Miguel ouviu alguém pigarrear e levantou os olhos de uma revista que pegara para distrair a mente.
Tocou levemente no braço de Joelma.
Esta despertou de imediato.
-O senhor José Carlos já foi operado. As balas foram retiradas e apesar de uma delas ter perfurado o abdômen, não atingiram nenhum órgão vital. A cirurgia foi muito delicada, mas ele resistiu bem. Amanhã ele já deve poder retornar ao hospital da cidade de Folhagem.
-Graças a Deus! Podemos vê-lo doutor?
-Infelizmente não. Ele está agora em observação. Vamos ver como ele reage as primeiras 12 horas.
Dito isto, o médico afastou-se.
-O doutor está certo –tentou consolar Miguel – Ele está muito fraco e precisamos evitar qualquer tipo de emoção. Ele tem que se recuperar. O importante é que o pior já passou.
Joelma assentiu e se jogou em uma cadeira próxima.
-Deve estar sendo difícil pra você também não é?
Miguel sentiu aquele frio na barriga.
-Sim. Muito. – murmur
Porém, antes de ir embora, tinha que obter respostas para algumas questões não respondidas.Quem tentou lhe matar? Por que tentaram lhe matar? Alguém tinha muito que explicar.Miguel nunca fôra violento, mas era um homem de ação. Iria até o fundo para descobrir o que estava acontecendo na outrora pacifica Folhagem.Visitaria o delegado Aníbal assim que saísse do hospital. Na verdade, antes disso, precisava dormir. Talvez algumas horas de sono ajudassem a clarear sua mente que se encontrava congestionada de perguntas.Porém, como dormir frente à tamanha agitação?Como locomover-se atrás de respostas se agora tinha que andar com dois policiais em seus calcanhares a fazer-lhe proteção?Afinal, ele ainda era o principal alvo. O assassino, fosse quem fosse, não mirou em Zeca. O irmão que, heroicamente, jogou-se frente à bala.A lembrança do momento exato do sacrifício do irmão ficara em sua mente como um vulto confuso.Aquele crucial moment
A mãe se mostrou surpresa.Miguel se perguntou se tamanho espanto era por que a pergunta soara absurda ou se era pelo fato dele ter achado estranho tão banal detalhe.-Não sei por que você está me fazendo uma pergunta tão boba.-Ora mãe! Pare com isso. Não sou mais nenhuma criança. Do jeito que Zeca era vaidoso com os cabelos por que ele haveria de agredir seu próprio senso estético raspando a cabeça? Está na cara de que algo está errado e vocês estão me escondendo isso.-O problema não sou eu. Por mim eu tinha te contado, mas Zeca preferiu contar ele mesmo a você.-Contar o que?-Ele ia te dizer naquela manhã em que atiraram em você.Miguel começava a ficar impaciente com toda aquela enrolação de sua mãe.Procurou controlar-se. Sabia que a mãe era assim mesmo: para contar uma história dava voltas e mais voltas. Respirou fundo tentando se acalmar.-Ele ia me dizer o que?-Acho melhor esperar ele acordar pra te contar. Zeca
Miguel sentou-se.De repente estava tudo claro em sua cabeça. Que outro motivo haveria para Zeca, um homem tão vaidoso ter raspado todo o cabelo?-Toda a cidade já sabia, mas mesmo assim seu irmão não queria que nós lhe contássemos. Ele fez todo mundo prometer ficar em silêncio sobre o assunto. Ele queria te contar.Câncer terminal! Era difícil digerir aquela noticia.Mesmo que seu irmão não tivesse sido vítima daquela bala, iria falecer do mesmo jeito.Ao saber da noticia, tudo ficara repentinamente claro. O detalhe que lhe incomodava não era único. Eram vários. Zeca estava pálido e magro.Mais uma vez o remorso tomava conta de seu ser. Estava tão preocupado com seus pensamentos impróprios acerca de Joelma que nem notara a situação do irmão.Sentia-se a pior das criaturas.Em meio ao remorso e a tristeza, um pensamento acenava distante em sua cabeça. Existia um motivo para que Joelma o tenha fascinado de forma tão imediata.Pens
