Café

Molly

Um mês se passou desde aquela noite que começou de maneira terrível, mas que terminou de maneira incrível. A noite em que a minha colega de quarto se mostrou uma idiota completa e que conheci Luke.

Muita coisa melhorou depois daquela noite.

Eu finalmente estava me sentindo mais à vontade ali, não ligava mais para a presença de Isla, que também parecia fazer o maior esforço do mundo para me ignorar — e eu não poderia estar mais agradecida por aquilo.

E o melhor de tudo: eu não me sentia mais tão solitária. Agora eu tinha a companhia de Luke quase todo o tempo, fosse por mensagens trocadas durante meu horário de aula, ou nos fins de semana, quando ele e Zach não tocavam. Quando, durante a semana, conseguia sair mais cedo de seu segundo trabalho, ele cumpria o que havia me prometido na noite em que nos conhecemos: era meu guia turístico pela cidade.

Conforme nos aproximávamos mais, eu via que além de ser extremamente talentoso, ele era uma pessoa doce e divertida. Cada momento que passávamos juntos, fosse passeando por um parque, conversando em filas, à espera de nossa comida, ou quando ficávamos em silêncio, apenas apreciando a vista da cidade, da London Eye, era maravilhoso.

Além de contar com Luke, tinha finalmente conseguido quebrar um pouquinho da barreira que havia criado e feito amizade com Elena, a garota que fora extremamente gentil comigo no curso extracurricular antes do início oficial das aulas. Quando não estava com Luke, estava grudada nela, treinando alguns passos que eu não conhecia, fazendo algum trabalho ou apenas assistindo filmes e séries.

Haley e Ashley tinham adorado minha mudança de humor e meu novo amigo e sempre tentavam fazer chamadas de vídeo quando sabiam que eu estaria com Luke. Eu apenas ria, sem graça, quando elas começavam a gritar que queriam ver a cara bonita dele e logo desligava, escutando Luke rir um pouco também.

Porém a única coisa que ele ainda não havia me chamado era para uma apresentação sua e de Zachery — e isso era o que eu mais ansiava em ver. Sim, eu já o havia escutado tocar diversas vezes, mas queria vê-lo cercado de várias pessoas, tão encantadas quanto eu, enquanto ele fazia aquilo que tanto amava.

E parecendo ouvir meus pensamentos, mesmo estando consideravelmente distante de mim, meu celular começou a vibrar no bolso com uma ligação dele.

— Alô?

— Ei, Molly, você está ocupada? — A animação escorria por suas palavras, me deixando curiosa.

— Não, já terminei o que precisava fazer hoje. Por quê? — respondi, entrando em meu quarto, jogando minhas coisas em cima da cama e me jogando nela logo em seguida.

— O que pretende fazer daqui a uma hora e meia? Vai sair com Elena hoje? — indagou, e eu senti um sorriso nascer em meus lábios, enquanto me levantava e mexia em minhas roupas.

— Elena vai receber uma visita dos pais, e eu tinha pensado em ficar em casa, aproveitando o início do final de semana, mas prefiro o que você está aprontando — respondi animadamente, ouvindo sua risadinha do outro lado da linha. — O que faremos hoje? Não vamos fazer nada muito louco, né? Não tenho condições para coisas loucas hoje.

— Prometo que não é nada louco... — começou a falar, enquanto eu terminava de jogar uma roupa quente o suficiente em cima da cama. O outono estava cada vez mais frio, e eu não estava nem um pouco interessada em pegar uma gripe.

— Então aonde vamos?

— Na verdade, eu já estou aqui. — Fiquei confusa com aquela informação, mas o deixei continuar. — Erin liberou que eu e Zach tocássemos aqui no café hoje, e eu queria que você viesse. Aliás, será incrível se você viesse — falou tudo de uma vez, me fazendo sorrir feito uma boba.

E meu coração respondeu também, errando uma batida.

— Claro que eu vou! Me arrumo em dois minutos e pego um metrô para aí, ok?

— Ok. Estarei à sua espera. Até daqui a pouco.

— Até.

