5. Meu bebê

Dois dias se passaram e Luciana não teve problemas com Alexander. Ele foi puxado várias vezes até onde Brittany estava e se manteve ocupado o suficiente para não aborrecer ninguém.

Luciana foi matriculada em São Marcos e aquele seria seu primeiro dia de aula. Kimberly também estudaria no mesmo colégio, mas não significava que elas iriam juntas nem que se sentariam ao lado da outra na cantina ou que sequer trocariam uma palavra, porque Kimberly tinha vergonha de dizer que era “irmã” de Luciana.

 Luciana sempre acabava chamando mais atenção para si do que pretendia e isso incomodava alguém como Kimberly, que só queria ficar na dela e ser minimamente notada.

Luciana se levantou sobressaltada quando o despertador a acordou. Levou uns cinco minutos para se acalmar. Ela ficou sentada na cama, encarando o closet, até se levantar. 

Quando colocou os pés no chão, teve medo que duas mãos geladas saíssem debaixo da cama e agarrassem seus tornozelos, a derrubando e a puxando para um lugar escuro. Isso fez ela se afastar da cama, apressada. Ela ainda ficou parada no meio do quarto, até se lembrar que era o seu primeiro dia de aula.

— Droga! — Ela se esqueceu do medo e foi até o closet. Pegou seu uniforme e o colocou em cima da cama. Depois, foi para o banheiro e tomou um banho rápido. Enrolou-se na toalha e voltou para o quarto.

Quando estava a ponto de se desenrolar da toalha, lembrou-se que havia um fantasma ali e ficou vermelha. Não poderia deixá-lo vê-la nua. Se vestiu sem tirar a toalha de seu corpo. Primeiro, o sutiã e a blusa, depois a calcinha e a saia e só depois é que puxou com dificuldade a toalha. Então, calçou suas meias ¾ e suas sapatilhas. Colocou uma boina vermelha na cabeça, pegou sua mochila rosa com corações e um chaveiro do Mickey e desceu para tomar café. 

Luciana sabia que os outros a zoariam por ela ir de uniforme no primeiro dia de aula e por seus materiais escolares serem fofos demais, mas não estava nem aí. Repetiria seu mantra: “Eles me olham porque me admiram, riem porque não compreendem isso”.

— Está cheio de tralhas no sótão. — Falou Andréa enquanto servia ovos mexidos com bacon a Luciana. — Alguém tem de limpar aquela bagunça e não serei eu.

 Luciana sabia que quando sua mãe falava assim, era porque estava lhe dando um dever.

— Ouviu, né? Kim? — Falou Luíza.

Kimberly deu de ombros e continuou mexendo no celular.

— As duas vão limpar o sótão. — Falou Andréa com ciúmes por Luíza sempre defender Luciana.

— Nem pensar. — Disse Luciana — Eu morro de medo de sótãos. Eles sempre são assombrados.

— Fantasmas não existem. Está tudo na sua cabeça, Lucy. — Falou Andréa. — Aposto que Stephen King era como você, antes de começar a escrever.

— Mãe, só porque você gosta de escrever, não quer dizer que eu também deva. Prefiro ler a escrever. — Falou Luciana.

— Ainda acho que deveria escrever um livro sobre você mesma. Seria fascinante e aposto como teríamos um retorno favorável. — Falou Andréa.

— Quem escreve sobre si mesmo é presunçoso ou carente de atenção, e eu não sou nenhuma coisa nem outra. — Falou Luciana.

— Presunçosa não, mas carente de atenção… — Falou Kimberly comprimindo um riso.

Luciana se aborreceu com aquele comentário. Levantou-se e beijou Emilie e Luíza.

— Vou indo…

— Mas você nem tomou o seu café… — Falou Andréa chateada.

— Como alguma coisa no caminho. Obrigada. — Luciana saiu sem se despedir de Andréa.

— É incrível como ela sempre ignora tudo o que digo a ela. Droga. Eu sou a mãe dela e só quero o melhor para ela. Por que ela não entende isso? — Queixou-se Andréa sentando-se no lugar onde antes, estava Luciana.

— É a dádiva de se ter duas mães… — Disse Kimberly. — Quando uma te bate, a outra passa a mão na sua cabeça. — Kimberly também se levantou e saiu.

— Amor, eu… — Luíza tocou o braço de Andréa.

— A Kim está certa. Eu sou a mãe que bate e você a que agrada. — Falou Andréa.

— Eu acho que é o contrário. — Disse Luíza rindo. — Não vê como a Kim prefere você a mim? Acho que devíamos trocar. Você me dá a Lucy e eu te dou a Kim.

Andréa riu.

— Acho que não seria má ideia. — Ela disse tocando a mão de Luíza.

                                          † † †

No caminho para o colégio, Luciana entrou em um café e pediu uma rosquinha com café. Depois foi para o colégio. Não perdeu tempo e foi direto para a sala onde aconteceria sua primeira aula. Sentou-se no fundo da sala. Colocou seus fones e pegou o livro “Pesadelos e paisagens noturnas”, de Stephen King e retomou sua leitura de onde havia parado, o conto chamado “As Pessoas Das Dez Horas”. 

                                         † † †

Alta, loira, bela e sexy… Essa era Lizzie Dornelles, a garota mais popular de São Marcos. Ao lado de suas fiéis seguidoras, Nancy e Pagie, desfilava imponente pelos corredores. Todos saiam da frente quando ela passava e a olhavam com um misto de admiração, inveja, desejo e ódio. O que Lizzie tinha de bela, tinha de perversa. Sempre conseguia tudo o que queria e se alguma vez, algo ameaçasse fugir de seu controle, encontrava uma forma de fazer as coisas voltarem aos eixos. Sempre assim, sempre do jeito de Lizzie. 

Uma aluna nova, sem querer, esbarrou em Lizzie. Isso foi o bastante para deixá-la enfurecida, mesmo a novata se desculpando.

— Qual é a sua? Perdeu a noção do perigo, é isso?! — Disse Lizzie.

— Me desculpe, eu… — A garota negra, com olhos e cabelos castanhos se irritou de repente. — Não. Quer saber? Você deveria olhar por onde anda.

— Como é? — Falou Lizzie.

 Aquela novata estava, mesmo a desafiando, era isso?

— É isso mesmo o que ouviu. Eu já me desculpei, mas se não quer aceitar minhas desculpas, vai a merda. Não vou perder meu tempo com uma metidinha como você. — A garota deu as costas, mas antes que se afastasse, sentiu a loira a segurando pelo braço com força e a virando para o seu lado.

— Não seja petulante! Não pode falar assim comigo. Não tem ideia de quem sou! — Disse Lizzie.

A essa altura, alguns alunos já tinham parado para prestar atenção na confusão.

— Me solta! — A novata empurrou a loira e se afastou, indo embora.

— Vai aprender uma lição, garotinha… — Falou Lizzie com um brilho malicioso no olhar enquanto a outra se afastava.

                                            † † †

Com muito custo, Brittany Little conseguiu convencer sua mãe a matriculá-la em São Marcos. Brittany estava feliz por poder estudar onde Alexander estudou, mas não estava ali apenas para sentir na pele tudo o que ele sentiu ou se aproximar de seus velhos amigos e sim para descobrir o que realmente aconteceu, naquela manhã de dezesseis de abril de 2014 no porão do colégio.

Brittany ainda se lembrava daquela manhã horrível como se fosse ontem. Ela não estava no colégio interno só para garotas onde estudava porque não vinha se sentindo bem nos últimos dias, desmaiara algumas vezes e ficara enjoada tantas outras. Ela suspeitava qual era a causa de seu mal estar, mas tinha medo de que fosse verdade. Seria horrível! Sua mãe a mataria! Brittany foi até a farmácia e no caminho de volta para a casa começou a chover. Ela ficou ensopada. Quando voltou se trancou no banheiro e fez o teste de gravidez. Ela chorou e riu ao mesmo tempo em um misto de alegria e tristeza.

Brittany trocou de roupa e parou em frente ao espelho de corpo inteiro que tinha em seu quarto, observando com atenção seu reflexo. Ainda não dava para notar porque era cedo, mas logo, sua barriga cresceria e ela não poderia esconder por muito tempo que estava grávida. 

Estava com medo, mas tinha certeza de que queria aquela criança. Precisava pedir a Christopher para marcar um encontro com Alexander na casa dele para lhe contar a novidade. Como Alex reagiria? Brittany ficava nervosa só de imaginar, mas, no fundo, tinha certeza de que o ruivo não daria para trás em um só momento e assumiria a criança. Ele vivia dizendo que se um dia, tivesse um filho, nunca o abandonaria como sua mãe fora forçada a fazer. 

O problema para Brittany seria enfrentar sua mãe. Ela odiava Alexander e o mataria se soubesse que ele engravidara sua filha. 

Talvez, Brittany tivesse que fugir para longe com ou sem Alexander. Ela poderia ser garçonete em alguma lanchonete de estrada, juntar uns trocados e alugar um quarto decadente. É… Não era a vida dos sonhos, mas ela estaria com seu bebê e com muita sorte, com Alexander, também.

— Não é tão ruim quanto parece, “Brit”. Seja corajosa! Pelo seu bebê! — Disse ela a si mesma, alisando sua barriga.

O celular tocou. Brittany correu para pegá-lo em cima do criado-mudo. Era Iris, a irmã de Alexander. Brittany e ela não se davam mal, mas também não se davam bem. Não eram amigas, mas também não eram inimigas. Pareciam duas colegas de colégio que não eram suficientemente íntimas para trocarem confidências, mas que ainda assim, mantinham uma boa convivência porque era o que se esperava de boas garotas, mesmo morando juntas.

— Alô? — Disse Brittany com a voz baixa, sem o mínimo de animação.

— Onde você está Brit? Precisa vir para cá, agora. É o Alex… Ele… Ele… — Iris não estava chorando, mas parecia muito abalada e sua voz falhava.

— O que tem o Alex? Aconteceu alguma coisa com ele? Pelo amor de deus! Iris, me fale? O Alex está bem? — Disse Brittany nervosa.

— Não. Eu acho que ele está morto! Sinto muito… — Disse Iris e a ligação caiu.

— O quê? Iris? — Brittany tremia tanto que deixou o celular cair de sua mão. Não podia ser verdade! Alexander não podia estar morto! Aquilo era um engano! Tinha de ser!

Brittany saiu de casa, correndo. Ainda chovia, mas uma garoa fina, agora. O colégio não ficava mais que duas quadras de sua casa. Brittany logo chegou e percebeu um tumulto na frente do colégio.

 Uma ambulância se afastava e viaturas estacionavam de qualquer jeito no meio-fio. Brittany tentou passar pelos portões, mas os policiais não deixaram. Ela gritou com eles e acabou dando um chute em um deles e arranhando a cara do outro. Eles tentaram levá-la para a viatura, mas o time de basquete começou a fazer arruaça. Os policiais tiveram de soltar a garota para pôr um fim a anarquia que se formava.

    Brittany deu a volta e foi para os fundos do colégio. Os portões não estavam sob vigilância, mas estavam fechados, acorrentados e cadeados. Brittany se atirou contra os portões em um acesso de raiva e esmurrou e chutou eles, soltando altos palavrões. Parou quando se deu conta de aquilo era inútil. Então se afastou e tentou escalar os muros. 

Nas três primeiras tentativas, ela fracassou feio, se arranhando e escorregando. Mas por fim, conseguiu subir no muro. Olhou para baixo e percebeu que era mais alto do que ela calculara. Porém, ela não se permitiria desistir. Lembrou-se das vezes em que vira Alexander pulando o muro e tentou imitá-lo. Segurou com força o topo, jogou o corpo para o outro lado e tentou descer devagar. Não deu muito certo e ela caiu. Machucou os braços. Arranhou a face esquerda e torceu o pulso esquerdo. Na hora se desesperou ao se lembrar que estava grávida e que com aquela queda, poderia ter perdido o bebê. Mas quando se lembrou de Alexander, encontrou forças para se levantar e sair correndo.

Quando chegou no pátio, havia outro tumulto. Ela passou, empurrando todos que estavam em seu caminho. Gritando sem parar por Alexander. Iris veio ao seu encontro.

— Onde ele está? — Brittany perguntou.

— No porão… Ele está no porão. — Respondeu Iris. Brittany a empurrou e foi correndo para o porão. Encontrou Christopher tentando passar pelos policiais

— Alex não pode estar morto! — Gritou Brittany, chorando, também tentando passar pelos policiais.

— Não. Meu deus! Não! — Repetia Christopher atormentado.

Brittany nunca viu Christopher tão desesperado quanto agora… Ele sentiam a mesma dor. Aquilo comoveu Brittany e ela se aproximou de Christopher e o abraçou forte.

— Quem faria uma coisa dessas, Brit? Quem? — Inquiriu Christopher.

— Eu não sei, mas juro que vou descobrir. — Falou Brittany.

Um mês depois, Brittany procurou Christopher e contou-lhe que estava grávida e que o pai era Alexander. Christopher chorou emocionado e tocou a barriga dela, dizendo:

— Alex se foi, mas nos deixou um presente.

— Eu preciso da sua ajuda, Chris. Preciso fugir antes que minha mãe descubra que estou grávida. Estudo em um colégio interno onde só tem garotas. Os únicos garotos que conheço são Alex e você. Ela vai saber que ele é o pai e vai tentar me obrigar a tirar o bebê. Eu não quero isso! Esse filho é tudo o que me restou do Alex. Eu o amava mais que tudo! Você sabe disso! — Falou Brittany chorando.

Sim. Christopher sabia que seu melhor amigo vivia um romance proibido com sua irmã de criação e sempre acobertou as escapadas deles.

— Você não pode fugir nesse estado, Brit. Além do mais, é menor de idade. Confie em mim, você não vai muito longe. — Falou Christopher.

— Não posso ficar e encarar a minha mãe! Chris, você não a conhece. Ela não é como as outras mães… É um monstro. Se visse as coisas horríveis que ele fez com Alex quando ele era só um menino, entenderia que esse bebê corre perigo. — Falou Brittany.

— Me deixe falar com ela? Fugir não é a solução. Alex fugiu e… Veja como ele terminou. Por favor? Brit, não seja imprudente. — Falou Christopher segurando as mãos dela.

— Nada do que você disser vai adiantar. — Falou Brittany.

— Vamos ver… — Disse Christopher e naquela noite foi até a casa de Brittany falar com a mãe e o padrasto dela.

Brittany ficou muda quando ouviu o que Christopher dissera. Ela não imaginava que ele pudesse ser capaz de fazer aquilo.

— Você... O quê?! — Disse Eva encarando Christopher com uma expressão que era um misto de surpresa, raiva e desapontamento.

— Foi isso mesmo o que a senhora ouviu, eu engravidei sua filha. — Disse Christopher.

— Meu deus! Edward, diga alguma coisa! — Falou Eva  batendo no ombro do marido para tirá-lo do transe em que se encontrava.

Edward Grant levantou-se e se aproximou de Christopher que se levantou e o encarou, esperando ser xingado e agredido. Mas o senhor Grant surpreendeu a todos naquela sala, quando abraçou o rapaz, emocionado.

— Bem-vindo a família, meu filho.

Christopher sentiu pena do senhor Grant. Ele estava tão arrasado desde a morte de seu filho que já não se importava com mais nada. Nem mesmo com a honra da garota que ele criou como sua filha.

— Mas que absurdo! — Falou Eva indignada.

— Oh, meu deus! Eu vou ser titia! — Disse Iris animada e abraçou Brittany.

Brittany não esperava aquele abraço e achou desnecessário, mas Iris nunca se tocava quando era inconveniente. Até parecia fazer de propósito.

Eva acabou aceitando a gravidez da filha porque Christopher pertencia a uma família nobre. Ela tentou obrigá-lo a se casar com Brittany com o pretexto de que queria evitar um escândalo, mas Adam a convenceu de que eles deveria terminar o colegial primeiro. Christopher registrou a criança como sua e Adam acertou com Eva, o valor de uma pensão.

Foi o maior escândalo entre os amigos e conhecidos de ambas as famílias, especialmente, quando Brittany foi expulsa do colégio interno por estar grávida e passou a estudar em casa. Mas, depois tudo se acalmou. Principalmente, quando Jake Hawley desapareceu.

Agora, Brittany se sentia velha demais enquanto andava naqueles corredores entre adolescentes de verdade que não tinham maiores preocupações, senão espinhas e namorados.

— Com licença? Posso ajudar? Está perdida? — Brittany se virou e deu de cara com um louro bronzeado, com belos olhos azuis e cabelos à altura dos ombros, que estavam presos por um elástico. 

Brittany se sentiu como uma garota comum de repente. Sorriu e respondeu ao estranho:

— Sim. Eu… Preciso encontrar essa sala… — Ela lhe mostrou a sua grade de horários e aulas.

— Humm… Sorte sua. É a minha sala, gatinha. — Falou o louro sorrindo. — Qual o seu nome?

— Brittany… Little.

— Sou Aaron. — Ele estendeu a mão a ela. — Vem comigo? Eu te levo até a sala.

— Obrigada. — Brittany pegou a mão dele e o seguiu.

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