O dia do aniversário do vereador havia finalmente chegado e Miguel ainda não tinha conseguido desco-brir quem era a tal musa inspiradora de Zeca.Não que fosse algo para se estranhar, pois Zeca mudava de idéia o tempo todo sobre a profissão que queria seguir quando adulto e trocava de paixões como trocava de cuecas.Mas sempre era divertido ficar tentando descobrir qual das me-nininhas da cidade era a paixão da vez do irmão.E sempre era fácil descobrir.A garota que Zeca mais cercasse durante a semana era a felizarda.Só que dessa vez, nenhuma das meninas da cidade estava conseguindo atrair a atenção dele.-Isso é muito estranhoMiguel tinha o milenar defeito do excesso de curiosidade. A idéia de não saber quem seria a misteriosa pretendente do ir-mão lhe causava urticárias.Por esse motivo, não desgrudou do irmão durante a festa.Inventando mil desculpas, Miguel fez de tudo para estar ao seu lado quando ele fosse encontrar com
Miguel entrou em disparada no carro e, arrancou cidade adentro.Tão rápidos foram seus atos que, os policiais que o protegiam foram surpreendidos e tiveram que ligar a sirene para fazer com que Miguel reduzisse a velocidade.Não era sua intenção despistar os policiais até por que ele se dirigia a delegacia mesmo.Mas, tanta coisa passava ao mesmo tempo por sua cabeça com tamanha velocidade que acabaram por ditar este ritmo frenético que agora se encontrava.Reduziu a velocidade do carro, mas não a dos seus pensamentos.As peças começavam a se encaixar e a aterradora e surpreen-dente verdade começava a se delinear.Mas a trama era fantástica demais pra alguém acreditar se ele contasse. Além de ainda haver muitas pontas soltas, era preciso conseguir provas que comprovassem aquela sua teoria, pois nem ele mesmo acreditava inteiramente no que estava passan-do por sua cabeça.O curto trajeto até a delegacia parecia se estender por milhares de anos-luz.
O estranho alívio se tornara total escuridão. Por momentos que não podia definir se segundos ou uma eternidade, Zeca permaneceu em paz.Porém, a luz ofuscante e inquietante voltou a desperta-lo de seu sossego.E novamente aquela estranha criatura aparecia para atormentá-lo de seu reconfortante sono.-Ainda não descobriu Zeca?-Não. Ainda não descobri quem é você.-Quem eu sou? Está fazendo a pergunta errada, meu caro.-E qual a pergunta a ser feita?-Quem na verdade eu represento? Ou o quê estou fazendo aqui?-Que diferença isso faz pra mim? Eu nem sei onde é aqui.-Estamos no seu subconsciente, José Carlos.-Olho pra você e só vejo esse clarão cegante de luz.-Pense Zeca. Pense e recorde-se. Eu sou o segredo escondido em sua mente.-Segredo?-Eu sou o motivo de terem atirado no seu irmão.Zeca forçou as vistas para tentar enxergar melhor, mas nada viu.Repentinamente e de forma brusca, as nuve
Não apenas frustrado. Miguel se sentia traído pela omissão de informações por parte de seu irmão.Afinal, todos tinham direito a guardar seus segredos, mas uma coisa boba como contar-lhe quem era aquela menina com a qual Zeca tinha saído durante a festa de aniversário do vereador, era algo que um irmão podia contar ao outro.Afinal, eram gêmeos!Deveria haver uma dose extra de confiança entre eles.E essa de levar a menina na rodoviária sem que ele, ao menos a conhecesse, havia chateado Miguel.Remoeu isso por boa parte da noite. O relógio já apontava onze da noite e ele não conseguia dormir.O irmão já dormira há algum tempo.Levantou-se, trocou de roupa e saiu.Caminhou pela rua até chegar à casa da tia Renata.De longe, vislumbrou o vulto de uma determinada figura que também aparentava estar sem vontade de dormir.Era o primo Everaldo.Sujeito esquisito, solitário e tido como ovelha negra por boa parte da família p
Aquela falha foi imperdoável. Sabia que os dois irmãos se amavam, mas não imaginava que um fosse se sacrificar daquela forma pelo outro.Sua vingança fôra adiada. Mas, com certeza, criaria outra situação para consumar o ato de matar aquela pessoa que era fruto de seu ódio e desprezo.Porém, seu problema agora era outro.Uma pessoa que seria muito mais difícil, para não dizer quase impossível de eliminar, parecia de alguma forma ter descoberto seu estratagema.Ali estavam frente a frente na velha cabana.-Estou armado – começou seu interlocutor – Então não tente nenhuma gracinha. Garanto que não sou como aqueles dois moleques idiotas.-Não entendo o porquê desta sua observação. Que gracinha eu tentaria? E esse papo de estar armado? Não sei o que você está pensando de mim, mas garanto que...-Chega dessa baboseira! Não me trate como criança e não nos faça perder um tempo que não temos!-Não sei do que você está falando.-Então vou