**

Com pouco mais de meia hora, eu já estava saindo da estação de metrô e caminhando em direção ao The Big Coffee, o lugar em que Luke trabalhava. Eu me sentia totalmente animada para assisti-lo e para tomar algo quentinho também, afinal a temperatura caía mais e mais conforme as horas passavam.

Assim que avistei o letreiro do café, senti minhas mãos geladas, tamanha a minha ansiedade. Respirando fundo, entrei.

O lugar era charmoso, com mesinhas de aparência antiga distribuídas pelo espaço amplo e claro. O ambiente era decorado com quadros lindinhos, com citações engraçadas sobre café, que eram dignas de estarem no I*******m do Shannon Leto. Sem contar que era um lugar muito bem iluminado, graças às gigantescas janelas e às luzes claras dispostas por todos os cantos.

Eu me sentei em uma das mesas próximas à janela e fui atendida com rapidez enquanto esperava pelo início da apresentação. Procurei por Luke, mas não tive muito êxito. Quando a garçonete que havia me atendido voltou com meu chá e biscoitos, perguntei:

— Você sabe me dizer quando o Luke vai começar a tocar?

A garota arregalou um pouco os imensos olhos castanhos e sorriu, indagando:

— Então você é a famosa Molly? — Sentindo meu rosto queimar de vergonha, apenas assenti. — Prazer, sou Lila. — Estendeu a mão em minha direção, e eu aceitei, apenas sorrindo. — Olha, ele vai ficar muito feliz em saber que você chegou. Aliás, vem, vou te colocar em uma mesa mais próxima — falou, recolocando a xícara com chá e o pratinho de biscoitos em sua bandeja e me guiando para uma mesa, em frente a um pequeno palco improvisado onde estavam dois microfones, violões e banquinhos. — Prontinho.

— Obrigada, Lila — agradeci segundos antes da garota sair de perto e Luke surgir, na companhia de um sorridente Zachery, me parecendo procurar por algo.

Até que ele me viu ali, sentada a pouco mais de cinco passos de distância, e abriu um sorriso gigantesco, fazendo com que o desesperado do meu coração acelerasse feito um louco. O pobre coitado andava fazendo isso a todo momento no último mês; acontecia sempre que Luke estava por perto, e eu me forçava a fingir não entender o que estava acontecendo, principalmente quando o causador do problema sorria e perguntava se estava tudo bem.

Luke acenou em minha direção de maneira descontraída e se sentou no banquinho, pegando o violão, enquanto Zach fazia o mesmo.

— Olá a todos, eu sou Luke, e esse é meu amigo Zach — informou, apontando para o rapaz, que apenas acenou. — Vamos tocar um pouco para vocês, e espero que gostem, mas se não gostarem, reclamem com a gerente. Ela vai dar um bom desconto para vocês — brincou, arrancando risadas de todos, e logo começaram a cantar.

Eu simplesmente não conseguia mais desviar meu olhar da sua direção, nem mesmo para ver a reação das outras pessoas, como eu sempre quis. Estava totalmente hipnotizada por sua voz, presença de palco e, principalmente, pela emoção que  transmitia nas músicas.

As outras pessoas também pareciam hipnotizadas, já que não escutei conversas paralelas durante as músicas, nem mesmo quando estavam batendo palmas vigorosamente ao fim de cada uma delas. Não havia dúvidas que ele tinha nascido para aquilo e merecia crescer nesse meio.

A cada nova música, eu me sentia mais conectada à performance, me permitindo cantar sem realmente emitir qualquer som. Quando eles anunciaram a última música, me senti ainda mais animada. Era Ho Hey, do The Lumineers, uma das minhas favoritas para relaxar e que possuía uma das melhores melodias que eu já havia escutado.

No momento em que o refrão chegou, Luke, que mantinha os olhos fechados durante quase todas as músicas, os abriu e me encarou, cantando com um sorriso fofo:

I belong with you, you belong with me, you’re my sweetheart...[1]

E foi o fim para meu coração. Ele batia com força, e minhas bochechas queimavam enquanto eu sorria como uma boba e notava que talvez eu não conseguisse esconder muito bem o que estava sentindo.

— Obrigado — Luke e Zach falaram ao mesmo tempo, quando a música terminou, e foram aplaudidos por todos. — Tenham um bom final de tarde.

Assim que desceram do palco, Luke veio em minha direção, mexendo nos cabelos de maneira despreocupada e sorrindo largamente.

— Uau — soltei, o abraçando com força. Como minha cabeça ficava na altura de seu coração, tive a oportunidade de ouvir como batia forte enquanto Luke passava os braços em volta da minha cintura, me abraçando de volta. — Você nasceu para isso, Luke. Se em algum momento eu tive alguma dúvida, não tenho mais — completei, o soltando e vendo o sorriso tímido que ele lançava.

— Obrigado, Molly! Você não faz ideia de quão feliz eu estou em saber que você veio — disse, ainda com o lábios curvados para cima, os olhos, iluminados, provavelmente pela felicidade por ter acabado de fazer o que mais amava.

— Se você não tivesse vindo, tenho certeza que meu amigo aqui teria morrido. — Escutei a voz brincalhona de Zach se aproximando e me virei em sua direção, o encontrando com um sorriso enorme nos lábios que deixava seus olhos, de íris verdes, minúsculos. — Como está, Molly?

— Bem, Zach! Estava dando os parabéns ao Luke, vocês estavam incríveis. — Sorri, e assim que terminei de observar Zach dar de ombros, voltei o olhar para um Luke corado de vergonha. Assim, resolvi brincar com ele. — Além de um ótimo artista, é humilde, né, Luke? Que foi, não está acostumado a receber elogios?

Escutei Zach dar uma risadinha maldosa, enquanto Luke ficava ainda mais vermelho, e acabei rindo também, dizendo que estava só brincando com ele. Luke apenas assentiu e me chamou para conhecer sua chefe e amiga, Erin.

A mulher, além de ser bastante gentil e tratar Luke como se fosse um irmão, era linda demais. Os cabelos vermelhos, na altura dos ombros, a pele parecendo ser feita de porcelana, e olhos arredondados, de íris azuis, a tornavam belíssima. Notei em seguida seu nariz delicado e seus lábios cheios, que estavam pintados de um vermelho tão forte, que precisei perguntar onde ela havia comprado o batom.

Outra coisa que percebi foi a maneira como ela olhava para Zachery e como ele devolvia o olhar. Ali tinha coisa, e eu ficaria extremamente feliz em bancar o cupido. Quando o horário de expediente do café acabou, esperei Luke terminar de ajudar Erin a fechar tudo, e depois seguimos todos juntos em direção à estação de metrô. Erin pegou o trem com rapidez, e Zach foi logo em seguida, dizendo que precisava resolver umas coisas e que depois iria para casa.

— Hoje foi incrível, Luke. Acho que tenho mais um lugar favorito na cidade — disse, lhe dando um abraço e observando na pequena tela que o meu trem estava chegando em cinco minutos. — Muito obrigada por me convidar.

— Não precisa agradecer. Como eu te disse, eu estou muito feliz que você tenha vindo. — Luke deu de ombros, ainda sem me soltar. — E quero te fazer mais um convite — continuou, me fazendo levantar a cabeça e lhe lançar um olhar de curiosidade, enquanto ele apenas sorria.

— Qual? — consegui perguntar, mesmo que estivesse um pouco sem ar devido à nossa proximidade e à vontade de louca de beijá-lo que surgiu.

E, por um instante, eu vi a mesma vontade estampar seus olhos castanhos, porém ficou claro pelo som da estação que o meu trem estava chegando, por isso me soltei de Luke, enquanto ele dizia:

— Que tal um encontro? Um de verdade, em um restaurante legal, como você merece.

A surpresa tomou conta de mim enquanto eu sentia o coração extremamente acelerado e os lábios se repuxarem para cima. Como precisava agir rápido, já que o trem estava parando à minha frente, assenti e observei a animação surgir no rosto de Luke, enquanto ele mexia nos cabelos e dizia que me ligaria mais tarde, para combinarmos direitinho. Eu assenti e entrei no trem, ainda aérea, mas animada para que nosso encontro chegasse logo.

As coisas finalmente estavam começando a melhorar.

[1] Eu pertenço a você, você pertence a mim/ Você é minha doce amada

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