Capítulo 4

STEPHAN

É o meu quinto cigarro no dia. Solto a fumaça pela boca e todo o meu rosto é coberto pela nuvem habitual de fumo. Olho pela janela, o sol está se pondo, a noite vem vindo e a sensação de solidão também se aproxima.

A porta do meu quarto se abre de repente e eu nem preciso prever quem é. Olho com ódio para Peter pelo seu atrevimento em vir até meu quarto, o espaço que deveria ser apenas meu, minha zona. Meu ambiente.

— O que você quer? — pergunto com um descaso evidente.

— Está mais calmo? Acha que podemos conversar agora?

— Nossas conversas nunca terminam bem, Peter. Eu sempre acabo socando você. — digo com austeridade. — Ainda quer conversar comigo?

Ignorando minhas expectativas, Peter entra em meu quarto, respondendo minha pergunta da forma que eu não esperava que respondesse.

Faço uma careta. Me volto para a varanda do quarto, solto a fumaça mais uma vez.

— Conheci sua mãe quando tinha sua idade.

— Não comece...

Me mostro desinteressado, embora falar sobre minha mãe seja um dos meus assuntos predileitos no mundo todo.

Não tenho a visão do rosto de Peter. Nem quero ter, visto que apenas a sua presença já me incomoda o suficiente. Encará-lo, olhos nos olhos, é ainda pior.

— Stephanie era doce, bonita e muito educada. Mas não foi isso que mais me encantou nela. O que me encantou foi a forma como ela cuidava da avó. Era como se fosse mãe dela. Ela fazia de um tudo pela avó. Quando nos conhecemos coincidentemente pelos corredores do hospital em que estava

visitando, me apaixonei imediatamente, Stephan.

Fico calado, ainda de costas. Quero parecer sem interesse, mas cada vez que ele toca no nome dela. