Capítulo VII

Vincent Maddox não era o que Eleanore estava esperando. Quando o chamaram de Mestre e disseram que ele era o dono da casa, ela havia imaginado um homem velho, que possivelmente teria uma longa e grisalha barba. Mas a realidade estava muito longe de ser essa.

 – Seu cabelo é branco. – Foi a primeira coisa que Eleanore pensou e raciocinou naquele momento.

Vincent pegou uma mecha de seu cabelo e a contemplou, como se tivesse se esquecido desse detalhe sobre sua aparência.

 – Você é muito observadora... – ele fez uma pausa, esperando que ela se apresentasse.

 – Eu sou Eleanore VonBerge, é... – Ela engoliu em seco, já que não havia resquícios de saliva em sua boca. – um prazer, senhor Maddox.

De uma forma bem graciosa, ele se levantou da poltrona, era um homem esguio e tinha um porte elegante, postura reta e impecável. Ele pegou o livro, que havia apoiado no braço da poltrona. Ele não estava sorrindo e a vela pairando perto de sua cabeça projetava sombras sinistras em seu rosto, deformando suas feições.

 – Não precisa me chamar de senhor, pode ser apenas Vince. – Ele semicerrou os olhos para Eleanore – Que eu me lembre, você não estava aqui quando eu deixei o castelo, mas olha só você, na minha sala.  

Um frio percorreu a coluna de Eleanore, fazendo-a estremecer.

 – N-não. É que eu estava... chovia muito e eu só quis um lugar para me abrigar. Não sabia que alguém morava aqui, não tive a intenção de invadir.

Vincent a rodeou, mantendo uma certa distância respeitosa, estudando-a como se ela fosse uma peça decorativa particularmente interessante.

– Você é filha daquele homem mal encarado que tem terras nas montanhas? Albert VonBerge?

Eleanore deu um passo atrás e sentiu o ar sendo arrancado de seus pulmões.

 – V-você conhece meu pai? – ela pôde sentir sua voz soar trêmula.

 – Apenas de vista. – Vincent vasculhou o rosto da garota, como se estivesse buscando compreender os sentimentos dela. – Está com medo, por quê?

 – Eu não quero vê-lo. – ela disse, concisa.

Vincent deu passos calculados na direção de Eleanore, que tinha que erguer o queixo para olhar no rosto dele, já que ele era um tanto mais alto que ela. A vela o seguiu bem de perto, mantendo as sombras macabras em seu rosto.

 – E você veio pra cá? Para esse castelo? Sabe o que dizem dele? Deveria, porque me deu muito trabalho plantar essas histórias pelos vilarejos locais. – Um ínfimo sorriso repuxou o canto de seus lábios, mas foi tão rápido, que Eleanore pensou ter imaginado.

 – Foi você quem disse que o castelo era assombrado? – Eleanore franziu o cenho, confusa – Eu não entendo porquê.

 – A conclusão é simples, querida Eleanore, eu não queria que ninguém viesse pra cá.

Ela recebeu o golpe, recuando para trás mais um passo.  

 – Me perdoe, eu...

 – Me diga, Eleanore, como você entrou aqui? – O rosto de Vincent parecia petrificado, ela não conseguia dizer se ele estava irritado ou não.

 – Por que ficam me perguntando isso? Eu só empurrei a porta e entrei. – Eleanore disse na defensiva, colocando os braços à frente do corpo. Será que ele era agressivo? Ela ficou se perguntando, apreensiva.

Vincent notou o medo de Eleanore e se afastou dela, como que para dar espaço, ou manter uma distância que ela considerasse segura.

 – Amanhã eu explico para você porque você não deveria conseguir entrar, até lá, sugiro que você durma, já é tarde. – Ele passou por ela e Eleanore pôde sentir o estranho aroma de terra molhada que Vincent exalava, lembrando-lhe da tempestade que passou.

 – Espere! – Eleanore se virou na direção dele. Vincent já havia subido sete degraus da escadaria. – Achei que... você quisesse que eu fosse embora.

