Capítulo 3. Choque Térmico

O mundo pareceu sumir por alguns segundos.

Após alguns minutos ainda observando aqueles belos olhos esverdeados, sobre o corpo da mesma garota que habitava em meus mais diversos sonhos, ouvi sua voz murmurar:

— Não te ensinaram a olhar por onde anda, princesinha? — Suas feições eram puramente debochadas. Sua voz rouca veio carregada de sarcasmo.

Nossos rostos estavam perigosamente perto, sendo capaz de sentir o ar gélido sair por sua boca. Por míseros segundos, me perdi lentamente no movimento que seus lábios fizeram ao pronunciar tais palavras.

Porém, após sua fala, a garota que ainda permanecia sob mim, segurou fortemente em minha cintura, invertendo nossas posições. Arfei profundamente ao sentir novamente suas mãos gélidas sobre minha pele extremamente quente. Ela segurou firmemente em meus pulsos sobre minha cabeça. Agora, com seu corpo sobre o meu, levantei suavemente minha cabeça, aproximando nossos rostos. Olhei provocativa em sua direção, sussurrando perto do seu ouvido:

— Só não me ensinaram qual o caminho certo, cubo de gelo. — Rebati prontamente, esfregando minhas palmas quentes por seus braços, tentando passar algum calor para aquele corpo gélido. Senti ela estremecer levemente sobre o meu corpo, provavelmente devido ao choque térmico que ocorreu por causa da diferença que havia entre nossas temperaturas. Com isso, senti quando ela afrouxou lentamente o aperto sobre meus pulsos.

E, Com sua repentina distração, me soltei rapidamente das suas mãos que se mantinham em minha cintura. Segurei fortemente sobre seus ombros e rodeei minhas penas em sua cintura, invertendo novamente nossas posições. A mantive no chão, com minhas palmas pressionando seu corpo sob o meu, impedindo-a de sair dali. Sentei-me sobre sua barriga, ouvindo um riso sarcástico sair por seus lábios. Ela se apoiou sobre os cotovelos e levantou suavemente sua cabeça, aproximando ainda mais nossos rostos. Minha respiração falhou miseravelmente. Meus instintos extremamente quentes mandaram eu me afastar rapidamente dela, porém, algo me atraia intensamente em sua direção.

— O caminho errado pode ser perigoso, princesinha do fogo... — Ela sussurrou perto do meu rosto, soprando suavemente no mesmo. Jurei ter visto alguns flocos de neve com seu breve sopro. Por míseros segundos, me perdi no lindo sorriso desenhado em seus lábios, apesar do deboche estampado em seu olhar.

— Você fala como se eu tivesse medo dessa sua estúpida ameaça! — Rebati imediatamente, ouvindo um breve riso escapulir de seus lábios. Após minha fala englobada por um intenso sarcasmo, ela fez nevar sobre nossas cabeças. Seu sorriso maldoso se expandiu gradativamente ao me ver batendo os dentes, tamanho o frio que senti com aquilo, já que a água gelada me enfraquecida miseravelmente. A olhei enraivecida.

Com minha recente irritação, senti meu corpo queimar por inteiro, assustando a garota sob mim. Quando percebi, vi que havia um círculo de fogo nos cercando. Porém, uma voz familiar me tirou daquele transe em que eu me encontrava.

— Elizabeth! — Verônica gritou meu nome, preocupada, por trás daquele enorme fogo provocado por mim.

Senti um toque frio sobre meus pulsos, me acalmando vagarosamente. A garota sob mim me observava minuciosamente, atentamente. Com seu toque gélido sobre meu corpo extremamente quente, o círculo de fogo se desfez rapidamente.

Mãos se fecharam em torno do meu braço, puxando-me para cima e, consequentemente, me tirando de cima daquela garota da qual o nome ainda me era desconhecido. Braços se fecharam em torno da minha cintura, abraçado-me fortemente. Verônica, soube que era ela assim que senti seu perfume. Suspirei aliviada, respondendo imediatamente ao seu abraço.

— Fiquei preocupada, sua maluca! — Verônica disse despreocupadamente após se afastar de mim, mas também pude notar uma certa angústia em sua voz.

— Eu estou bem. — Murmurei constrangida com todo o fogo que produzi no meio do acampamento. Todos os que presenciaram minha falta de controle estavam ali, me observando pasmos, perplexos.

— É, eu também estou bem, obrigada por perguntar! — A garota que estava sob mim há alguns segundos atrás, murmurou debochadamente, olhando para a Verônica ao meu lado. Porém, seu olhar sustentou ao meu por míseros segundos, fazendo-me corar instantaneamente perante ao meu total descontrole.

— López, nem te vi aí. — Verônica disse tranquilamente, observando a garota que habitava em meus sonhos.

— López? É seu nome? — Perguntei levemente intrigada. A garota me olhou contrariada, irritada, eu diria.

— É claro que não! López é meu sobrenome, mas a sua querida amiga sabe que eu odeio ser chamada assim. — Verônica soltou um riso de escárnio para a garota à minha frente. Esta, apenas lhe olhou irritada.

— Mas eu acho um sobrenome tão lindo! — Minha querida amiga disse despreocupadamente. Porém, havia um certo sarcasmo em seu olhar, o qual irritou ainda mais aquela bela garota que ainda me era desconhecido seu nome.

— Então, qual seu nome? — Questionei, quebrando aquele clima tenso que havia se instalado ali.

Mas, antes que aquela linda jovem que, por alguma razão habitava em todos os meus sonhos nestes últimos meses fosse capaz de me responder, alguém a interrompeu.

— Aimee! — Uma outra garota gritou seu nome, correndo atrás da mesma.

— O que foi? — A mesma garota que possuía seus cabelos em um perfeito tom de preto, com poucas luzes roxas por seu cabelo e que descobri se chamar Aimee, olhou estranhamente para a jovem que correu ao seu encontro.

— Tem algo errado! — A garota revelou ofegante, provavelmente devido a intensa corrida até chegar ao nosso encontro.

— Tipo o quê? — Desta vez, Verônica se intrometeu no assunto, questionando-a levemente preocupada.

— Algo atravessou a barreira. — Aquela garota revelou alarmada.

— O que? Isso é impossível! — Verônica aumentou gradativamente seu tom de voz, transparecendo sua intensa preocupação seja lá com o que fosse.

— Jura? Diz isso para aquela coisa então! — A jovem que ainda me era desconhecido seu nome, apontou para uma direção, nos mostrando algo que nunca pensei ser capaz de existir.

A pele daquela criatura era completamente esverdeada, porém, o que mais chamava a atenção, com certeza foi o fato de ele possuir apenas um olho. Com seus quase dez metros de altura, aquilo sim era capaz de assustar qualquer um.

— Um ciclope, que ótimo! — Aimee murmurou ao meu lado. Ao observa-la melhor, vi algo descer por seus pulsos, formando uma longa e afiada espada em sua mão. Segurei em seu braço assim que a mesma fez menção de ir atrás daquele monstro.

— Não está pensando em derrota-lo sozinha, né? — Minha voz transpareceu toda minha aflição com aquilo. Mas, por que eu me importava mesmo? Ela era uma idiota de qualquer forma. Porém, algo sempre me puxava em sua direção e, sendo sincera, eu não saberia dizer se aquilo me confortava ou me preocupava. Talvez as duas coisas.

— Não se preocupe, princesa! Sou uma das melhores lutadoras daqui. — Aimme se gabou, irritando-me ainda mais, se isso fosse possível. — Além disso, aposto que, se algo ocorrer com a minha pessoa, seu namorado ali poderá lhe confortar. — Ela apontou para o Nathan, que estava ao lado do Bryan. Sua voz soou debochada. Algo naquela garota seria capaz de não me irritar? Acho que não.

Porém, antes que eu pudesse lhe responder a altura, ela saiu rapidamente dali, correndo em direção ao monstro. Quando a mesma chegou até a aquela assustadora criatura, sua espada cravou na perna do mesmo, atravessando sua carne e consequentemente, irritando-o ainda mais. O ciclope a jogou violentamente para longe, com um simples movimento de seus dedos.

Minha respiração falhou miseravelmente quando a vi sendo jogada em uma distância de pelo menos vinte metros. Preocupação se apossou do meu coração. Porém, me supreeendi demasiadamente quando, repentinamente, Aimme se recuperou facilmente, planando no ar. Aquilo havia me lembrado do mesmo sonho que sempre tenho com ela.

— Odeio admitir, mas ela é boa! — Verônica murmurou ao meu lado. Balancei distraidamente minha cabeça, concordando com o que ela havia falado. Ela realmente era boa, isso eu não poderia negar.

Aimme voou rapidamente em direção ao ciclope, cravando sua espada no único olho que aquela criatura possuía. Fomos capazes de ouvir seu urro de dor, causando um pequeno tremor sob nossos pés. E com aquele seu último ataque, o ciclope caiu desacordado, morto, eu diria.

