Capítulo II

“Eis que para a paz tive o que era amargo, sim, muito amargo. E tu mesmo ficaste afeiçoado à minha alma e a guardaste da cova da desintegração!” (Is. 38:17)

Quando ia bater a porta se abriu e Ângelo, sorridente saudou-me:

— Bom dia, José! Chegastes bem no horário; entre.

 Trajava uma túnica presa na cintura, totalmente branca, que lhe chegava até os tornozelos. Era perpassada por um avental onde se viam alguns sinais incompreensíveis para mim. Na altura do coração havia um símbolo que me pareceu um hieróglifo egípcio verde claro. Nos pés tinha sandálias com solado de feltro.

Entrei: a mobília era simples e bem escassa. O apartamento parecia pequeno, apenas quatro cômodos, pelo que pude perceber. Rapidamente, passei os olhos por todo o ambiente: Uma sala com um sofá alto e bem antigo; por uma porta entreaberta, via-se um quarto, no qual se vislumbrava uma cama simples e uma escrivaninha com uma estante repleta de livros. Dava para ver, no fundo, em frente à porta, um banheiro com os apetrechos usuais. Possuía o apartamento, uma pequena cozinha contigua à sala, com um fogão de duas bocas onde uma vasilha com água fervia tendo ao lado uma xícara e um saquinho de chá. Um armário de parede completava o mobiliário. Na sala e no quarto, janelas para a rua com cortinas.

Num dos cantos da sala havia um espelho e uma mesinha onde queimava um incenso bastante perfumado. Havia também uma cruz Egípcia, um Ank ou Cruz Ansata ( ), com um anel sobre o braço transversal em lugar do prolongamento superior e dois castiçais com velas acesas. Á frente uma cadeira.

Ângelo apagou o fogo e entornou a água na xícara colocando o saquinho dentro. Depois se dirigiu a mim.

— Senta-te — disse indicando-me o sofá, enquanto ele próprio puxava a cadeira e ficava de frente para mim. — Deves estar bastante curioso. Vou satisfazer, em parte, tua curiosidade. Meu nome, como sabes, é Ângelo e faço parte de uma fraternidade bastante antiga. Tu também pertences a esta fraternidade, porém, conscientemente, não te lembras disso. Mas, com toda a certeza, já passaste por alguma iniciação em outras vidas. Isto quer dizer que já morrestes profanamente para ressuscitar como um novo homem, o homem místico que abre os olhos para uma nova vida em outros momentos cósmicos de um novo portal.

Levantando-se foi até a mesa onde acendeu uma nova vareta de incenso e, vindo com ela na mão deixou que seu aroma se espalhasse pelo aposento. Pegou o chá fumegante e tomou um gole. Parando à minha frente começou a explicar:

— Nossa Irmandade, segundo os alfarrábios que fazem parte de seu acervo, teve seu início no Antigo Egito em épocas muito remotas que podem remeter-nos ao faraó Tutmés II.

— Como quase todas as ordens surgidas — prosseguiu — fazia parte das antigas “Escolas de Mistérios” que foram criadas com o objetivo de transmitir, oralmente, os segredos que compunham a tradição esotérica dos hierofantes.

Fez uma pequena pausa para coordenar o pensamento:

— Isso se contarmos a partir da história conhecida, pois, na verdade, ela remonta a tempos bem anteriores, dos quais não existem registros firmados. Seus membros dedicam-se à busca permanente da paz, da justiça, do amor e do bem estar de toda a humanidade, objetivo que, perpetuando-se até os dias atuais, nos enche da vontade de sermos úteis aos nossos semelhantes.

─ Com o passar do tempo ─ prosseguiu ─, houve ramificações e dissidências que tomaram diversas denominações, mas o objetivo principal permanece intacto e acima de todas as expectativas humanas. Não somos a “Grande Fraternidade Branca” que exerce um governo invisível do planeta e curvamos, com toda a justiça, nossas frontes perante tão veneráveis líderes, porém temos nossa rotina própria de trabalho com objetivos muito bem definidos. Nossos membros se conhecem mais pelas emanações salutares das quais nos revestimos do que pessoalmente na vida material. É através de nosso labor constante pelos séculos que vamos cumprindo a nossa missão. Quando qualquer um dos nossos reencarna-se para viver a vida no mundo profano, no momento em que precisamos de seu auxílio chegamos até ele por qualquer forma que nos seja lícita e ética. É justamente isso o que está acontecendo agora entre nós dois. Normalmente as reencarnações entre os membros de nossa Ordem têm um propósito definido que podemos considerar como uma missão. No tempo certo, nossos prosélitos sabem o que é preciso realizar para atingir a meta solicitada.

