Parte 2

Móretar viu o velho pular em direção daquele lampejo de luz e sem pensar muito bem, saltou, agarrando a perna do idoso no ar e com ele atravessou o portal.

Por um momento era como se estivesse sendo massacrado por apedrejamento. Seu corpo sofria pressões de fora pra dentro e de dentro pra fora, ele não conseguia se mexer. Até que se sentiu completamente entorpecido. Conseguia ver alguns flashes de imagens. Viajava pelo espaço, flutuava por entre luzes de estrelas coloridas em alta velocidade. Tudo ficava escuro, breu total, depois luz intensa. E, então, nenhum dos seus sentidos mais existia.

Começou a ouvir vozes.

- Apagamos a memória dele, devolvemos ele pro seu planeta e pronto. - Dizia uma das vozes.

- Não é tão simples assim, não sabemos como ele sobreviveu, nem se conseguiria sobreviver a um retorno. - Outra voz respondia.

Ele sentia que estava com os olhos abertos, mas não enxergava, queria falar mas não conseguia. Só conseguia escutar. O som das vozes era estranho, às vezes parecia que falavam rápido demais, outras vezes muito lento. Mas entendia o que falavam.

- Eu sabia que essa sua ideia de interferir em um mundo, uma hora ou outra iria acabar mal. Nós não fomos feitos para aparecer para os outros assim. Eu sempre disse que se nós e apenas nós estamos nesse mundo e podemos nos teletransportar, nós e apenas nós podemos ficar invisíveis para os outros seres, existia um motivo pra isso. - Essa era uma terceira voz.

- E qual é esse motivo, Hagar? Quantas centenas de milênios nós já vivemos? Alguém apareceu aqui com respostas? Quantas vezes você caçou um Deus? Quantos falsos deuses? Quantos falsos prometidos? Quantas falsas profecias? - Agora podia reconhecer essa voz, era a voz do idoso a quem agarrou antes de entrar naquele portal.

Sua visão começava a clarear, uma luz muito forte brilhava, ele conseguia piscar, começava a sentir dor, os olhos ardiam.

Os braços começaram a formigar, assim como as pernas em seguida.

- Aparentemente ele está recuperando os sentidos. Não sei porque vocês não usaram alguma magia de cura. - Essa era a primeira voz. Agora muito mais clara pra ele.

- Eu não entendo como alguns de vocês podem ter vivido tanto e serem tão burros. - Dizia, inconformado, quem ele acreditava ser Hagar, pelo que estava acompanhando da conversa - Essa é a primeira vez que um mortal entra num portal. Não sabemos os efeitos que a magia pode ter em alguém que nunca morreu e passou pela viagem universal. Que tal entender primeiro a situação antes de sair usando poderes desnecessariamente?

- A gente fica alguns anos sem se ver, nos vemos rapidamente e ainda assim ninguém muda, não é mesmo? - Uma nova voz desconhecida falava em tom de deboche.

- Alguns anos pra você! Pra mim algumas dezenas. Mais precisamente 99 anos. Sim, meus caros, acompanhei a história de vocês e outras algumas também por 99 anos, o que me inspirou a oferecer algo mais interessante ao próximo guardião do espaço-tempo. Como vocês conseguem ser tão pouco criativos e desinteressantes? - Esse era Hagar. Móretar já reconhecia bem as vozes, mas não entendia nada do que estava acontecendo.

- Grande guardião do espaço-tempo! No seu último ano conseguiu ter alguém que morreu pela primeira vez vindo direto pra cá e em seguida alguém que embarcou num portão pra cá, sem sequer morrer. - Respondeu o autor do deboche.

- Sou o guardião do espaço-tempo que irá cumprir a antiga profecia! - Agora, Hagar estava mais bravo. - Quem trouxe alguém vivo pra cá foi o criador de mundo, ali!

- Afinal, por que você estava conversando com esse mortal? - Perguntou uma das vozes anteriores.

- Porque eu fiz uma promessa ao pai dele, num outro mundo... Era importante pra ele... E ele me ajudou muito, sabem como tenho coração mole... - Respondeu o idoso que começou toda aquela história para Móretar. - Ele queria reunir o rapaz e sua irmã novamente. Essas histórias de sangue, mexem comigo.

Nessa hora Móretar saltou da cama e ficou sentado. Conseguiu balbuciar que queria saber da sua irmã. Que nada mais importava. Era o que a maioria conseguiu entender entre as palavras irmã, saber, importa.

