OLIVER
OLIVER
Por: Déia
Capítulo 1

Eram três horas da madrugada e Christian bebia desde o anoitecer. Dispensando o copo, ele agora bebia diretamente da garrafa, e um tremor involuntário percorreu todo o seu corpo enquanto o uísque descia como uma bola de fogo até o seu estômago vazio.

Limpando a boca com o dorso da mão, Christian se perguntou por que ainda não estava completamente bêbado. Deveria estar, julgando pela garrafa quase vazia. O álcool sempre foi capaz de afogar as suas mágoas e apagar da sua mente qualquer raciocínio coerente.

Mas o efeito desejado não aparecia. Christian fechou os olhos, e apesar de uma leve tontura, as lembranças do funeral do seu filho lhe afloraram na mente com nitidez.

Embora já tenha passado três anos, Christian ainda revive aquele dia fatídico como se dormisse e acordasse dentro de um pesadelo sem fim.

Gabriel tinha apenas cinco anos quando foi diagnosticado com leucemia aguda. Depois de dois meses de hospitais, internações, exames, quimioterapia, seringas e agulhas, seu filho não resistiu.

Christian bebeu o resto do uísque e olhou para a garrafa vazia em suas mãos. As mesmas mãos que tocaram o rosto frio e sem vida de Gabriel. O fardo negro da tristeza é duro de carregar.

É duro porque ninguém entende a sua dor. As pessoas entenderam no início. Entenderam no funeral. Entenderam ao lado da sepultura. Mas não entendem agora. A dor permanece.

Tão silenciosas quanto uma nuvem que se coloca entre Christian e o sol da tarde, as lembranças o deixam em uma sombra fria.

E mais do que lembranças, ele está lidando com amanhãs não vividos. Christian está lutando contra a tristeza, o desapontamento e a raiva. Raiva de si mesmo. Raiva da vida. E acima de tudo, raiva de Deus. Por que o seu filho?

Sabendo que nunca terá uma resposta, Christian colocou a garrafa de lado e deitou no sofá. Ele dormiu sem tomar banho, sem jantar e sem tirar a farda ou a arma da cintura.

No quarto do casal, Melissa, ou apenas Mel, não estranhou a ausência do marido alcoólatra. Ela até prefere não compartilhar a mesma cama com Christian.

Aos 30 anos, Mel é advogada criminalista e trabalha em um dos maiores escritórios de advocacia de Los Angeles. Ela possui um grande círculo de amizades e seus pais moram em Long Beach e a visitam com frequência.

Bonita, inteligente e bem sucedida, Mel se sente cada vez mais infeliz. Muito antes de Gabriel ficar doente, ela e Christian já não compartilhavam dos mesmos sentimentos como marido e mulher. Com a morte do filho, Mel sepultou uma parte de si mesma.

Eles ainda continuam dividindo o mesmo teto porque nenhum dos dois quer abrir mão do confortável apartamento que conquistaram com muito esforço e trabalho duro.

Então, até que cheguem a um acordo que seja bom para ambas as partes, terão que se suportar. Nenhum dos dois quer sair de casa, entrar em uma disputa judicial ou vender o imóvel e dividir o dinheiro.

O casal está vivendo de passado, de lembranças. O quarto de Gabriel permanece intacto, como se ele fosse voltar a qualquer momento.

Enquanto esperam por alguém que não vai voltar, Christian e Mel estam se afogando em um mar de dor e sofrimento.

Christian acordou com dor de cabeça, dor no corpo e para variar, de mau humor. Ele tomou um longo banho, vestiu um uniforme limpo, colocou a arma no coldre e foi para a cozinha tomar café da manhã.

Seu uniforme policial é azul marinho com sapatos pretos, colete, arma, munição, algema e o rádio comunicador da polícia.

Mel apenas olhou para ele por cima da xícara de café. Como sempre ela estava impecável. O cabelo castanho escuro estava solto, cuidadosamente penteado para trás, a maquiagem leve realçava seus expressivos olhos castanhos, nariz delicado e lábios carnudos. A pele cor de mel, lisa e sem imperfeições, tinha um leve brilho acetinado.

O terno cinza claro feito sob medida, e a camisa social branca, lhe conferia elegância, beleza e poder. Mel é uma linda mulher, além de culta e sofisticada.

Christian puxou uma cadeira e sentou de frente para a esposa. O sol da manhã entrava pelas janelas de vidro da sala de estar, tornando o ambiente quente e acolhedor. Porém, o clima tenso não deu lugar a dádiva de apreciar um novo amanhecer.

Christian se serviu de uma xícara de café e olhou em volta.

- Cadê o pão de forma?

- Acabou. - Mel respondeu secamente.

Christian parou a xícara de café a caminho da boca, e lentamente, a colocou de volta sobre o pires.

Ele franziu a testa negra e estreitou os olhos escuros.

- É seu dever fazer as compras para dentro de casa.

- Eu avisei ontem que tinha acabado.

- Eu trabalho o dia inteiro e não tenho tempo para passar no mercado.

- O pão de forma não fica muito longe da seção de bebidas.

Christian recostou na cadeira e olhou para a esposa com desdém.

- Então é isso? Se eu posso comprar bebidas, eu posso comprar a minha própria comida?

- Eu também trabalho o dia inteiro.

- Sentada em um escritório com ar condicionado e com uma secretária que lambe o chão que você pisa.

- Não menospreze a mim ou ao meu trabalho, Christian. Você pode estar na linha de frente, mas eu também enfrento criminosos nos tribunais por horas a fio.

Pensativo, Christian tambolirou os dedos longos sobre a mesa. Ele não desviou o olhar.

- Não teste a minha paciência, Mel.

- Ou o quê? Não tente me intimidar, eu não vou ceder tão facilmente.

Por alguns segundos, Christian e Mel travaram uma guerra silenciosa, trocando olhares ameaçadores. Nunca chegaram as vias de fato, mas isso não estava muito longe de acontecer.

Temendo perder o controle e acabar dando uns tapas na esposa, Christian afastou a cadeira ruidosamente, pegou a chave da Land Rover preta que estava em cima do aparador e disse sério:

- Alguém vai acabar se machucando.

Mel viu Christian sair de casa e bater a porta com força. Não foi uma indireta. Foi uma ameaça tão clara quanto a luz de um novo dia.


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