Ângelo deu alguns passos pela pequena saleta em silêncio, meditando. Depois retomou o rumo da explanação:

— A fraternidade é composta por uma Ordem Mística que vive em uma união perfeita, completa e real; talvez a mais forte união existente e que não tem entre os homens nenhuma forma similar de comparação, qualquer que seja sua natureza. É difícil explicar, mesmo em sentido figurado, a possibilidade da existência de uma associação como a nossa. No mundo exterior, os membros da Ordem não precisam da aproximação corporal, a não ser em casos extremamente raros e de muita importância. Quase nunca se correspondem verbalmente. No entanto, seu contato espiritual é constante, ininterrupta é sua troca de ideias e absoluta sua comunhão de almas. Com certeza não possuímos leis exteriores à nossa consciência.

— Cada membro é semelhante a qualquer dos outros — prosseguiu. — Não obstante, conhecem o lugar que lhes cabe, determinado pela natureza espiritual própria a cada individualidade. Todos, entretanto, nos subordinamos voluntariamente a um “Chefe Supremo” em Espírito. Esse “Chefe" não é eleito nem nomeado; contudo, nenhum membro da Ordem poderia ter dúvidas quanto à capacidade dele ou quanto a sua identidade.

Ângelo tomou um pouco de chá. Em seguida explicou:

— A “admissão” à Ordem não é obtida nem de pleno direito nem adquirida por subterfúgios, astúcia ou constrangimento. Leis espirituais ocultas e certas disposições específicas que, na natureza humana reproduzem essas mesmas leis, determinam a aptidão de todo homem para uma eventual admissão. É uma indicação que chega na hora exata em que se torna necessário tanto para aquele indivíduo quanto para a Ordem, a sua participação. 

Parou o seu passeio encarando-me e afirmou:

— Uma vez admitido, nenhum poder humano poderá levantar obstáculos a essa afiliação. O mais incrível, é que os admitidos não são ligados por nenhum voto, nenhum compromisso, nada que os constranja a uma obrigatoriedade incompatível com o seu livre-arbítrio. Eles mesmos são a norma e a lei.

— Não existe uma necessidade de sinais particulares — prosseguiu Ângelo —, embora eles existam e façam parte de nosso conhecimento. Nenhuma singularidade no modo de viver de seus membros deixa que transpareça entre as pessoas comuns quais os participantes dessa comunidade espiritual. Mas, bem que sejam entre si algumas vezes estranhos, eles se reconhecem mesmo sem a ajuda dos “sinais”, das “palavras de passe” ou dos “toques” secretos caso lhes seja necessário se conhecerem também na vida exterior. Somos extremamente sensíveis ao momento psíquico de cada um. Em razão da sua natureza, esta Ordem, como tal, deve permanecer oculta, embora não impeça que muita gente e às vezes povos inteiros, estejam sob sua influência espiritual.

— Durante a Idade Média — continuou o mestre —, nossa fraternidade, cujo nome tu te relembrarás em segredo, precisou esconder-se na clandestinidade por causa das inúmeras perseguições que os livres-pensadores sofriam e, para sua preservação, seus membros encarnados adotaram a ocultação da identidade, pois se fossem reconhecidos seriam condenados às fogueiras da inquisição e mortos pelo intolerante e ignorante clero da época. Apesar disso, muitos dos nossos quando na terra, enfrentaram o martírio pela defesa de seus ideais maiores, ideais estes que estavam latentes dentro de seus espíritos, padecendo as dores dos inocentes e ardendo nas chamas da intolerância. Por isso, nossos irmãos que foram iniciados há muitos séculos, preferem dar-se a conhecer apenas através de salutares e vivas vibrações. Repetindo mais uma vez para que fique claro, não precisamos de sinais... e nem palavras cabalísticas de reconhecimento.

Ângelo parou alguns segundos para bebericar mais um gole de chá.

