5 - Isso é a Realidade

Angel Camille

01 de junho de 2015, 06h45min

Acordo ouvindo os gritos de minha mãe vindos da sala e, imediatamente, ponho-me de pé e saio do quarto, desesperada, indo em direção ao som de seus gritos para saber o que está acontecendo e tentar ajuda-la, mas, quando entro no cômodo, a cena que se desenrola a minha frente me faz parar, boquiaberta, tentando assimilar o que estou vendo.

      Minha mãe está deitada no chão, protegendo sua barriga com as mãos, enquanto meu pai grita com ela. Estou tão assustada que fico momentaneamente congelada, sem entender uma palavra do que eles falam, apesar do volume elevado da discussão.

      - Mãe. - Saindo de meu transe, tento chegar até ela, mas um dos empregados de meu pai me agarra pelo braço, impedindo que eu me aproxime e me mantendo onde estou.

      - Tem noção do que fez, Ingrid? - Pergunta Leopoldo, desferindo um chute contra as costas da mulher, que se encolhe no chão, gemendo, indefesa e visivelmente com dor devido aos golpes.

      - Pai, para, por favor. - Meu pai nem olha em minha direção, nem mesmo da algum sinal de que tenha me ouvido, ele apenas se abaixa e pega minha mãe pelos cabelos, fazendo-a olhar para mim, ainda gritando com ela.

      A pele de minha mãe é escura, quase da cor de cacau, mas ainda assim é possível notar que está vermelha em alguns pontos devido aos golpes de meu pai e, para meu total espante, é impossível não notar o sangue escorrendo por seus lábios machucados e as lágrimas que marcam suas bochechas. Em seus olhos há medo, dor e desespero.

      - Olhe para ela, Ingrid. - Ele grita quando minha mãe fecha os olhos, sacudindo-a pelos cabelos até que ela me encare novamente, chorando com ainda mais vontade enquanto o sangue continua escorrendo por seus lábios.

      Luto com o empregado de meu pai, chutando e me debatendo, histérica e desesperada para que ele me solte. Neste momento, só quero chegar até minha mãe e impedir que meu pai lhe faça mais mal do que já fez.

      - Deixe-a ir, Leopoldo. Deixe minha filha ir, ela não tem nada a ver com essa bagunça. O assunto é entre mim e você, seu alcoólatra imbecil, Camille não tem que ver isso. Estou lhe avisando... - Meu pai, então, desfere um tapa, com força, acertando o rosto de Ingrid e fazendo-a se calar imediatamente e mais sangue escorrer de seu lábio cortado.

      - Ela tem tudo a ver com isso, sua vadia, pois agora teremos duas dessas para cuidar, duas para alimentar e “dar amor”. Você pensou nisso, Ingrid? Pensou nisso antes de fazer essa merda que fez, sua puta. - Meu pai larga os cabelos de minha mãe, que se levanta, com esforço, e corre em minha direção, tirando-me de perto do brutamontes que me segurava.

      - Mãe. - Choramingo em seu ombro enquanto ela me abraça, protegendo-me de meu pai com seu próprio corpo.

      - Está feliz, Angel Camille? Ficou sabendo que essa prostituta da sua mãe está grávida novamente? - Minha mãe está grávida? Olho para meu pai, que está bebendo sofregamente direto de uma garrafa de vodka que estava sobre a mesa de centro.

      - Mãe? - Questiono, mas ela apenas balança a cabeça enquanto me arrasta de volta para meu quarto.

      - Depois conversamos Angel. - Ela me empurra para dentro e começa a fechar a porta, ainda chorando, mas então para e me olha. - Eu te amo, Cami, eu te amo e você é meu mundo todinho. Nunca se esqueça disso ok, meu amor? - Sem esperar por uma resposta, ela fecha a porta com firmeza e a tranca, impedindo-me de segui-la.

      Quase imediatamente, ouço seu choro novamente, ao mesmo tempo que meu pai grita diversas ofensas contra ela, chamando-a de prostituta e acusando-a de ter engravidado de propósito para arrancar ainda mais dinheiro dele. Em certo momento, ele se refere a uma bastarda que ela colocou em sua vida, mas não faço ideia de o que ele quis dizer.

      Não sei quanto tempo se passa, se são horas ou minutos, sei apenas que fico um tempão sentada contra a porta de meu quarto, chorando junto com minha mãe e implorando silenciosamente para que meu pai pare.

15 de março de 2016 - 06h30min

Acordo, assustada e suando frio. Sento-me na cama, olhando ao redor e tentando ouvir os gritos de minha mãe ou alguma coisa do tipo, mas, por um milagre, a casa está completamente silenciosa.

      Respiro fundo, dobro meus joelhos contra meu peito e coloco minha cabeça entre eles, tentando pensar com coerência e, ao mesmo tempo, desacelerar meu coração e minha respiração acelerados.