Reparou que eram vários idosos vestindo armaduras estranhas e por trás deles um único garoto que parecia entender menos ainda do que estava acontecendo do que ele próprio.

- Ele acordou! O que faremos agora? - Perguntou um deles.

- Muito fácil, perguntamos a ele o que ele prefere... - Respondeu, Hagar.

- Eu quero saber de tudo! - Móretar respondeu antes de ser questionado.

- Versão resumida pra começar? Você foi trazido pra um planeta que até então apenas 12 pessoas tinham, chegado antes. - Era uma voz feminina que falava, uma mulher alta, cabelos curtos, sua pele era de cor verde claro, olhos também lilás, apesar de esbelta, parecia ter mais idade, uns 60 anos, para o padrão do que Móretar conhecia. Nessa hora, enquanto falava, ela olhou para Hagar, que parecia que a interromperia e se corrigiu - 13 pessoas, se contarmos com o garoto ali, recém chegado. - Falava apontando para um menino, ao fundo, que claramente estava fora do padrão daquele grupo. - Você foi trazido por aquele ser ali, Sir Krakor, que nada mais é do que o criador da vida continua no seu planeta. - Respirou e antes que Móretar pudesse pensar em questionar, recomeçou.

- Todos morremos. O que menos morreu de nós doze, morreu 8 vezes. O que mais morreu, viveu mais de 100 vidas.

- 107, na verdade! - Uma outra voz completou.

- Isso mesmo! Quando morremos pela primeira vez, a essência energética de nosso cérebro se teletransporta para outro planeta e recria de forma orgânica nosso corpo novamente. Nem nós sabemos como ou porque isso acontece. Também não sabemos o que determina pra onde vamos. Sabemos apenas que existe uma evolução. Pela nossa experiência, esse planeta está no nível 6 de evolução, sendo o único planeta que conhecemos nesse nível, o único planeta em que seus habitantes conseguem criar um portal para ir e voltar a outros planetas, o único planeta em que seus habitantes tem poderes inigualáveis e nunca morreram, por mais que tentassem. Em tempos que nossa lembrança mal alcança, onde não tínhamos regras, quando descobrimos o poder da viagem via teletransporte, enviamos Sir Krakor para um planeta onde ele teve sua segunda vida. Lá ele reencontrou sua grande paixão, que ainda não tinha morrido e nos solicitou a experiência de criar uma comunidade em que eles e suas famílias pudessem viver em segurança, sem perseguições, longe dos problemas daquele mundo pouco evoluído, num mundo desabitado. E nós pela primeira e última vez, conscientemente teletransportamos essa comunidade dele, que se transformou no que você conhece hoje como planeta Key. Isso já tem alguns milênios. Os descendentes de Krakor, que tinham poderes, se tornaram o povo de fadas. Seu pai, Raguelar, deveria ter sido rei, vindo, assim como você, da linhagem direta dele, mas abdicou do trono por ter sido o primeiro rei com poderes das sombras que não tinham a luz como base.

Se exilou e foi brutalmente assassinado. Sim, como não é surpresa pra você, a comunidade pacífica, que fazia parte de uma mesma família, se espalhou pelo mundo, se dividiram em clãs, em classes, em raças e fizeram guerras.

Krakor em uma de suas aventuras por outros mundos, encontrou seu pai, lutaram juntos contra um tirano e durante a batalha ele prometeu que voltaria ao seu mundo e contaria a você que sua irmã ainda estava viva e precisava de sua ajuda. Foi um bom resumo? - A mulher estava exultante. - Ah! Vale lembrar que nessa segunda parte, nós já tínhamos criado regras, dentre as quais aparecer para pessoas na primeira vida, não era mais permitido e que para as outras, apenas em último caso, em pouca quantidade e o mais importante, sem afetar significativamente a vida das pessoas?

- E o que vocês poderiam fazer para puni-lo? - Móretar ficou curioso sobre muitas coisas, mas a que botou pra fora foi a última delas.

- Acho que Sir Krakor entendeu já o quanto suas ações têm consequências negativas para ele mesmo. Mas talvez, depois dessa, um tempo sob a supervisão do guardião do espaço tempo seja necessária. - Respondeu outra voz feminina, essa de uma senhora que parecia bem mais velha.