 — Contudo — retomou — temos os nossos sinais e as nossas palavras sagradas, secretas e de passe, pois elas nos ajudam em nossos rituais pelo seu profundo significado esotérico. Mas, no mundo material ou no mundo mental os irmãos simplesmente se encontram, pois por medida de precaução preferimos realizar nossas iniciações, reuniões e contatos muito mais no plano astral do que aqui no mundo da matéria. Tu mesmo já participaste várias vezes de nossas reuniões durante teus momentos de repouso e, algumas vezes, te lembraste delas após o despertar. Existem, porém, trabalhos, como por exemplo, esse que estamos para realizar agora, que precisam ser desenvolvidos, justamente, no mundo material.

O velho instrutor fez uma pausa mais prolongada; depois de alguns instantes, prosseguiu:

— Através das vibrações e ainda de um estreito laço de afinidade existente entre nós dois, encontrei-te. É o momento em que nossa sublime Ordem necessita do teu concurso para dar prosseguimento ao seu propósito perante a humanidade. Tu tens procurado teu desenvolvimento dentro de momentos místicos e da busca pelo despertar cósmico. Pela inconsistência de tua atual condição material encoberta pela turvação dos teus sentidos, não tens ideia do momento da tua afiliação; mas nossas emanações já se cruzaram e se sintonizaram e tenho certeza de que me reconheceste na praça onde te abordei, embora o corpo físico padecesse com o medo inerente à aproximação de um desconhecido.

Ângelo agora explicava tal e qual um professor em sala de aula explanando para seus alunos. Eu apenas prestava atenção, pois ainda não tinha uma ideia formada a respeito do assunto em questão.

— Um dos predicados principais que desejamos naqueles que procuram o misticismo como meta de orientação para suas vidas — frisou o professor — talvez o primeiro mandamento como qualidade desejável e até essencial para os que desejam trilhar a senda é confiar sempre no Grande Contato Cósmico presente no Todo do qual tudo faz parte. Esta confiança, quanto maior for, gerará um canal de imensa energia através do qual os acontecimentos se dão; o pensamento que norteia o buscador em seu caminho, por ser um desejo pleno, estará plasmado no inconsciente do mundo, no akasha ou éter e, portanto é suscetível de acontecer no plano real da matéria. Deus, que é a Grande Energia Cósmica que a todos provê, dará, com certeza absoluta, à sua criatura tudo o que for necessário para o conhecimento e evolução do discípulo e, como mestre zeloso jamais esconderá qualquer aprendizado da vista ansiosa de cada um de seus diletos alunos.

— Confiar, confiar, confiar, este é o nosso lema — frisou Ângelo. — Tudo que é bom fortalece o coração e a mente daqueles que buscam a luz. Tudo o que é ético e moral, ou que atenda aos ideais de justiça e paz que transportamos em nosso coração é válido e positivo para conhecermos nossa profundidade. Tudo o que estiver gravado de forma indelével no caráter do indivíduo como um dístico de nossa Ordem de justiça e paz e que incita às boas ações e atitudes de amor ao próximo, faz parte do cabedal de conhecimentos do iniciado. Tudo que é justo e perfeito passa por dentro de nós e fixa-se em nosso espírito eterno...

Ângelo estava parado com os olhos fixos em algum ponto distante:

— Não temos porque temer os desígnios do Cósmico, muitas vezes insondáveis e estranhos aos nossos olhos, mas sempre cheios do sentido, da grandiosidade e da generosidade dos fulgurantes e sábios exemplos que são mostrados amiúde. Estejamos prontos para atender o chamado na hora aprazada sem receio, pois repara que, se até hoje, nada nos faltou, justamente porque nos faltaria agora quando nos colocamos à disposição do Todo para realizar um trabalho para o qual fomos convocados? Portanto o medo se torna inadmissível quando somos buscadores decididos que querem percorrer a senda com segurança.

Mudando de tom prosseguiu:

— Houve no antigo Egito uma alma muito evoluída chamada Hermes, nome grego que designa o hierofante que foi considerado um deus na Grécia e chamado o Trimegisto, que por sua sabedoria possuía os três mistérios da filosofia. Esse é um grande espírito ao qual reverenciamos e ele brinda com conhecimentos profundos a todos os místicos e ocultistas que percorrem a senda, com belas palavras sempre agradáveis aos nossos ouvidos. Nós somos os guardiões e fiéis depositários de seus ensinamentos; e conscientes das responsabilidades e da ciência dos grandes arcanos universais, ouvimos soprando no vento dos séculos o apelo do mestre ao discípulo: Ó, não deixeis apagar a chama mantida de século em século nesta caverna obscura, neste Templo Sagrado, sustentada por puros Ministros do Amor! Não deixeis jamais apagar esta Divina Chama!

Ângelo olhou no fundo dos meus olhos e falou:

— Nós somos a chama mística que arde pela eternidade! Somos os iniciados nos sublimes mistérios e os responsáveis pelo fortalecimento do fogo sagrado! De tempos a tempos novos adeptos chegarão, pois está escrito que “onde quer que estejam os sinais do Mestre, os ouvidos daquele que está pronto a receber os seus ensinamentos abrem-se de par em par. Quando o ouvido é capaz de escutar aparecem os lábios que hão de enchê-lo de sabedoria”.

E com ternura, prosseguiu:

— Chegou a hora de abrires teus ouvidos! Porém é preciso que te dispas das túnicas da vaidade. Aprender é preciso, mas ai de quem ousa querer aprender tudo e não sabe que, para aprender alguma coisa, é preciso resignar-se e estudar sempre. Entretanto, para bem aprender, torna-se importante esquecer: esquecer os hábitos malsãos que cultivamos em nossa alma, esquecimento santo e abençoado que nos renova e completa o ciclo de vinda a este planeta.

— “Sei que não sei”[1] ─ exclama o filósofo quando se depara com o conhecimento de sua própria ignorância! Tu estás no momento de abrir os ouvidos para as palavras do Mestre. O ciclo se completa... O círculo fecha-se e a serpente engole sua própria cauda... No máximo momento de nossa existência o homem se lembra de que está aqui para servir, e humilha-se para se exaltar na grandiosidade da descoberta de si mesmo.

— Mas a necessidade do aprendizado, muitas vezes depende da capacidade de crer e esbarra neste simples respiro de anseio do ser. Crer é ter confiança em tudo que acontece no universo, pois a harmonia cósmica é atributo da Alma Universal. E crer liga-se estreitamente à necessidade de amar! O amor é lei para evolução do ser, de vida em vida, de forma em forma, na incessante busca do homem pelo encontro final, Criador e criatura, mente e emanação, ambos juntos na caminhada para a eternidade. É por isso que as almas têm precisão de comungar com as mesmas esperanças e com o mesmo amor. As crenças isoladas não passam de dúvidas. A fé não se inventa, não se impõe e não se estabelece por convicção política; manifesta-se, como a vida... Inegavelmente ela é uma espécie de fatalidade.

— Mas não foi para falar disso que te trouxe aqui: A maior parte de nosso conhecimento foi transmitida oralmente, ou seja, de mestre para discípulo, através do tempo e das idades. Chegou, porém, o momento de procurarmos fixar estes ensinamentos por intermédio de métodos mais modernos de divulgação, que atinjam uma boa fatia da sociedade. A violência cresce e recrudesce. Precisamos de meios rápidos e eficientes de conter este avanço que está tomando proporções desmedidas e incontroláveis! Somos Mensageiros da Paz! Não podemos, absolutamente, compactuar com esta situação. A deterioração da família, fato decorrente do crescimento global, do mau uso dos meios de comunicação de massa, da péssima qualidade do material informativo que adentra os lares e do mau exemplo educacional, prejudica, sobremaneira, os jovens. A caótica situação em que se encontra o ensino e o isolamento das escolas aumentou de forma cruenta o materialismo, o imediatismo, o individualismo e o egoísmo.

Ângelo sorveu alguns goles de água para refrescar a garganta antes de prosseguir:

— Em contra partida — asseverou — o interesse pelo aprendizado, pela cultura, pelos valores individuais e, principalmente, pela virtude, diminuiu. Esses valores foram ficando cada vez mais esquecidos a ponto de uma professora, junto com um grande expoente intelectual terem afirmado que a situação criada com esse abandono dos valores humanos “faz com que o homem sinta vergonha de ser honesto”.