      Meu sonho é, na verdade, uma memória. Lembro de tudo como se fosse hoje, dos gritos, do sangue, das lágrimas e, principalmente, o som dos golpes de meu pai acertando o corpo de minha mãe, indefesa e encolhida no chão.

      Meu pai, Leopoldo, sempre foi um homem bom e atencioso, mas, alguns anos atrás, quando sua boate começou a dar prejuízos ao invés de lucros, ele começou a beber demais e a se mostrar agressivo, principalmente comigo. Ele nunca me bateu da mesma forma como bateu em minha mãe aquele dia, mas estou constantemente coberta de hematomas e vergões.

      Naquele dia, após Leopoldo sair de casa para pegar mais bebida na boate, minha mãe se arrastou até o meu quarto e, depois de me abraçar e me confortar, confidenciou que meu pai estava com muitas dividas e que, para piorar, ela estava grávida novamente, o que, para ele, significava mais um gasto desnecessário.

      Depois daquele acontecimento, minha mãe ainda apanhou mais algumas vezes, mas, felizmente, o ódio de meu pai não impediu que o bebê nascesse. Apesar de tudo, e indo contra tudo, Anne Louise está entre nós, feliz e sorridente, sendo criada por mim, visto que minha mãe...

      - Angel, cale a boca dessa criança. - Ouço a voz de minha mãe, arrastada e pausada, vinda da sala.

      Suspiro e me levanto, indo em direção a sala no exato momento em que Anne começa a chorar, a plenos pulmões, enquanto Ingrid, deitada no sofá, faz o possível para ignorá-la e continuar no estupor e na letargia que as drogas que ela ingere diariamente lhe proporcionam.

      Não sei ao certo o que aconteceu com minha mãe que a fez acabar assim. Ela aguentou muito bem as agressões frequentes de meu pai enquanto estava grávida, mas, após o nascimento de minha irmã, pouco mais de dois meses atrás, ela caiu em uma depressão tão profunda que passa todos os seus dias drogada, consumindo o produto que meu pai anda vendendo para pagar as dívidas da boate, evitando o mundo e a realidade.

      Ao entrar na sala, a primeira coisa que noto é que minha mãe, apenas semiconsciente e usando apenas roupas intimas, largada no sofá, olhando para o teto e parecendo perdida. Olho ao redro e corro até o embrulho cor de rosa no chão, pegando-o em meus braços e balançando Lou, na tentativa de acalmá-la.

      - Está com fome, minha pequena? - Pergunto, voltando para o meu quarto com ela em meus braços.

      Cuido de Lou desde que ela nasceu, então já estou tão acostumada à sua rotina matinal que consigo fazer todos os processos com uma mão, enquanto canto para ela e a carrego comigo por toda a casa.

      O berço de Lou fica no quarto de meus pais, pois não cabe no meu, mas todas as outras coisas da pequena ficam estrategicamente apertadas entre as minhas.

      Pego algumas roupas para ela e para mim e ando em direção ao banheiro, optando por tomarmos um banho morno antes do café da manhã, pois o dia está muito quente e Lou está suada e pegajosa, assim como eu.

      Depois do banho, visto-me rapidamente, com um cropped preto sem mangas e uma calça jeans clara que se adequa perfeitamente ao meu corpo, enquanto vigio Louise brincando em cima uma boia estrategicamente colocada dentro de sua bacia, rindo e jogando água para todos os lados.

      Depois que termino de me aprontar, amarro meus cabelos em um nó no alto da cabeça, pego ela em meus braços, seco-a e visto-a com um body preto de mangas compridas e uma calça jeans clara parecida com a que estou usando.

      Com tudo pronto, paro em frente ao espelho do banheiro e nos encaro por alguns segundos. Nós duas temos pele morena, quase no mesmo tom, nossos cabelos são pretos e lisos, embora ainda esteja cedo demais para saber se os dela permanecerão assim, mas nossos olhos são diferentes, os meus são pretos e os dela são azuis. Resumindo, vestidas assim, praticamente iguais, poderíamos passar por mãe e filha... Claro, isso se eu tivesse tido uma filha aos quinze anos.

      Lou solta um gemido em meu colo, me trazendo de volta ao presente e me fazendo lembrar que ela ainda não comeu hoje. Saio do banheiro, mas antes de chegar na cozinha eu paro, surpresa ao ver nossa tia, Agnes, de pé na cozinha.

      - Tia Agnes. - Praticamente grito, correndo até ela, que está mexendo na geladeira, e a abraçando pela cintura, ainda com Lou em meus braços.

