Acerto de contas

Eu estou me sentindo adorável para cacete.

Como se eu tivesse ganhado na loteria, só que invés de dinheiro meu prêmio tinha sido bem maior e mais valioso. Por anos, a sensação de impotência se apoderava de mim por nunca conseguir algo polêmico contra Blake Evans, parecia que ele sabia que eu estaria à espreita esperando a oportunidade de derruba-ló com apenas um golpe e nunca dava bandeira até aquele dia na festa.

E para o azar dele e para minha sorte, lá estava eu à espreita como sempre.

E, embora tivesse razões suficiente para desistir de acabar com ele e sua reputação de merda, meu orgulho ainda persistia como um touro selvagem atrás da presa.

Eu era bastante teimosa e rancorosa quando queria e por mais que se tenha passado anos desde o vexame que ele me fez passar, meu rosto ainda ardia de vergonha toda vez que esbarrava com Gabbie Lucca pelos corredores da Sharky.

Quando eu estava na sétima série, Gabbie era minha paixãozinha platônica de criança, e então resolvi escrever uma cartinha para ele me declarando, só que não contava que fosse ser roubada pelo Evans que fez questão de ler a carta para a sala inteira. A humilhação escorreu por todo o meu corpo me levando para o buraco da vergonha e do vexame, donde passei meses sem conseguir frequentar os mesmos lugares que as pessoas da escola também frequentavam, e de fato, não liguei de Gabbie ter rido e zoado da minha cara ao descobrir que eu tinha um tesão nele, longe disso. Tinha sido até melhor me livrar de um babaca antes de começar algo e me arrepender amargamente no futuro.

O que me deixou puta foi ele.

O diabo de olhos cinzas e sorriso sujo.

Sua boca reproduzindo cada palavra que eu tinha escrito com tanto afeto e dedicação como se fosse os piores palavrões já escritos por alguém.

Ele transformou algo puro e bom em algo nojento e repulsivo.

E desde então, minha sede de vingança tinha emplacado como a força de dez mil homens.

Eu queria humilhá-lo, fazê-lo rastejar até mim, implorando misericórdia em meus pés.

Exatamente como ele tinha feito comigo antes.

Eu seria eternamente lembrada como a garota que foi humilhada por Blake e sua trupe de escrotos pelo resto da minha vida, mas por outro lado, o diabo seria também lembrado como o garoto que estava trepando com Sunny Scott no quarto num meio de uma festa.

Blake, Blake, Blake… o carma é mesmo uma vadia.

— Essa escola está fervendo hoje — Comentou Sadie ao meu lado. Estávamos a caminho da primeira aula do dia e o burburinho que aumentava gradativamente a medida que chegava mais alunos era um deleite para os meus ouvidos.

Dou-lhe um sorriso satisfeito.

— Tudo graças a mim — Indago presunçosa.

— Minha amiga é a melhor detetive do mundo, Scooby e sua turma que se cuidem perto de você.

Dou um empurrão em seu ombro.

— Fala sério, por que as pessoas estão tão impressionadas de ver o Blake trepando com uma garota? — Pergunto, em descrença, vendo dois garotos especularem as posições que Blake e Sunny tinham feito entre quatro paredes.

Sadie empertiga os lábios, ponderando uma resposta.

— O caso não é o Blake e sim a Sunny. A garota faltava usar um hábito*por aí, e de repente temos um vídeo dela cavalgando em cima do Blake.

Dou de ombros, em sinal de indiferença.

— As pessoas sempre subestimando as demais.

Despeço-me de Sadie e vou para minha aula de trigonometria || no prédio C do outro lado da instituição, e no caminho todo a única coisa que escuto é sobre o Blake e o vídeo que se tornou viral em poucas horas, tendo mais de vinte mil visualizações em um curto espaço de tempo, mostrando mais uma vez que o bem sempre vence o mal. Quando entro na sala, a professora Carmack ainda não tinha chegado e os alunos pareciam bastante entretidos em uma discussão interminável sobre as partes íntimas de Blake (nojento) e algumas lideres alegando como adorariam estar no lugar de Sunny Scott.

Argh, repulsivo.

Mackenzie Edwards já estava em sua mesa quando arrastei a cadeira para me sentar ao seu lado, seu olhar estava preso no livro em sua frente bastante entretida para sequer notar minha presença.

— Meus parabéns — Murmura ela, a voz escorrendo sarcasmo.

— Obrigada?

Seus olhos verdes ainda se mantinham sobre o livro, porém os nós de seus dedos estavam esbranquiçadas enquanto apertava a capa do livro com força.

Meu corpo treme de imaginar um pobre livro sendo amassado com tamanha brutalidade.

