite perene, um: "Sou psicopata". Um frio correu a espinha de Dean, o ar lhe faltou, a garganta amargou o pior.

Mas num ímpeto de força, Dean deu três batidas na porta e aguardou quem estivessem do lado de dentro, lhe recepcionar. O barulho do som, abaixou-se quase no mesmo instante, e segundos depois, viu a maçaneta girando, revelando uma figura grandiosamente incapaz de lhe fazer mal. Ou faria?

— Ei! Você deve ser o Dean, meu colega de quarto, estou certo? — perguntou o rapaz, estendendo a mão em um cumprimento.

— Sim, eu mesmo. — sorriu timidamente.

— Prazer, eu me chamo Luc. — continuou com a mão suspensa.

— O prazer é meu. — Dean apertou-a brevemente, em retribuição.

— Tá, deixa eu te ajudar com essas malas.

Luc, então, as levou para dentro do quarto e deixou-as sobre uma das camas, ainda não usadas.

— Este é seu armário. Não é tão grande, mas acho que cabe suas roupas.

— Não tem problema, se não caber eu dou um jeitinho depois.

— Entendi. Tem opção em camas, ou tanto faz? — perguntou Luc a Dean.

— Tanto faz. Não sou muito detalhista.

Luc riu.

— Bom, bem-vindo. — abriu os braços e se jogou sobre a cama. 

— Obrigado. Vou buscar minhas outras malas.

— Quer ajuda? — Luc se ofereceu para ajudá-lo caso quisesse.

Dean, porém, negou.

— Não. Estas eram as maiores, dou conta das demais.

— Então tá.

Dean conteve-se. Não pensou que o destino colocaria ao seu lado um menino bonito, na verdade, magnífico, e ainda por cima, sem camisa, apenas usando um calção esportivo fino que deixava um volume marcado mais abaixo, além do corpo sarado e braços torneados, como o dele. Seu anfitrião, sem sombra de dúvida, era o pecado em pessoa. Os cabelos loiros num corte baixo, quase raspado, os olhos azuis, a pele bronzeada, muito diferente da sua: branca. Luc tinha um jeito malandro, mas o sorriso desfazia qualquer guerra quando se abria inesperadamente.

Ele buscou o restante das malas no carro e colocou elas sobre a cama, algumas embaixo dela, e preparava-se para arrumar suas roupas no armário, quando, rapidamente, Luc puxou assunto.

— Da onde você vem? Tem cara de ser da cidade de Thirro, estou certo?

Dean sorriu.

— Que te fez pensar que sou de Thirro?

— Sei lá. Os garotos de Thirro são baixos, loiros, brancos como vampiros e super descolados. — ressaltou Luc.

— Eu sou de Ashton City. — Dean revelou. — E lá as pessoas são altas, de maioria morena, poucos loiros, mas eu nasci assim. — dedurou-se.

— Entendi. Vai cursar qual área? 

— Direito. E você, estuda há quantos anos aqui?

— Legal, vou dividir o quarto com um futuro advogado, lembre-me de ser amigável com você, principalmente para que, um dia, me livre de sentenças mortais. Sobre à segunda pergunta, esse é meu terceiro ano, estou estudando economia e administração.

Dean riu, mas Luc parecia está falando à verdade.

Fez-se um breve silêncio, mas a inquietude logo foi rompida.

— Seu cabelo é legal. — elogiou Luc, pegando um livro e folheando. 

— Está dando encima de mim, Luc? 

O garoto sorriu, desdenhoso.

— Não sou veado, Dean. Elogiar não significa querer pegar alguém. 

Dean o encarou sorrindo.

— Todos os caras que já me elogiaram, quiseram passar uma noite comigo.

Luc ergueu uma sobrancelha, incrédulo.

— Você é veado, Dean? 

— Sou. — falou Dean, sem mostrar receio. — Tem alguma coisa contra?

— Não, nenhuma. Só não tenta me usar durante às noites que eu chego bêbado, lúcido e indefeso.

— Fica tranquilo, cara. Primeiro, você não faz meu tipo. Segundo, você é idiota demais, mente pequena e...

— Quer morrer, Dean? Eu mal te conheço. Fecha a matraca e termina de arrumar as tua tralhas e dorme, bem caladinho. — Luc deixou o livro de lado e apagou o abajur. — Boa noite!

— Boa.

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