      - Oi, meus amores. - Ela diz, dando um beijo em minha testa e outro na cabeça de Louise. - Como vocês estão hoje? Tudo certo? - Tia Agnes puxa uma cadeira para mim e então me entrega uma mamadeira cheia de leite morno.

      Agnes não é realmente nossa tia, ela é apenas uma velha amiga de minha mãe que está tão presente em nossas vidas que é como se fosse da família e, para ser bem honesta, nos últimos meses ela tem cuidado mais de mim e de Lou do que Ingrid.

      - Estamos bem. - Digo, enquanto Louise mama, feliz, em meu colo. - E a senhora? Como estão as coisas no hospital? - Tia Agnes é enfermeira e, recentemente, começou a trabalhar no hospital da cidade.

      - Ah, está tudo indo bem, minha querida. - Minha tia sorri, colocando um prato de cheio de panquecas, bacon e frutas frescas com chantilly na mesa a minha frente, fazendo-me arregalar os olhos, surpresa e começar a rir.

      Temos uma tradição, eu e minha tia. No aniversário uma da outra, preparamos um café da manhã típico de alguma região do mundo onde a outra gostaria de ir. Hoje, minha tia fez meu café de aniversário baseando-se no café norte americano.

      - Feliz aniversário, minha querida. - Ela diz, acariciando minha bochecha com a mão e pegando Lou de me colo, para que eu fique livre para comer.

      Nas últimas semanas, ando tão ocupada que até mesmo me esqueci os dias, ou seja, nem lembrava que hoje estou completando dezesseis anos e, ai meu Deus, hoje eu começo a trabalhar na boate de meu pai como bartender.

      Meu pai começou a me ensinar a preparar drinks quando eu tinha doze anos... Ok, isso pode parecer estranho, mas eu sempre gostei. Não ficava experimentando, claro, mas lidar com bebidas alcoólicas, cubos de gelo, licores e diversas frutas sempre me fez relaxar, como se esse fosse o meu trabalho dos sonhos, mesmo quando eu tinha tão pouca idade. Leopoldo sempre me preparou para isso, sempre me preparou para começar a participar dos negócios da família.

      Negócios da família... Antigamente isso envolvia uma boate onde as pessoas podiam ir para dançar e se divertir com os amigos, agora significa uma boate de strip-tease, cheia de prostitutas e acompanhantes e, o que é ainda pior, um armazém que trabalha no fracionamento e distribuição de drogas.

      Mordo o lábio, girando um morango maduro em frente aos meus olhos e tentando não deixar minha tia notar o quão apreensiva estou com o que está por vir, mas ela é uma ótima profissional e consegue perceber meu desespero muito rápido.

      - O que foi? - Pergunta, balançando uma Louise adormecida em seu colo. - Algo está te preocupando, consigo ver isso nos seus olhos. - Suspiro.

      - Hoje estou fazendo dezesseis anos. - Inicialmente tia Agnes apenas me encara, sem saber do que estou falando, mas então a compreensão toma conta de seu rosto e ela fica assustada.

      - Acho que é uma má ideia, Cami, você sabe. - Empurro o prato de comida, praticamente intocada, para longe, enjoada. - Você tem apenas dezesseis anos e lá há muitos homens bêbados e... Só não acho que seja uma boa ideia meu amor. - Ela diz, enquanto acaricia a bochecha de Louise com a ponta de seus dedos.

      Eu não quero fazer isso, não quero ir para a boate de meu pai, que está mais para um cabaré, mas sei que realmente preciso ir. Não pelo meu bem, pois é certo que ele achará um motivo para me castigar mais tarde, mais sim por Louise, que dorme, alheia a tudo, no colo de Agnes.

      - Certo, você precisa ir, eu sei. - Ela suspira, adivinhando meus pensamentos. - Então eu vou junto. - Minha tia é um amor, atenciosa e carinhosa, está sempre do nosso lado, mas parece que ela não entende como as coisas funcionam aqui em casa.

      - Não, preciso fazer isso sozinha. - Ela abre a boca para protestar, mas eu aponto para o bebê adormecido em seu colo. - Se quiser me ajudar, cuide dela. Fique com Lou e não deixe que a puta viciada que está dormindo no sofá a machuque. - Agnes suspira, olhando em direção ao sofá onde minha mãe viaja, alegremente, cantando uma cantiga de ninar.

      - Sua mãe nem sempre foi assim, Cami. - Suspiro, pois lembro muito bem de como ela era, mas, nesse momento, tudo o que consigo pensar é no momento em que ela me abandonou e preferiu se refugiar no mundo entorpecido pelas drogas que ela usa com tanta frequência.

      - Sim, eu também me lembro de como ela era. - Digo, levantando-me e levando meu prato até a pia. - Aquilo era um sonho, no entanto, um belo sonho, mas agora estou vivendo a realidade, tia Agnes.

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