— Esta feliz por estragar a vida de uma pessoa? — Cuspiu ela, erguendo as íris esmeraldas que exalava-se ódio e fúria.

Arqueio a sobrancelha, surpresa.

— Se você está falando do Blake, pode apostar que sim — Digo com um estalar de língua.

Mackenzie revira os olhos, completamente indignada.

— Você é tão obcecada pelo Blake que não percebe que está fodendo com a vida de outras pessoas — Contragolpeia a menina metida a salvadora da pátria.

Eu não gostava de Mackenzie Edwards menos do que gostava de seus amigos, porém de todos os outros ela era a melhor. Mack, como a chamam, é o oposto de sua melhor amiga, a garota é voltada totalmente para causas ecológicas e humanas, sendo voluntária a sete anos no orfanato daqui de L.A e sua família estava sempre fazendo gordas doações para a igreja local.

E eu duvidava secretamente que ela fosse vegana e contra qualquer tipo de alimentos e vestimentas que tenha algum vestígio de uso animal chegando até a fazer protestos e movimentos na internet.

A garota ganharia fácil fácil uma medalha da ONU por ter bastantes recursos, mas mesmo assim se comover e ajudar os menos beneficiados de coração aberto.

E, embora eu mal abrisse a boca para dirigir alguma palavra a ela, suas palavras cruas e nuas me abalaram sem minha permissão.

Eu? Obcecada pelo diabo?

Sem chances.

— Tá falando de quem? Ou você só tá se roendo de inveja porque queria estar no lugar de sua amiguinha — Alfineto, esbanjado veneno.

Uma risada incrédula escapa de seus lábios.

— As pessoas estão chamando a Sunny de vadia por causa daquele vídeo tosco que você filmou.

Meus olhos se estreitam.

— E ela não é uma?

Mackenzie arregala os olhos, sua boca se abre em um perfeito “o” sem nenhum som. Ela respira fundo, sua boca se mexe em um murmúrio baixo enquanto fecha os olhos com força.

Mackenzie Edwards, a garota perfeita, está furiosa.

Ela suspira e abre os olhos nublados de raiva.

— Sabe o que é mais triste? Ver uma garota chamando a outra de vadia por estar simplesmente vivendo a vida dela. — Murmura ela deslizando pela cadeira e saindo pela porta com um baque alto, atraindo alguns olhares curiosos rumo a minha carteira.

E a realidade me atinge.

Sinto como se tivesse uma pedra entalada na minha garganta e várias formigas pinicando meu estômago enquanto me afundo mais no assento duro e frio, sentindo o remorso embaralhar minha mente como um jogo de dominó.

Eu odeio com todas as minhas forças essa expressão vadia, uma palavra de cinco letras que parece inofensiva, mas com um poder tremendo quando se pronúncia contra alguém. Era tão machista usar adjetivos pejorativos a uma mulher que só está exercendo seu livre arbítrio de fazer o que bem entender sem precisar de autorização de homem algum.

Entretanto o mais triste é ver mulheres chamando outras de vadia e puta, exibindo aos homens que se uma mulher chama a outra assim, eles automaticamente podem também. É triste e nojento e eu tinha feito o mesmo com a Sunny.

Talvez eu não fosse tão diferente do babaca do Blake.

Num momento de euforia, acabei enfiando minha sonoridade no traseiro.

Mulheres todos os dias lutavam por igualdade e liberdade por anos, sofrendo todo o tipo de ameaça e repreensão  e em um momento de puro êxtase, joguei toda a luta delas no vaso e dei descarga.

Eu era uma vergonha para a causa e o pior, não tinha sido Sadie que me deu um puxão de orelha e sim uma completa desconhecida/parceira de mesa que não tinha nenhuma obrigação de mostrar que eu tinha sido uma puta escrota com sua melhor amiga.

Minhas passadas são rápidas e duras sobre o  piso linóleo enquanto corro desesperada em direção à sede do jornal no último prédio da Sharky, localizado do outro lado do setor em que ocorre às aulas, meu coração bate furiosamente contra o meu peito e uma fina camada de suor cobre minha testa e as palmas de minhas mãos quando consigo ver a porta de madeira velha e danificada pelo tempo.

Tinha sido um horror a caminhada até ali, foi como passar pela casa do terror, mas invés de pessoas enfiadas em fantasias e maquiagem, os monstros usavam a verdadeira face sem nenhum disfarce. Blake Evans está sendo endeusado como um deus divino enquanto Sunny Scott está sendo chamada de vagabunda e outros N termos nojentos e machistas.

E tudo tinha sido culpa minha.

— Eu preciso tirar o vídeo do ar — Declaro passando pela porta e jogando minha bolsa sobre minha cadeira.

