CAPITULO 3

De maneira silenciosa e um tanto até graciosa ela rodeava o campo de força que separava suas terras daquele grupo, ali ela tudo via, tudo sabia, nada escapava dos seus olhos astutos e ameaçadores. Em suas quatro patas ela observava o grupo de pessoas que se aproximavam de maneira cabisbaixa, uma comitiva de lobos, humanos, ao qual ela se viu surpresa por ainda estarem vivos naquele mundo, havia também crianças, uma em particular era mestiça, ela podia dizer apenas por sentir o poder que crescia e circulava  de maneira feroz em seu sangue, peculiarmente havia uma bruxa entre eles ,supôs então que aquela seria a mãe da criança híbrida que era carregada por uma mulher de longos cabelos vermelhos.

A barreira era invisível, ela analisava a situação daquelas pessoas perguntando-se quem eram, de onde vinham, para onde iriam, e principalmente, o que havia acontecido para uma alcatéia inteira sair de seus domínios e entrar de maneira tão descuidada e desatenta em terras desconhecidas.

Estariam fugindo, haviam sido atacados? Sem dúvida nenhuma ,essa seria a explicação mais plausível. Por mais que não existissem conflitos com o mundo exterior, já que a barreira impedia os dois mundos de se comunicarem, ainda assim, havia desavenças entre as raças do mundo interior. Ela bem sabia o que esses conflitos poderiam fazer com uma alcateia.

Quem era ela para se envolver nisso, havia por muitos e muitos anos se mantido longe desse tipo de situação, fugindo das pessoas, do contato entre elas, da ligação que poderia ser estabelecida. Ali ela daria as costas e fingiria nunca ter visto aquele grupo de pessoas.

Faltava pouco para que eles atravessassem o linear que dividia as suas terras, a barreira estava ali; eles não poderiam ver e nem atravessar se assim ela não permitisse,e ela estava pronta para fazê-lo, tornaria sólido aquele campo de força e impediria a travessia daquela alcatéia, mas não o fez, o homem de cabelos brancos que era carregado a impediu.

Ela o conhecia, não, não era possível. Como poderia ele estar vivo depois de tanto tempo? Como ela não o encontrou? 

Olhando atentamente ela observou seu estado, febril, o cheiro de magia negra impregnando seu corpo chegava ao seu olfato aguçado, por um instante ela se preocupou, por um instante ela inclinou-se sobre as quatro patas e fez menção de ir ao seu socorro, assim como ele fazia consigo quando eram menores e ela se machucava. refreou-se num último instante de lucidez e decidiu não fazer nada, deixou que pisassem em suas terras, e que assim seguissem seu caminho, talvez assim seu coração inquieto e sua alma atormentada tivesse um pouco de paz.

(...) 

Estavam há muito tempo caminhando, sem perceber que a muito haviam sido observados. Há algumas horas haviam parado de correr ─ quando confirmaram que não estavam sendo seguidos ─, mas não diminuíram o passo, não poderiam descansar sem antes estarem todos seguros.

Tudo estava em um silêncio completo, Set andava cabisbaixo e extremamente preocupado, enquanto a matilha, estavam apáticos demais, em choque pelo massacre brutal. Estevan, que havia carregado Cassian, o lobo branco, desde a hora que haviam saído das terras Savages, cedeu e o entregou a Adriel, que o sustentava pelo ombro.

─ Ele já devia ter se curado ─ Lira comentou ao lado do marido, Estevan, chamando a atenção de todos.

─ Lira tem razão, já faz horas que estamos caminhando, o Sol já está escaldante e ele continua no mesmo estado ─ disse Estevan, fazendo todos pararem.

Íria Wild, uma loba e a marcada por Cassian, aproximou-se do mesmo com o filho de ambos nos braços, o pequeno Caspian, tocando a sua testa e constatando o quão quente estava.

─ Ele está queimando em febre ─ Ela disse assustada, sentindo seu peito apertar.

Set, que observava tudo meio perdido, recobrou a consciência, estava no comando ali, seu irmão havia confiado em si, não o decepcionaria.

─ Vamos procurar um lugar seguro, as crianças precisam comer e descansar, assim como os humanos e as mulheres grávidas... ─ Parou um instante ao lembrar de Oysis, mas logo continuou ─ Formaremos um círculo de proteção para proteger os pequenos, Carmenta dê uma olhada em Cassian e veja se ele está enfeitiçado.

A mulher de cabelos negros que parecia ter um planeta inteiro em seus olhos entregou o pequeno Caleb ao pai e foi em direção ao companheiro ferido,ela se concentrou em sua magia branca e a canalizou junto ao corpo do lobo. Se assustou com o que viu: magia negra espalhava-se por todo o seu corpo.

─ O que foi, Carmenta? ─ Íria a chamou, sentia-se agoniada, como se estivesse sufocando, sabia que essas sensações vinham de seu amado.

─ Magia negra está se espalhando pelo corpo dele. ─ A mulher que continha duas íris azuis em seus olhos disse com sua face transbordando preocupação.

─ Pode ajudá-lo? ─ Íria perguntou aflita.

─ Com o recurso que temos… não, preciso de ervas e ele precisa estar aquecido. No momento o que posso fazer é tentar injetar minha magia para evitar que a magia negra se espalhe mais, mas precisamos encontrar um local seguro, temo que se não os ajudarmos a tempo ele poderá morrer.

Todos ali prenderam a respiração. Cassian, é sem dúvida no meio deles, um dos lobos mais respeitados e fiéis à matilha, sem contar um ótimo amigo.

Set analisou a situação, os alimentos e a água estavam no fim, logo não teriam o que dar para as crianças, e as mães não poderiam amamentar seus filhos sem estarem devidamente alimentadas. Além da falta de alimento, os cobertores eram necessários, humanos sentiam muito frio ao contrário dos lobos que tinham uma pele extremamente quente.

As mulheres haviam juntado poucas coisas para partir, enquanto os homens lutavam. Não havia tido tempo, o máximo que conseguiram coletar se resumia a frutas, verduras e alguns poucos alimentos não perecíveis. O foco principal foram as roupas para encobrir a nudez de seus marcados e de si próprias ao voltarem a forma humana, além de alimentos para as crianças, juntamente com água.

Alguns pequenos dormiam tranquilamente, sua linhagem Lycan os mantinham aquecidos, assim como Caspian, mas ao contrário dos outros, esse estava bastante acordado; com seus 6 anos, estava nos braços da mãe e encarava o pai que jazia no chão enquanto Carmenta fazia a transfusão. 

Já o pequeno Caleb, se mantinha quieto, mas sempre desperto a tudo ao redor com seus olhinhos estranhando todo o lugar. Um dos membros mais jovens da matilha, Noam ajudava sua marcada, Noori ─ está que vinha de uma longa linhagem lycan, mas que por ironia do destino havia nascido humana ─ a se sentar. A humana grávida dos seus 5 meses apresentava cansaço evidente, pois mesmo nas costas de Noam, o trajeto para si em cima de um lobo a deixará desconfortável e com um belo torcicolo.

Lira, uma loba de incríveis olhos verdes, cabelos loiros e marcada por Estevan, com seus poucos meses de gestação e uma das mais dispostas ali, fora a loba que ajudará na organização da fuga, na junção de alimentos e roupas, ela dividia-se entre os cuidados entre as crianças e se negava veemente quando Estevan queria levá-la em suas costas, ela retrucava dizendo que estava bem, deixando seu marido frustrado.

Os homens da matilha e algumas mulheres, entre eles: Set, o sucessor do Alfa; Estefano, o Beta terceiro em comando depois do sucessor do Alfa; Ettore, o antigo Alfa e pai do atual; também havia Estevan um dos lobos mais experientes em batalha; Cilene, a lady da alcateia; Adriel, o estrategista, e uma das mentes mais brilhantes da alcateia.

Todos os nomes citados se reuniam entre si para decidir o futuro dos membros da matilha, não podiam andar por aí vagando como também, em hipótese alguma, poderiam invadir e habitar territórios desconhecidos.

─ Não podemos andar por aí por muito tempo, precisamos nos estabelecer em algum lugar pelo menos até que Fenris e Oysis nos alcançarem ─ disse Stefano, atraindo a atenção de todos para si, inclusive a de Set.

─ Sim, as lobas e seus filhotes estão esgotados, assim como as humanas. Nós aguentamos por mais algum tempo, mas e quantos a elas? ─ indagou Ettore.

Entre os lobos e as lobas, humanos como as marcadas de , assim como Cilene, eram frágeis ao extremo. A lady, devido ao frio, tinha seu nariz avermelhado completamente irritado pelo prelúdio de uma gripe que virá.

─ Vamos procurar um lugar para que elas, pelo menos, possam dormir por algumas horas ─ disse a Lady.

─ Cassian também precisa de cuidados, precisamos de ervas medicinais e água suficiente para que Carmenta possa extrair toda magia negra, só infusões de magia branca não irão funcionar ─ Estefano, o Beta, completou.

Todos reunidos escutavam a sugestão da Lady e de Stefano, era o melhor a se fazer no momento. Todos olharam para Set aguardando ordens.

─ Procuraremos um lugar para descansar, já está de manhã, logo Fenris irá nos rastrear, e ele sim dará o veredito para o destino da matilha. ─ Set pontuou e todos concordaram.

─ Ele já deveria ter nos encontrado, será que aconteceu alguma coisa?

─ Não deveríamos voltar, quer dizer...alguns de nós, para averiguar?

Perguntaram Noam e Adriel com suas faces esbanjando preocupação.

─ A ordem foi clara: que nenhum de nós deveríamos voltar.

─ Sabe que, mesmo se quiséssemos, em hipótese alguma, podemos desobedecê-lo ─ Dessa vez foi o Beta Stefano que se pronunciou.

─ Mas não deixamos de perceber que ele já devia estar aqui. ─ Íria comentou.

─ Ora, e vocês queriam o quê? Oysis com aquele barrigão imenso ─ Gesticulou Lira, fazendo um formato de bola na barriga enquanto vociferava.

─ Sem contar as paradas para esvaziar a bexiga ─ gritou uma das mulheres da alcatéia ao ouvir a amiga escandalosa.

─ E a canseira que dá, principalmente por ser um bebê lobo ─ completou Lira, risonha.

─ E o desconforto de ser carregada, pelos Deuses ─ continuou Noori, enquanto fazia uma careta e segurava as costas, fazendo todos os presentes rirem.

A angústia que os consumia fora amenizando ao sentir o carinho e o amor que os rodeava, mas a preocupação por Oysis estava sempre lá, embora confiassem que seu Alfa a traria de volta.

Por hora eles não se entregaram a dor da perda, deixariam para lamentar os seus quando enfim estivessem seguros, para que assim a morte deles não tenha sido em vão.

─ Todos descansados? ─ ele perguntou ─ Hora de partir e procurar um lugar para acamparem até o Alfa e Oysis voltarem, até lá estaremos seguros. ─ Todos assentiram e seguiram viagem, não estavam felizes, muito longe disso, mas pelo menos estavam todos juntos, ou quase todos.

                           [...]

Não muito longe dali, Fenris e Deimos corriam seguindo o rastro da matilha, eles haviam ido longe, Fenris tinha que concordar. Em passadas ligeiras, os lobos de pelagem negra levantavam poeira ao passar.

─ Estamos perto, meu Alfa, o cheiro está ficando mais forte ─ avisou Deimos.

─ Sim, já consigo senti-los mais nitidamente ─ O Alfa o avisou ─ Eu não o perguntei, por que voltaste depois de tanto tempo?

Deimos havia migrado há muitos anos depois que sua marcada se foi. Fenris acompanhou a dor de seu tio de perto, eles eram muito apegados, Deimos sempre fora um lobo brincalhão, mas depois da morte de sua amada, seu coração escureceu, vivia sozinho pelos cantos, até que resolveu partir.

─ Falando assim penso até que não está feliz em me ver.

Ele ainda brincava, mas Fenris podia ver a muito que aquele lobo estava vazio, podia sentir através da ligação a dor cravada em suas entranhas, a angústia em cada poro de suas veias e a saudade que chegava a transbordar de tão sufocante. O mesmo vazio que agora preenchia seu ser, pela perda de tantos.

─ Eu só... Não esperava.

Deimos pode ver a preocupação por Oysis, a culpa estampada em sua voz e o medo da reação de todos pelo que aconteceu, conseguia sentir seu sobrinho aflito.

─ Senti que deveria voltar e bem... estou aqui.

Fenris sorriu pequeno, amargo. Sem mais conversas, eles aumentaram a velocidade, mas Fenris sentiu necessidade em dizer.

─ Bem-vindo de volta, você fez muita falta.

E por alguns instantes o peito de Deimos se encheu de calor como há muito tempo não acontecia, mesmo nas atuais circunstâncias ele se sentia em casa. Sentiu então a necessidade de dizer aquilo que seu amado sobrinho precisava ouvir.

─ Fenris, Não foi sua culpa.

Fenris, no entanto, não acreditava nisso.

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