Ângelo chegou ao ponto em que o objetivo de meu concurso seria apresentado. Compassadamente explicou:

— Incumbiram-me de transmitir-te uma história. Apesar de ser ditada como um romance é uma história que já foi repetida milhares de vezes; não é inédita, mas talvez ainda não tenha sido contada sob o ponto de vista —, ou por um ângulo diferente — e com a riqueza de detalhes com que a mostraremos. Entretanto, sempre foi mal interpretada e não entendida, deixada de lado em todas as idades, mas nunca com o descaso que lhe dão atualmente, completamente distorcida e geralmente apresentada de forma ininteligível, ela continua sendo um tabu entre os homens que têm medo de explicar de forma coerente o seu conteúdo sagrado. O conhecimento dela da maneira como a narraremos, até agora tem sido privilégio exclusivo dos membros do nosso círculo. A partir de agora recebemos ordem para liberá-la do sigilo que a revestiu por mais de dois mil anos.

Ângelo fez uma pausa. Aproveitei para perguntar:

— Mas porque eu fui escolhido para tal incumbência, já que conscientemente não me lembro de participar desta Ordem? — muito embora reconheça que sinto fortes vibrações sempre que tenho contato contigo.

— Porque tu pertences à nossa irmandade — respondeu Ângelo. — Tua busca constante... isso é o reflexo do teu espírito procurando seus registros passados.

— Passaste por muitos momentos íntimos — prosseguiu o mestre —, visitaste templos de diversas denominações... teu interesse pelo ocultismo... tua avidez pela verdade, uma utopia que persegues sem jamais encontrá-la... tudo isso mostra que tu vives em uma procura permanente... Por isso te digo que és um de nós e trazes atado aos registros akáshicos lembranças que no momento exato serão afloradas para fazerem parte de tua vida atual. A veemência com que te empenhas em torno do conhecimento... do estudo... principalmente aqueles que estejam ligados a civilizações, culturas e religiões antigas, assunto que de algum tempo para cá vem tomando uma grande parte do teu tempo... tudo isso te credencia ao assunto objeto de nosso interesse.

Outra vez encarou-me profundamente nos olhos:

— Há tempos que vens tentando escrever algo que tenha valor humanitário, que sirva como exemplo para a posteridade, sem procurares a fama ou a fortuna através das tuas ideias. Além disso, te conheço há muitas encarnações e posso atestar a veracidade das minhas informações. Existem fatos que, apesar de parecerem extraordinários, não são objetos de crença. São reais, quer as pessoas envolvidas queiram ou não.

Ângelo continuou, enquanto eu escutava atento:

— Mas, para isso, preciso da tua anuência: Somente por expressão de tua vontade, por teu livre arbítrio, poderemos assumir o compromisso de repassar nossa história. Ao conhecê-la, te ligarás à Ordem nesta encarnação consolidando o ciclo que tens a cumprir para evoluir no caminho que te falta percorrer. Porém, é preciso que saibas que a tua aceitação te trará uma imensa responsabilidade, como se fosses remetido a um debate de imprevisíveis consequências.

O velho prosseguiu:

— Ao publicares essa história encontrarás obstáculos, contradições, difamações, perseguições, intolerância e descrédito por parte dos que não suportarão ver suas convicções arraigadas rolar por terra. Queremos divulgá-la, pois é extremamente importante neste fim de ciclo da humanidade, ter novas opções de pesquisa e conhecimento. E isso é urgente! O homem, com a ganância natural dos espíritos primitivos está depredando o planeta e, se não mudarmos a maneira de tratá-lo, destruiremos uma das mais lindas obras do Criador. Esta história fará com que alguns pensem e, com isso, criem ideias novas e renovadoras de suas atitudes principais. Pelo menos essa é a nossa esperança.

Tomou novo fôlego e continuou:

— Caso tu aceites terás que te submeter às regras que se impõem como sublimes mistérios da Ordem que pertencemos. Teu organismo precisa de purificação e, para isso, tens que passar por um pequeno ritual, que não está ligado a nenhum juramento ou sigilo. Tu vais retirar a casca profana e vestir o manto do conhecimento, que é como chamamos ao hábito branco que envergamos quando em serviço pela humanidade, e então, estarás limpo para penetrar nos Mistérios do Reino de Deus. Isto se fará, apenas pela interiorização e pela prece que elevará o teu espírito e, a partir daí, compreenderes a santidade do trabalho a que nos propomos. Aceitas?

Até ali eu escutara interessado no desenrolar dos acontecimentos. Agora, um medo me subiu pela espinha, causando-me frêmitos e arrepios. Mantive os olhos fechados durante algum tempo, orando ao Deus do meu coração, para que me protegesse e ao mesmo tempo me inspirasse. Minha fronte latejava e a garganta estava seca.

