Melissa

Sabe quando você sente que tudo que você acredita, todas suas crenças, vontades e medos se unem transformando-se em um só? É dessa forma que estou me sentindo nesse carro, enquanto observo as plantações por onde nós passamos, meus pensamentos voam longe... estou de frente para o desconhecido, este é outro lugar, outras pessoas, tudo "novo" e estou com tanto medo de não saber lidar, medo de passar uma visão errada sobre quem sou.

— Chegamos. — ouço papai tirando-me do meu devaneio.

— Como? — questiono ao perceber que estamos praticamente no meio do nada.

— Os carros não podem atravessar a água, precisamos pegar a balsa. — disse como se fosse óbvio, e verdade até era.

— Benzinho, você não me disse nada sobre balsa… benzinho, ah mas que droga. — retira os sapatos Gucci do pé e corre em pequenos pulinhos rumo ao meu pai. 

Caminho em passos lentos até eles, meu pai me entrega uma mochila e uma mala, ficando encarregado de carregar todo resto.

Em no máximo trinta minutos estamos de frente a casa da vovó… respiro fundo e dou um passo adiante, é tão difícil estar aqui novamente, a última vez em que vim minha mãe estava junto.

E para ser sincera não tenho quase nada de lembranças, nem do lugar e nem das pessoas.

— Ai meu Deus…— ouço uma voz rouca e sorrio sabendo de quem se tratava. — Melissa você está enorme! — disse vovó vindo ao meu encontro.

— Tudo bem vovó? 

Eu gostava dela, lembro-me que sempre foi muito carinhosa e dedicada para comigo. Um dos meus maiores arrependimentos, com certeza, foi o fato de passar tantos anos sem visitá-la.

— Tudo sim minha menina, estou tão feliz de tê-la aqui. — dou um sorriso simpático à minha avó e finalmente tomo coragem para entrar.

Não tenho certeza, mas acho que não mudou quase nada desde a última vez que estive aqui. As paredes continuavam com seu lindo tom rústico, e a lareira ainda me remetia a sensação de estar em casa.

— Espero que tenha trago agasalhos, aqui pode fazer muito frio no inverno minha querida.

— Acho que essa super lareira é capaz de me aquecer. — respondo minha avó com um sorriso brincalhão.

— Não gostaria de ver seu quarto? — perguntou empolgada.

Não pude deixar de sorrir, era fofo.

— Oh, claro vovó, pode ser.

— Meu filho bem vindo de volta, e Daniela fique a vontade. — disse antes de nos retirarmos.

Subi as escadas e entrei no corredor, a terceira porta à direita era a do meu quarto, essa casa é tão grande que tive medo de me perder. 

Dona Selena, minha avó, abriu a porta e me deu passagem, entrei em passos lentos e olhei tudo ao meu redor. O quarto também tinha uma pegada meio rústica, uma enorme cama de casal e uma lareira só para mim.

— Bom, não sabíamos o seu gosto, por isso deixamos assim, mas se você quiser decorar não tem problema algum.

— Está perfeito como está! — Eu não menti, o quarto era lindo.

Talvez eu preferisse um rosa Pink ou algo do tipo, mas não me importava o tom rústico.

— Que bom que gostou… sua mãe amava esse quarto.

— Minha mãe? — perguntei interessada.

— Ela costumava dormir aqui quando brigava com seu pai. Acho que vocês têm muito em comum. — sorri tímida.

— Vó?

— Sim querida?

— Fala mais da minha mãe… por favor. — sussurrei a última parte.

— Ela era muito simpática, carinhosa e educada. — eu prestava atenção em cada palavra. 

— Pode descrevê-la fisicamente? — perguntei ansiosa e vejo vovó assentindo.

— Vou fazer melhor. — caminhou até a cômoda que ainda não tinha notado e abriu a gaveta, tirando de lá um porta retrato. — Essa era sua mãe.

Olhei fixamente para a foto, minha mãe tinha os cabelos chocolates e olhos claros como eu, uma boca carnuda e avermelhada de dar inveja em qualquer uma. Meus olhos lacrimejaram instantemente.

— Ela te amava tanto, cuidava dessa família como ninguém.

— Obrigava vovó, eu não conseguia lembrar do rosto dela e sentia que estava a traindo por isso.

— Fica com a foto, é sua agora — sentou ao meu lado na cama. — As coisas não têm sido fáceis, né? Com Daniela e o seu pai?

— Ela acha que pode tomar o lugar da minha mãe, e ele está vendo isso e não faz nada vovó.

Eu queria a felicidade do meu pai, sei que minha mãe não irá voltar e sei que ele tem o direito de refazer sua vida. Mas também sei que Daniela não é a mulher adequada para ele.

Papai tem focos e objetivos, é um homem sério. Já Daniela é uma mulher fútil e preguiçosa.

Poderia fazer um esforço de tentar engoli-la para o bem estar de meu pai, mas ela não faz por onde… sempre se metendo onde não é chamada, sempre querendo mandar em minha vida.

É quase que impossível ter uma relação saudável com Daniela.

— Vai ficar tudo bem querida, pode demorar mais ele vai perceber e enquanto ele não percebe você tem um lar aqui. — disse segurando em minhas mãos.

— Obrigada vovó…

— Agora limpe as lágrimas e vamos descer, minha barriga já está roncando.

Solto uma risada limpando as lágrimas, e desço com minha avó.

Do alto da escada percebo meu pai, sua noiva e um outro homem conversando. Ao perceberem minha presença olham para mim acompanhando meus passos, me sinto como um ET diante de tantos olhos.

Quando chego no fim da escada meu pai diz

— Esse é o Chris, seu tio, lembra dele? — assenti sem graça.

Não eu não lembrava dele, talvez lembrasse de sua existência mas não de sua aparência.

— Você cresceu. — olhou-me de cima a baixo e me deu a mão em cumprimento.

 

Quando minha mão tocou a sua, senti uma corrente elétrica passando pelo meu corpo instantemente meus pelos se arrepiaram

— Vamos almoçar, se não a vovó não aguenta.

Dona Selena, a única realmente interessada em quebrar o gelo.

Papai estava bravo e suas expressões não negavam, Daniela mais parecia uma cadelinha obedecendo todos os comandos de seu dono.

E o homem que se diz meu tio observava-me sério, como se estivesse fazendo-me uma análise, e aquilo começava a me irritar.

Caminhamos para a sala de jantar e em poucos minutos o almoço foi servido.

— E então Melissa, irá passar uma temporada conosco? — perguntou Chris com um sorriso meio debochado.

— Parece que sim… — digo sem dar muita importância.

— E o casamento irmão? Quando sai? — engasgo com o suco que acabava de tomar, o mesmo me olhou com um sorrisinho sacana, ele havia feito de propósito? — Tudo bem Melissa?

— Estou ótima. — respondo em tom rude.

— Que bom minha sobrinha, a última coisa que queremos é outro acidente, não é mesmo? — Eu havia sido alfinetada gratuitamente? Era isso mesmo?

— Nós não sabemos quando sai o casamento ainda Christopher. — papai olhou diretamente para mim, tenho certeza que a resposta foi encaminhada a mim e não a tio Chris.

— Não sabemos ainda, mas tenho certeza que agora não vai nos faltar tempo para conversar sobre, não é mesmo benzinho? 

— Claro!

Não, claro que não irá faltar tempo… afinal a pentelha estará bem longe para não atrapalhar.

— Soube que minha sobrinha não se dá muito bem com você Daniela. — a voz debochada de Christopher estava me deixando por um fio de explodir.

— Fique quieto seu fanfarrão e deixe de fazer intrigas — disse minha avó, depositando um tapa no braço do filho chato.

— Não estou fazendo intriga Dona Selena, eu apenas estou interessado em saber mais sobre minha sobrinha. — revirei os olhos.

Mas que cara arrogante e prepotente.

— Creio que Melissa e eu não tivemos tempo para nos conhecermos muito bem, mas tudo isso irá mudar com o casamento, não é mesmo querida?

Essa mulher já havia me comprado como pateta, sem condições. 

Passei a remexer a minha comida tentando não ligar para o que era dito à minha volta, até escutar minha avó tirando-me da minha bolha.

— E vocês já perguntaram o que a Melissa acha disso? — questionou sobre o casamento, então tive a certeza de que ela não foi com a cara de Daniela tanto quanto eu.

— Por mim tanto faz, afinal não vou estar lá mesmo. — disse dando de ombros.

Ali acabou a conversa, um silêncio horrível se fez presente até o final do almoço.

Algumas horas mais tarde, papai e Daniela avisaram que já estavam indo. Pensei que ficariam alguns dias, mas estava enganada. Não vou mentir que fiquei um pouco frustrada. Mas não vou me deixar levar, aqui começa uma nova vida e com uma nova vida novos desafios, não sei se estou pronta para enfrentá-los, mas sei que estou pronta para tentar.

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