Com isso, ela parou de planar lentamente, até estar com seus pés sobre o chão. A grande vitória estava bem estampada em seu rosto, fazendo-me revirar discretamente os olhos. Aquela garota possuía, de fato, uma enorme presunção dentro de si.

Mas, antes que até mesmo eu pudesse comemorar aquela brilhante vitória, minha visão ficou turva, embaçada. Me agarrei a primeira pessoa que estava ao meu lado, segurando-me firme ali. Verônica me olhou levemente assustada. Ela segurou fortemente em minha cintura, mantendo-me de pé, o que naquele momento, parecia impossível.

Verônica, com a ajuda de outra garota que não fui capaz de identificar naquele instante, me colocaram cuidadosamente sobre o chão, sentada. Por mais surpreendedor que fosse, Aimme correu ao meu encontro, ajoelhando-se à minha frente.

— O que ela tem? — Ela questionou... preocupada? Aquilo sim era de fato uma surpresa.

— Não sabemos! — Verônica revelou alarmada, observando-me atentamente.

Porém, para a minha suspresa, ouvi uma voz bem conhecida por mim murmurar em minha mente:

"Se prepare, criança. Tudo está para mudar. Tudo."

Bile subiu por minha garganta, embrulhando meu estômago. E, tão rápido quanto veio, simplesmente se foi. Minha visão havia voltado ao normal, podendo focar nas pessoas ao meu redor. Mas, aquela voz me era demasiadamente conhecida, no entanto, ninguém me vinha à mente. Quem possuiria uma voz tão sombria e incomum? Nenhuma resposta.

— Uhm, tudo bem? — Aimme indagou incerta. Seu olhar mostrava todo o desconforto com aquela simples pergunta. Aquela garota era uma incógnita para mim, e sendo sincera, não sei se algum dia ela deixará de ser.

— Estou bem! — Murmurei, acariciando minha nuca devido a uma forte dor que se alastrou por aquela região. Aquela voz sussurrada ainda permanecia em minha mente, deixando-me confusa.

— Fico feliz em saber que está melhor. Sério, não seria agradável te levar de novo para o hospital. Seria, no mínimo, constrangedor! — Uma voz feminina conhecida por mim murmurou ao meu lado, brincalhona.

— Amy, agora não! — Verônica chamou sua atenção, parecendo irritada.

— Alguém já disse que vocês são muito paranóicas? — A observei minuciosamente. O costumeiro cigarro estava presente em suas mãos, mas pude vê-la melhor sem a capa sobre sua cabeça.

Seus cabelos possuiam uma linda mistura de castanho claro com pequenas mexas roxas por toda sua raíz. Seus olhos eram brilhantes em um lindo tom de roxo, combinando perfeitamente com seus cabelos. Os traços de seu rosto eram finos, um dos mais belos já vistos por mim. Eu poderia afirmar que todos ali possuiam uma beleza rara, sobrenatural, por assim dizer.

— Cuidado para não se apaixonar! — Amy comentou provocativa, tirando-me de meus pensamentos. Ela me observava com uma de suas sobrancelhas arqueadas.

— Acho que já é tarde. — Brinquei, ouvindo sua grave gargalhada. Sorri instantaneamente, negando suavemente com a cabeça.

Ouvi alguém resmungar à minha frente, observando Aimee se levantar rapidamente e sair dali a passos largos. Suspirei, sentindo seu doce aroma. Por que tão difícil?

— É, realmente ela é muito linda. Te entendo! — Verônica comentou sarcasticamente ao meu lado, gargalhando juntamente com a idiota da Amy. Revirei os olhos. Idiotas!

— Eu só não te aconselho a se aproximar muito dela, já que como eu percebi, vocês duas são extremamente o oposto. Literalmente falando. — Amy sussurrou no meu ouvido.

— Isso é verdade! — Verônica concordou prontamente. Bufei visivelmente impaciente.

— Vocês falam como se eu gostasse dela! — Levantei-me rapidamente dali, andando a passos firmes. Porém, ainda pude ouvir um grito da Amy ao longe:

— Só estamos te alertando. — Após isso, ouvi as duas gargalhando intensamente. Revirei os olhos.

Como elas poderiam sequer pensar que sinto algo por aquela idiota? Seria loucura. No entanto, aqueles olhos esverdeados e aquela voz suave ainda pairavam sobre minha mente, torturando-me. Eu não podia sentir tais coisas, ainda mais por ela. Me era desconhecido o motivo, porém, eu sabia. Sabia que, jamais, mesmo sendo talvez a coisa mais difícil já feita durante minha vida, nunca poderíamos ficar juntas. Eu sentia isso, de alguma forma.

Abaixei levemente minha cabeça, embrenhando meus cabelos por entre meus dedos. Estava tão perdida em pensamentos que não vi quando alguém passou ao meu lado, esbarrando fortemente em meu ombro. Acariciei levemente o local, sentindo-o latejar violentamente.

Levantei imediatamente minha cabeça, desempenhada a xingar a pessoa idiota que havia, de certa forma, me machucado. Porém, me surpreendi ao ver o Nathan à minha frente. Ele estava perdidamente lindo naquele momento. Seus cabelos loiros caíam perfeitamente sobre sua testa, tão brilhante quanto a luz solar vivenciada todos os dias por mim. Seus olhos, azuis como o mar, olharam atentamente em minha direção. Suspirei pesadamente. Por que eu não poderia simplesmente me interessar por alguém como ele? Seria tudo tão mais fácil.

— Tudo bem? — Ele questionou com um lindo sorriso desenhado em seus lábios. Já era a segunda pessoa que me perguntava isso, mas eu não saberia dizer qual seria a resposta certa.

— Estou ótima! — Respondi seca, grossa. Massageei minha nuca, sentindo-a latejar.

— Espero que não esteja pertubando ela, Nathan! — Fechei meus olhos, não desejando que fosse quem eu imaginava. Aquela voz... era de fato inconfundível. Respirei fundo, olhando a garota à minha frente, a mesma que possuía uma beleza jamais vista por mim. Por que tão... linda?

— Acho mais fácil você pertubar ela, idiota. — Nathan retrucou imediatamente, fazendo uma carranca surgir no rosto de Aimme. Ela o olhou com desdém.

— Talvez você devesse...

— Calem a boca! — Elevei minha voz, os interrompendo daquela briguinha boba. Eles me observaram assustados. Pouco me importei.

— Quanto mau humor. — Aimme sussurrou debochadamente. Caminhei até estar ao seu lado, esbarrando propositalmente em seu ombro.

— Vai se foder! — Murmurei logo em seguida, passando pela mesma.

Caminhei por aquele extenso corredor da enorme casa que encontrava-se no mesmo terreno daquele acampamento. Haviam diversos corredores, capazes de fazer qualquer um se perder por ali. Olhei para os lados, procurando qualquer lugar para me esconder.

Até que, no corredor a esquerda, vi uma linda e enorme porta de madeira, o que me chamou bastante a atenção. Andei vagarosamente, até parar de frente para aquela bela porta. Dedilhei meus dedos pela madeira, empurrando-a suavemente. Fiz uma breve careta quando a mesma produziu um leve ruído. Olhei para os lados, mas ao meu ver, ninguém havia percebido aquele pequeno barulho. Suspirei aliviada. Tudo que eu menos queria naquele momento era alguém ali para me pertubar.

Me surpreendi completamente ao me deparar com uma gigantesca biblioteca que encontrava-se naquela casa, ou melhor dizendo, mansão. Sorri com o que vi.

Andando melhor por aquele vasto caminho, um livro havia prendido totalmente a minha atenção. Ele chamava-se: "Os mistérios desvendados sobre um paraíso inexistente." Aquele título com certeza prenderia a atenção de qualquer um que cruzasse seu caminho. O peguei suavemente em minhas mãos, sentindo a capa grossa sob minhas palmas, observando atentamente pequenos detalhes em dourado que haviam nele, o que o tornava diferente de todos os outros livros presentes ali.

Após pegá-lo com todo o cuidado, me sentei na primeira cadeira que vi na minha frente, colocando-o sobre a mesa. O abri lentamente, folheando cuidadosamente as páginas. Estavam, de certa forma, desgastadas pelo tempo. Uma frase logo na primeira página havia chamado minha atenção. Estava claramente escrito, em letras definidas e graúdas, "Livro dedicado ao senhor do tempo." Franzi o cenho.

Senhor do tempo? Apesar de ter a consciência sobre alguns assuntos em relação a aquele novo mundo em que eu me encontrava, não me recordava de quem seria o senhor do tempo. Com a curiosidade correndo por minhas veias, folheei cuidadosamente as páginas, lendo cada palavra ali escrita.

De acordo com aquele livro desgastado pelo tempo, o senhor do tempo se referia a um dos três maiores deuses. Seu nome, pelo que vi, era Hades, o que apenas conseguiu me confundir. Não era do meu conhecimento que ele possuía este outro nome. Eu já havia sonhado com o mesmo, assim como com aquele casal que, por alguma razão, me eram estranhamente familiares. E, apenas em ler seu nome, trouxeram-me algumas lembranças perdidas por mim com o decorrer dos anos. Mas, principalmente em relação ao meu pai. O que aquilo significaria? Se é que significaria algo.

Passei tanto tempo lendo cada linha presente naquele livro que, voltei para a realidade apenas quando ouvi alguém abrir abruptamente a porta daquela bela biblioteca. Verônica me procurava desesperamente com o olhar, até finalmente me encontrar. Observei sua respiração aliviada ao me ver.

Ela caminhou apressadamente em minha direção, olhando-me cautelosamente. Estranhei seu comportamento, mas nada disse quando ela se sentou na cadeira à minha frente.

— Te procurei em todo lugar. Não deveria estar aqui! — Verônica disse ofegante.

— Esse livro aqui é incrível. — Comentei entusiasmada, dedilhando meus dedos por aquelas páginas desgastadas.

— Não deveria estar aqui, Eliza! — Ela murmurou cautelosamente, olhando atentamente para os lados.

— E por que não? — Indaguei, estranhando sua reação.

— Digamos que esse lugar não é possível ser visto por todos, apenas por aqueles que...

— Por aqueles que o que? — Questionei estranhamente quando ela não foi capaz de terminar aquela estranha fala. Verônica suspirou fortemente.

— Porque essa biblioteca só é vista por aqueles que possuem algum vínculo com Hades, o deus do submundo! — Sua voz soou cautelosa, olhando em meus olhos. Arqueei uma sobrancelha em sua direção, tentando lhe entender.

Porém, não foi preciso que eu perguntasse para compreender sua fala. Eu possuía um enorme vínculo com Hades, somente pelos sonhos que já tive com o mesmo. Mas, algo me dizia que esse elo era mais forte do que eu desejaria que fosse.

— Eu... Ele é meu pai? — Fiz a pergunta tão temida por mim, recendo um olhar surpreso em minha direção. Talvez aquilo explicasse o motivo de eu ter ido parar naquele lugar. Verônica respirou profundamente, juntamente com um intenso movimento de seus ombros.

— Sim... — Ela sussurrou baixinho, tanto que mal pude ouvi-la. Minha cabeça girou violentamente, fazendo-me fechar os olhos.

Não... Não... Não...

Aquilo era tudo que eu menos desejava naquele momento.

Pelo que minha mãe me contava antigamente, meu pai havia nos abandonado quando eu era apenas uma criança, o que nunca me causou a vontade de conhecê-lo, não me importava se ele fosse um deus ou apenas um humano qualquer. Meu sentimento não mudaria apesar dos segredos escondidos de mim por tantos anos.

— Isso não importa... — Declarei firmemente, secando uma lágrima que nem percebi estar descendo por meu rosto. Verônica me olhou complacente.

— Eu sinto muito, Eliza! — Fechei fortemente o livro sobre a mesa, tossindo com a enorme quantidade de poeira que soltou do mesmo. Suspirei pesadamente, observando aquela bela capa que havia chamado minha atenção.

Me levantei ainda em silêncio com o livro em meus braços. Parei de frente para a prateleira de onde eu o havia tirado. Dei uma última olhada, colocando-o na estante, me afastando logo em seguida.

— Não se preocupe, Roni. Eu estou bem! — Menti descaradamente, ouvindo seu baixo resmungo. Pouco me importei em saber o que ela havia falado, apenas caminhei para fora daquela biblioteca, sendo seguida por ela.

Ao sair daquele lugar que me fora de grande ajuda em um momento de necessidade, aquela bela porta feita de madeira havia simplesmente desaparecido perante meus olhos, sobrando apenas a parede. Toquei suavemente por aquela região e, com o apenas o roçar de meus dedos, a porta reapareceu magicamente, o que reafirmou minha suspeita sobre ser filha daquele que não era de minha vontade nomear.

— Então, você também é filha dele? — Questionei após alguns segundos em silêncio. Ela me olhou confusa. — Você me disse que apenas uma pessoa que possuí um elo com Hades poderia entrar na biblioteca. Então, você é filha dele? — Tratei de me esclarecer rapidamente.

— Não exatamente... — Estranhei sua voz que soou cautelosa, com um certo ressentimento em suas feições. Me virei totalmente em sua direção, encostando-me na parede atrás de mim. Cruzei meus braços, esperando que ela se explicasse.

— Eu sou um demônio, Elizabeth! — Não pude segurar o riso que me escapuliu, porém, ao olhar em seus olhos, vi uma seriedade jamais vista por mim. Ela não estava falando sério, né? Não seria possível.

— Como assim um demônio? — Ela suspirou pesadamente após meu questionamento. Tive medo de sua resposta, mas nada disse.

— Hades me mandou para te proteger desde o seu nascimento há dezoito anos atrás. Eu sou um demônio, vim do submundo. Por isso consigo entrar na biblioteca, porque querendo ou não, possuo um vínculo forte demais com Hades, que jamais poderá ser quebrado. Esse é um dos motivos de nos entendermos tão bem.

— Espera... — Não conseguia acreditar naquilo que ela me dizia. Isso significaria que, após tantos anos de amizade, Verônica estaria ao meu lado apenas por uma ordem ridícula do meu suposto pai? Não podia ser verdade...

— Eu sei o que deve estar pensando, Eliza, mas não é verdade! Eu estou ao seu lado, não apenas pela ordem que seu pai me deu, mas também por que eu aprendi a gostar de você... Aprendi a amar você. Tem de acreditar em mim. — Ela me implorou com apenas seu olhar, pude ver isso claramente. Mas o que eu deveria fazer? Simplesmente aceitar e perdoar todas suas mentiras? Eu não conseguiria.

— Como eu posso acreditar, Verônica? Como? — Me amaldiçoei mentalmente quando me voz saiu fraca, sensível. Um lágrima solitária escorreu por meu rosto.

— Você tem ideia de como é difícil despertar qualquer sentimento em um demônio? Você conseguiu o impossível, Eliza! Conseguiu fazer eu amar você, como jamais pensei ser possível. Você é minha melhor amiga. Por favor...

— Então eu deveria me sentir especial por isso? — Soltei um riso de escárnio, debochado. Ela olhou-me triste, abaixando levemente sua cabeça.

— Você já é especial desde o seu nascimento! — Verônica sussurrou tristemente.

— Eu preciso de um tempo sozinha. — Anunciei pensativa, vendo seu olhar recair sobre mim. Suspirei. — Não se preocupe! Ficarei bem, Roni. — A chamei pelo apelido criado por mim à alguns anos, arrancando um breve sorriso seu. Sorri tranquilamente em sua direção.

Passei por ela, caminhando por um caminho ainda desconhecido por mim. Naquele momento, eu desejava ir para o mais longe dali. Com esse pensamento, subi lentamente as diversas escadas que encontravam-se naquela mansão. Eram tantas que, em um determinado momento, parei no meio delas e respirei profundamente, recuperando o fôlego perdido por mim.

Como faltavam poucas escadas, terminei de subir apressadamente, chegando em um belo terraço. Haviam diversas flores espalhadas pelo mesmo, com um pequeno sofá presente ali. Talvez aquilo significasse que alguém também passasse seu tempo naquele belo lugar.

Quase não acreditei em quem vi sentada na beirada do pequeno muro que havia naquele lindo terraço. Era um muro de, no máximo um metro de altura, facilitando qualquer um de se sentar sobre o mesmo. Por que todo lugar em que eu ia me encontrava com ela? Por que tudo me atraía para mais perto? Por que?

— Não deveria estar aqui, princesinha! — Ouvi Aimme murmurar de onde estava sentada. Gostaria de saber como ela havia descoberto que era eu sem ao menos olhar!?

— Foi o único lugar que encontrei para me esconder. — Sussurrei fracamente, ainda perdida em pensamentos. Me amaldiçoei por isso.

— Pena que esse lugar já está ocupado. — Ela disse sarcasticamente, se virando em minha direção. — Tudo bem? — Estranhei sua pergunta englobada por uma falsa preocupação.

— Tudo ótimo! — Respondi secamente. Me virei rapidamente para ir embora dali, sua presença apenas me fazia pensar em algo indesejável no momento. Porém, antes de chegar até às escadas, ouvi sua voz comentar alto o suficiente para que eu a ouvisse:

— Ande pela sombra, princesinha do verão! — Debochada como sempre. Revirei os olhos, andando sem lhe responder devidamente. Não estava com cabeça para discussões bobas. Como alguém conseguia aguentar ela? Talvez ficar naquele lugar fosse mais difícil do que jamais pensei ser possível.

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