- O teletransporte depende de uma pessoa que controle isso daqui. Esse planeta nunca mais ficou desabitado. Sempre uma pessoa envia o portal para outra, mas nunca pra si mesma. Ele assume o cargo de guardião do espaço-tempo. Hagar é essa pessoa no momento. - Explicou a mulher que tinha contado toda a história até ali.

- Bom, obrigado, mas se minha irmã precisa de ajuda, tenho que voltar logo, então, por favor... - Móretar levantava e se aprontava pra viajar, como se fosse pegar um vôo num Pégaso, o principal meio de transporte de Key.

- Calma, rapaz! O tempo passa diferente aqui também. Anos são meses, dias, horas ou minutos em outros planetas. No caso do seu planeta, o tempo que esteve aqui ainda não completou o primeiro minuto em Key. - Hagar tentava segurar Móretar, que não percebia que dependia de alguém pra sair dali de verdade e tentava passar por todos em direção a algo que parecia uma porta.

Foi aí que ele começou a reparar a sua volta, como todo aquele lugar era incrível. Lembrava muito as casas de seu planeta, mas as coisas beiravam a perfeição. A cama na verdade era uma espécie de colchão flutuante que se moldava ao corpo de quem deitava. As paredes se expandiam ou diminuíam o espaço, de acordo com a ocupação dele. O que seriam móveis, decorações, literalmente se mexiam, mudavam de lugar, escureciam ou brilhavam de acordo com o que a situação indicava destaque ou ocultação.

- Minha sugestão é a de que tentemos ensinar a técnica de localização para ele. Caso ele morra retornando para Key, ele pode nos enviar um sinal e podemos ir atrás dele. - Essa ideia era do próprio Krakor.

- Primeiro, temos um assunto mais urgente que é a profecia. - Falava Hagar, olhando para o garoto do fundo. - Segundo que, para ele chegar a essa técnica precisaria aprender outras tantas e mesmo ele sendo seu descendente e tendo poderes, está na primeira vida e não sabemos se irá conseguir.

- É claro que eu vou conseguir. Não tem nada que vocês possam tentar me ensinar que eu não consiga aprender. - Móretar respondeu confiante na sua habilidade em conseguir assimilar o que lhe era repassado.

- E qual foi a última vez que algum de vocês ensinou algo pra alguém? - Perguntou a mulher mais velha.

- Bom, somos os doze imortais do Éden. Já criamos planetas, já destruímos planetas, já viajamos pela maior parte do universo. Já dominamos todos os elementos, podemos criar matéria, podemos criar energia. Acho que somos capazes de ensinar alguma coisa pra esses rapazes. - Disse um dos homens que ainda não tinha falado, esse maior, mais musculoso.

- Existem alguns detalhes que devemos nos preocupar e que ainda não sabemos. O mortal de primeira vida tem necessidades biológicas essenciais, vindo para cá elas se mantêm as mesmas? Característica que ainda não sabemos também do garoto da profecia... Outra coisa, não podemos teletransportar com ele para outros planetas para usar elementos, temos que criá-los do zero aqui, o que, apesar de sermos quem somos, leva tempo, gasta energia e não garante eficácia com elementos naturais, quando ele for testar em seu mundo. - Ponderou uma nova participante da conversa.

- Vamos fazer assim, os mais habilidosos e rápidos com criação de elementos, Zeon, Juper, Dafa e Arquemis criem as condições próximas aos ambientes que o rapaz pode enfrentar: condições de fogo, água e vento. Krakor, Nerfate, Hertho e Bel usem suas experiências com criações de elementos para desenvolver ingredientes com os quais ele possa ter intimidade, mais comuns aos planetas de nível 1 e 2, que desencadeiem técnicas que possam ajudar a evoluir sua habilidade com energia.

Agah reponha a energia gasta pelos outros.

Coneli vigie o espaço-tempo enquanto tudo fica pronto.

Vaes conte o que puder sobre o universo para ele e eu farei o mesmo com o outro jovem garoto. - Hagar dividiu a equipe sendo a palavra final. Em alguns momentos parecia que era realmente necessário que alguém tomasse as decisões ao final de uma justa troca de opiniões e avaliações sobre algo. Hagar tinha o perfil de um líder, mas não se sabia se tomava a frente das questões por realmente ter essa liderança sob os outros ou se, sendo o tal do guardião do espaço-tempo atual, tinha essa atribuição momentânea. Todos, então, tomaram seus respectivos caminhos, aparentemente empolgados. Uma missão entre eles, em conjunto, parece que não acontecia há algumas Eras.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo