Julgamento

TALVEZ já passasse das 19h00. Mainha chegaria do trabalho a qualquer momento. Eu tinha colocado um pouco de café na xícara, esperando que o líquido preto despertasse o meu corpo, inerte. Meus punhos, avermelhados, latejavam a cada mínimo esforço. 

Eu nunca tinha tido a coragem de contar sobre o meu passado para alguém. Mesmo Cleo e Dona Luci, que eram duas das pessoas que eu mais confiava no mundo, ainda assim, nunca tive coragem de contá-las. Sempre me pareceu errado conversar sobre esse assunto com alguém. Eu tinha medo de ser julgada. Medo que alguém me questionasse por eu ter me calado na época. 

Eu comecei a escrever no caderno dos medos aos doze anos. Trezentas páginas quase que findadas por pesadelos e mais pesadelos. Muitos deles contados e recontados em intervalos de tempo diferentes. Eu sequer o lia em voz alta. Porque dizer as palavras tornava tudo ainda mais real. “Abusada sexualmente”. “Estuprada”. “Molestada”. São termos que você utiliza para se referir
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