A música

Luke

Reli a letra pela terceira vez e acabei por apagar metade do que havia escrito — pela segunda vez em dez minutos. Nada parecia certo naquilo, e eu já estava cansado de reescrever aquela música, ainda sem um tema certo. Não era fácil ter de preparar uma música nova sem a ajuda de Zach, meu melhor amigo e a pessoa com quem eu tocava nas noites londrinas.

Principalmente quando a única hora que eu tinha disponível para isso era durante meu horário de descanso no meu trabalho, um café badalado no centro da cidade. Aquele não era o trabalho com o qual eu sonhava, mas era o que eu precisava para me manter.

O trabalho que, mesmo não me sustentando, eu realmente amava fazer era quando finalmente saía dali e, junto com meu amigo, ia tocar nas estações do metro.

— Luke, seu horário de almoço ainda não acabou? — Lila, uma das minhas colegas de trabalho, perguntou, se aproximando.

— Ainda não. — Sorri, tentando voltar a prestar a atenção no meu processo de criação.

Apesar de fazermos vários covers, eu preferia sempre ter algo novo e só nosso. Isso porque meu maior sonho era que conseguíssemos ser vistos por alguém de alguma gravadora e que nos fosse dada uma chance de um contrato, então eu sempre estava escrevendo músicas novas e criando melodias únicas para elas.

E também porque era a única coisa que me ajudava a esquecer que a vida não estava como eu realmente desejava que estivesse.

— Vai tocar aonde hoje? — perguntou, me tirando do silêncio que eu precisava para continuar criando, mas tentei disfarçar meu incômodo.

— Vamos tentar perto do parque St. James. Com o verão, a galera está indo mais aos parques, e pensamos que seria uma boa tocar por lá — contei, olhando para o relógio e suspirando por meu horário de almoço já ter chegado ao fim. — Bom, agora se você me dá licença, eu preciso voltar para o trabalho — completei, guardando meu caderno de composições no armário e seguindo em direção ao salão principal do café.

Apesar de não ser meu trabalho favorito, não podia negar que trabalhar ali era divertido, além de ser a minha fonte de renda principal e ter me proporcionado a oportunidade de fazer vários amigos.

Minha chefe, Erin, por exemplo, era um desses amigos que conquistei por ali. Ela me dava todo o apoio no que podia em relação a música, me liberando mais cedo do trabalho por várias vezes, quando precisava tocar em algum lugar, e até mesmo deixando que Zach e eu tocássemos no café para fazermos um extra.

Enquanto me movia entre as mesas, pegando os pedidos dos clientes, não conseguia parar de pensar na letra incompleta em que estava trabalhando mais cedo — e que me prendia por quase dois meses.

Mesmo ela me causando tanta dor de cabeça, a melodia já estava pronta há algum tempo e era uma das minhas favoritas, devo dizer.

— O que você tem, Luke? — Erin perguntou no instante em que me aproximei da bancada, depois de passar o pedido para os baristas.

— Nada de mais, por quê?

— É que você está com as sobrancelhas franzidas, daquele jeito que fica apenas quando está com algum problema — disse, dando de ombros e me encarando novamente, enquanto eu dava um longo suspiro. — O que foi? Teve algum problema com sua mãe novamente?

— Não, não é nada de mais mesmo. É só aquela mesma música que não quer ficar pronta de maneira alguma — contei, sorrindo logo em seguida quando vi os clientes que me chamavam em uma das mesas afastadas.

Fui até a mesa, perto de uma das janelas gigantescas, e peguei o pedido, o entreguei para os baristas, retirando o anterior. Assim que voltei para a bancada, Erin voltou a me perguntar sobre a tal música que estava me dando dor de cabeça.

Como era uma das únicas pessoas ali em quem eu confiava totalmente e que eu sabia que talvez pudesse me ajudar com isso, contei sobre como não conseguia mais escrever uma música, pois a inspiração não surgia.

— O problema é que mesmo não conseguindo escrever nada, não consigo desistir, e a melodia não me deixa em paz. — Suspirei pesadamente. — Não tem sido fácil.

— Talvez você precise descansar um pouco, não acha? Dar um tempo da criação de músicas novas, se concentrar em outras coisas, sei lá... — Erin começou a dizer, tentando me dar uma solução, e eu apenas sorri. Por mais que quisesse fazer aquilo, deixar de lado no caso, eu não conseguia. A música era o que me trazia felicidade, tranquilidade.

Era praticamente o amor da minha vida.

— É, quem sabe? — respondi por fim, não querendo prolongar muito o assunto e desejando voltar a atender os clientes. — Ah, vamos tocar em frente ao parque St. James hoje. Vê se aparece por lá, tenho certeza que Zachery vai adorar — completei, já me afastando. Porém não antes de ver o sorriso tímido que se formou em seus lábios finos, assim como suas bochechas ficando mais vermelhas do que seus cabelos, me causando uma risadinha maldosa.

Erin era totalmente apaixonada por Zach, e ele por ela, mas eu não sei o que acontecia com os dois, que nunca se acertavam, mesmo sendo óbvio para todos que se gostavam. Não que eu pudesse falar alguma coisa, já que eu também não estava muito aberto para um relacionamento — ou que ao menos tivesse alguém que me interessasse suficiente para isso.

A única coisa que me interessava de verdade era a música.

**

Eu me olhei no espelho no meio do corredor, vendo perfeitamente como meus olhos estavam querendo fechar pelo cansaço, mas mesmo depois do dia de trabalho agitado devido ao período do ano, ainda assim estava animado para irmos tocar logo. Como tocaríamos em frente ao parque e mesmo durante a noite estava um pouco abafado, coloquei apenas uma camiseta branca, jeans e meu tênis de sempre, que me ajudava a aguentar as horas em pé.

Pegando meu violão, já devidamente guardado em sua capa, segui para a sala, de onde, segundos depois, escutei Zachery gritar:

— Ei, Luke, cadê meu cabo novo?

Eu e Zach dividíamos um apartamento em Greenwich, já que era o único lugar que poderíamos pagar, quando resolvemos que talvez fosse melhor para o nosso processo de criação de músicas, do que continuar morando cada um com seus pais. Bom, eu pelo menos sabia que seria melhor para mim não continuar morando com a minha mãe. Já Zach resolveu sair da casa dos pais por privacidade. Era um pouco mais fácil conviver apenas com ele, mesmo sendo um bagunceiro de marca maior.

— Deve estar dentro da bagunça que é seu guarda-roupas, amigão.

— Já encontrei! — gritou de novo, aparecendo na sala alguns segundos depois. — E aí, vamos?

— Vamos. — Coloquei meu violão no braço e carreguei uma das caixas de som de que usávamos.

Enquanto abria a porta, Zach terminava de desmontar a segunda estrutura de apoio do microfone e guardá-la em uma bolsa, colocando em seu braço em seguida e me seguindo em direção ao elevador.

Durante todo o caminho de casa até o parque, ficamos conversando sobre qual seria nosso setlist do dia. Já estávamos tocando pela cidade havia pouco mais de um ano, e eu ainda me sentia como se cada vez fosse a primeira, de tão animado que ficava. Ainda mais quando chegávamos ao local, arrumávamos tudo e começávamos a tocar, vendo as pessoas se aproximarem aos poucos com sorrisos nos lábios. Observá-las sussurrar as letras das músicas de artistas que fazíamos covers, baterem palmas depois que terminávamos e contribuírem com nossa arte era o que enchia meu coração de felicidade.

E eu sabia que queria fazer aquilo pelo resto da minha vida.

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