Ethan pula da cadeira e coloca a mão no peito em forma teatral.

— Jesus, eu poderia estar dando uns amassos com algum cara, sabia? — Reclama, dramático.

— Sem tempo para brincadeira, preciso tirar o vídeo do ar agora.

— E como você vai fazer isso? Sabe que vai ter que falar com a Angie primeiro — Lembra ele.

Aperto minhas têmporas com os dedos.

Angie nunca que tiraria o vídeo do ar, ela me mandou conseguir a maçã e eu trouxe o pé inteiro.

— Tem que me ajudar — Suplico, agarrando as mãos de Ethan em desespero.

— O que você está fazendo? Não era isso que queria? Destruir o Blake.

Nego com a cabeça.

— Não desse jeito, não machucando uma pessoa inocente.

Ethan me encara, incrédulo.

— Você é mesmo a Leah Masen ou uma cópia barata? — Diz em um tom ambíguo.

— Ela é a megera — Reverbera uma voz grossa atrás de nós, causando arrepios pela minha pele. Solto as mãos de Ethan e me viro dando de cara com Blake parado no hall da porta.

Ele está queimando.

Como se tivesse acabado de sair do inferno.

O calor irradiando por toda a sala.

Pronto para me queimar até as cinzas.

— Não sabe bater? — Ladro.

Sua mandíbula esta cerrada enquanto seus punhos se mantém flexionados ao lado do corpo.

Como um leão, pronto para atacar a presa.

— Ser cordial não é a minha especialidade, gata. — Disse hostil, seus olhos acinzentados vão de encontro ao rapaz atrás de mim — Que tal você ir contar quantos armários tem na escola enquanto eu converso com sua amiga?

Ethan engole em seco, mas assente se retirando rapidamente.

Estamos sozinhos, eu e ele.

Completamente sozinhos.

Apenas o diabo e a megera.

Blake permanece no mesmo lugar, seu olhar queimando minha pele com o poder de suas emoções emanando em minha direção.

— Qual é a porra do seu problema? — Questiona, me fuzilando com o olhar.

Dou de ombros.

— Não sei do que está falando — Digo num tom banhado de cinismo.

Mantenha a calma, Leah, relaxe. É só o Blake puto na sua frente querendo te esganar, nada demais, você consegue.

— Ah, você sabe sim. Não minta para mim.

Engulo em seco.

Não adianta mentir mais para ele nessa altura, Blake pode ser tudo, menos imbecil.

— E daí que fui eu? Vai fazer o que?

Blake nada diz, seu olhar sustenta o meu até que ele começa a vir em minha direção, sem desviar suas Iris acinzentadas de mim por sequer um segundo. E de repente, seu corpo está espremendo o meu, ele se arqueia sobre mim fazendo me pular para trás e jogar o peso do meu corpo sobre a mesa atrás de mim com a palma da mão.

Nossos narizes estão a centímetros um do outro, sua respiração bate com leveza contra meu rosto.

— Você vai tirar esse vídeo — Ordena, em uma voz dura — E apagar qualquer cópia.

Seu hálito quente arranha meu rosto. Minha mente grita em alerta máximo para a nossa aproximação.

EMPURRA ELE. Grita meu subconsciente.

Todavia, não consigo.

Estou estática demais para mover um músculo.

— E se eu não quiser? — O desafio.

Seu olhar é feroz e faminto sobre o meu.

— Você não gostará de saber o que farei com você — Sussurra.

Minha boca estremece.

Eu estava encurralada, sem nenhuma saída.

Mas eu não podia ceder, meu orgulho não me deixaria dizer o que ele quer ouvir.

Então, escolhi a alternativa no caso.

Um blefe.

— Eu pago para ver.

Um sorriso amargo se ergue em seu rosto e ele se afasta, finalmente me libertando de suas garras, o calor fervente de seu corpo se esvai no ar a medida que seu corpo se locomove para longe.

— Cuidado Leah. Talvez você não consiga pagar os juros — Diz numa voz ácida.

Ele gira sobre os calcanhares e sai da sala deixando me completamente tonta e sem ar, arrasto meu corpo molengo até a cadeira e enfim posso soltar o ar preso em meus pulmões que nem sabia que estava segurando.

Aperto as mãos com força tentando fazê-las pararem de tremerem.

— Meu Deus, essa sala está pegando fogo — Comenta Ethan, parado no mesmo lugar que estava Blake minutos atrás, ele se abana com a mão como se tivesse um leque imaginário.

Eu cruzei a linha limite e agora estou presa no inferno com o Blake sendo o ceifeiro.

Ergo o olhar.

— Como num jogo de uno, Blake enfiou um +4 pela minha goela.

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