De repente, a sensação fortíssima de ser arrebatado por um redemoinho louco que me elevava nos ares, girando, girando até que, como se caindo do infinito fosse instalado em uma cadeira de pedra em frente a uma pira ardente.

O chão era de areia! Eu estava descalço, sentindo frio nos pés e nu da cintura para cima. Muito pouca claridade, apenas aquela proveniente do fogo que ardia, iluminava com luz frouxa o ambiente. Entretanto, eu vislumbrava nas paredes, sinais que interpretei como frases que mostravam a transitoriedade da vida material e a sua fragilidade perante o eterno momento da alma imortal.

Compreendi que estava passando por um processo iniciático, pois na minha vida atual já tivera a oportunidade de atravessar o portal da verdadeira luz por mais de uma vez. Uma frase fixada à minha frente e iluminada pela chama destacava-se das outras: Por estar escrita em Latim mostrou-se cheia de mistérios chamando bastante a minha atenção: “Visita Interiorem Terrae, et Rectificandoque, Invenies Occultum Lapidem”[2]. E era no interior da terra que eu me achava. Pelo menos o que eu supunha...

Uma infinita solidão! Este era o único sentimento que naquela hora me acompanhava. Já há bastante tempo não via ninguém, nenhuma figura humana, nenhum contato. Ao meu lado um crânio e restos de ossos espalhados em uma bandeja de prata mostravam que a vida, afinal, não passa de um fugaz momento o qual atravessamos empurrados pelo destino, quer dure cinco anos, vinte anos ou oitenta anos; e que o túmulo é a fronteira real entre dois estágios de uma eterna existência. A iniciação é um processo interior, ela nos mostra a fragilidade da vida material e consiste na morte do homem cheio das falhas de caráter inerentes à individualidade e de apegos materiais que tanto nos prendem a convicções errôneas, de medos inconsequentes de nossos complexos que emprenham o nosso ego, para dar o nascimento ao novo homem ressurgido, qual uma fênix, de suas próprias cinzas. É uma cerimônia, ao mesmo tempo aterradora e mística, pois obriga o neófito a confrontar-se com seu próprio eu dentro do umbral que ao ser transposto leva ao portal do conhecimento e da Verdadeira Luz.

A pira bruxuleante trazia formas fantasmagóricas que se expandiam em minha mente como gnomos entregues a uma dança frenética. Tinha a sensação de estar a muitas horas naquela cadeira, naquele ambiente peculiar. Não me senti mal, meus pés, porém, estavam muito gelados e uma pequenez infinita, uma depressão sufocante, como se me encontrasse no limite entre o céu esplendoroso e o inferno ardente, se apossava do meu eu consciente.

Ao longe escutava ruídos que não conseguia identificar. Correntes se arrastando... estrondos... vozes... sinos... trovões... gemidos... lamentos... de repente uma porta se abriu em um vão daquela gruta onde me pareceu antes existir apenas uma parede de pedra; duas figuras vestidas com longos mantos brancos e um capuz que cobria parte da cabeça deixando entrever apenas os lábios entraram e postaram-se à minha frente. Possuíam barbas longas e estavam descalços. Portavam archotes, mas estes alumiavam apenas um pequeno círculo a nossa volta.

A luz feriu-me os olhos e não consegui lobrigar mais do que alguns palmos adiante. Cada uma das figuras se postou de um lado da minha cadeira. Logo entrou um terceiro trazendo uma folha e um instrumento para a escrita. Colocou-se a minha frente, e falou:

— Homem do Mundo, para ti, que te atrevestes a atravessar as barreiras secretas de nossa Ordem, que concebeste a temeridade de mergulhar no interior da terra com o intuito exclusivo de te tornares nosso Irmão, faz-se necessário que tu morras... Sim, passarás pela morte profana visto que és impuro e, no estado em que te encontras não há possibilidades de atravessares o portal...

— Mas ao morreres para os fugazes momentos profanos, despertarás para a contemplação mística da eternidade. Para o amor ao próximo; para o perdão das ofensas; para os Mistérios do Reino de Deus... Tu alcançarás, então, o momento místico da compreensão de Deus, o Grande Artífice de toda a construção Universal.

O homem parou para que suas palavras produzissem o efeito desejado. Em seguida retomou sua oração:

— E, então, tu ressuscitarás para a vida eterna que te aguarda após a travessia do portal junto àqueles que se iniciam em nossos mistérios: Os mistérios de um Reino de Justiça e Paz, onde o milagre da comunhão se celebra diariamente entre o Cristo Cósmico e seus discípulos. A morte profana faz ressurgir a alma em toda a sua plenitude templária. Já passastes por provas terríveis e difíceis, cada uma representando um dos elementos do Universo. Fogo, ar, água e terra já se incutiram no teu corpo dando força a teu espírito num batismo íntimo entre o ser material e o Ser Divino.

— Feliz do homem que consegue chegar até este ponto. Começa daí uma elevada e sublime escalada em busca da Câmara Nupcial, da Verdadeira Luz, do Universo Cósmico, da centelha do Eu Recôndito, do Ain Soph, do “Eu Sou”, do nome inscrito no Tetragrama Sagrado, o impronunciável IOD-HE-VAU-HE do Criador Incriado.

Com uma voz forte e retumbante, prosseguiu:

— Muitos dos que passaram por este trono fraquejaram e se deixaram ficar pelos caminhos do mundo, queimando incenso na fogueira da vaidade e no altar das paixões... Outros perseveraram e contribuíram com seus propósitos de evolução e paz profunda para a ascensão moral e ética do Planeta. O livre arbítrio forja na consciência de cada um, inscreve em letras flamejantes a escolha a que vais te submeter. Não és obrigado de nenhuma forma a aceitares nossos mandamentos e, para isso te deixamos à vontade para continuardes ou recuardes saindo daqui sem mais um passo adiante. Se aceitardes, porém, ficarás ligado a nós pelo juramento indelével da tua iniciação.

E empurrando para a minha frente o documento, disse:

— Esta é a fórmula do nosso juramento. Leia atentamente antes de assiná-la. Nada do que aqui se encontra é contrário aos sãos princípios da moral e da razão. Somos homens em busca de Paz, direitos e dedicados à virtude e à retidão. Combatemos vícios e paixões, mas sempre oferecendo ao nosso próximo o amor que consideramos a mola mestra que impulsiona e impulsionará sempre a humanidade. Se aceitares esta fórmula ajoelha-te e repete comigo aquilo que te direi.

Li atentamente e, vendo que nada ali me constrangia, ajoelhei-me. Nesse instante, um som forte como se imensos tambores graves entrecortados por batidas estridentes de um címbalo, pancada por pancada com espaçamento de um ou dois segundos, tal e qual as badaladas de um relógio, ressoavam dentro da minha alma. O som ia aumentando de intensidade e de ritmo até que minha vista escureceu e retornei ao sofá de Ângelo que, sorridente, me observava:

— O que aconteceu? — perguntei ainda fraco e tentando me recuperar da forte comoção que se apossara de mim.

— Não estiveste inconsciente por mais que um pequeno período, mas deve ter-te parecido que permaneceste fora daqui por horas ―, respondeu Ângelo. ― No Akasha, tempo e espaço se confundem! Hoje recordaste um pedacinho da tua primeira iniciação. Isso te ajudará a decidires agora se queres ou não assumir este compromisso conosco. Na época em que ocorreu a cerimônia que relembraste, tu te chamaste a si próprio José e eu fui um daqueles que estava contigo naquela gruta. O restante da solenidade ser-te-á recordado no tempo devido.

Nunca eu havia passado por uma experiência transcendental tão vívida e forte como aquela. Meu coração estava aos pulos, pois minhas suprarrenais haviam despejado adrenalina em boa quantidade na corrente sanguínea. Por isso minhas mãos tremiam e meus joelhos fraquejavam. Acho que, se não estivesse sentado, teria caído no chão.

Sim! Agora mais do que nunca queria continuar esta experiência, conhecer mais, me encontrar, enfim, após tantos anos em busca do meu eu, da minha identidade perdida...

— Sim, quero! — Exclamei com convicção e certeza.

[1] Frase atribuída a Sócrates, o filósofo grego (nota do autor).

[2] Frase latina usada como lema dos alquimistas da idade média e atribuida a Hermes, significa “visita o interior da terra e, retificando-te, encontrarás a pedra oculta” (nota do autor).

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