 – Que tipo de homem expulsaria uma garota de sua casa à noite, Eleanore? – ele perguntou severamente.

 – Não sei que tipo de homem o senhor é. – Ela encolheu os ombros, sem ter conseguido manter as palavras dentro de sua boca.

Vincent comprimiu os lábios, formando uma linha reta em seu rosto.

 – Amanhã conversamos, Eleanore. E já disse para você não me chamar de senhor, eu me sinto velho.

Eleanore espiou pela janela naquela noite em busca da besta que vira, não sabia nem o porquê disso, já que apenas serviria para lhe dar pesadelos. Ainda que não fizesse sentido, ela buscou com os olhos pelos limites da floresta, mas mesmo depois de minutos não encontrou nada.

Não sabia ao certo o que pensar de Vincent Maddox, ele não era o que ela tinha imaginado, pensou que era um homem da idade de seu pai ou mais velho. Parecia bastante jovem para ser dono de um castelo. Mas, pensando bem, poderia ser uma herança de família. Além disso, jamais tinha conhecido alguém que praticava magia e que morava em um castelo com criaturas não humanas, então, era difícil supor qualquer coisa à respeito dele.

Ele não a chamou de “senhorita”, como era o costume, simplesmente disse “Eleanore”, como se eles fossem velhos conhecidos e não pessoas que haviam acabado de se conhecer.

Ficou óbvio que ele não ficou feliz em vê-la ali, assim como June, que parecia não aceitar bem a presença de Eleanore. Ela já sabia que quando o horário fosse aceitável, Vincent provavelmente a colocaria para fora, não sabia se ele seria solidário ao ponto de lhe dar algum mantimento. Pensar sobre isso a deixava inquieta e preocupada. Para onde ela iria? O que iria fazer da vida?

Como não conseguia dormir, decidiu dar uma olhada nos livros que estavam em cima da mesa. O primeiro deles, de capa azul marinha, tinha um título em uma língua que Eleanore não conhecia, mesmo que falasse quatro línguas. Ela o folheou e viu vários símbolos estranhos gravados nas páginas, além de muito texto.

Eleanore pegou o segundo livro, de capa preta e detalhes dourados, deixando o livro estranho de lado. Este tinha um título em inglês e chamava-se “feitiços básicos”. Ela folheou o livro, assim como fizera com o outro e viu pequenos versos, como em uma poesia, mas com intitulações esquisitas como “feitiço para abrir portas”, “feitiço para plantio”, “feitiço para fazer fogo”.

Ela se aprumou na cadeira e deixou o livro aberto na mesa, logo à sua frente. Em seguida, ela seguir as instruções, inspirou profundamente e se concentrou em seu calor corporal, assim como estava no livro. Eleanore colocou as mãos a frente do corpo, os dedos curvados bem separados, quase se encostando. Então, concentrou-se e mentalizou as palavras escritas nas páginas “Ignis. Calor. Lux. Incendium!”.

Não estava mesmo esperando que algo acontecesse, como não aconteceu. Mas ela tentou de novo, porque estava sem sono e não havia mais nada que pudesse fazer.

Sete tentativas depois, Eleanore não havia produzido o fogo que o feitiço prometia.

Ela se recostou contra a cadeira e olhou para as próprias mãos, não sentindo absolutamente nada de diferente, mesmo ao seguir todas as instruções. Como será que Vincent conseguiu enfeitiçar um castelo inteiro?

Eleanore olhou para a lamparina apoiada na mesinha de cabeceira e apontou para ela com o dedo indicador, inspirou fundo e se concentrou no calor de seu corpo. “Incendium!”.

De repente, a pequena chama produzida pela lamparina se expandiu, até não caber mais na cúpula de vidro, que explodiu, enviando estilhaços de vidro por todos os lados. Eleanore se protegeu com os braços, mas sentiu um pequeno corte em sua mão. Ela podia sentir o calor das chamas em sua pele e o forte clarão que feria seus olhos.

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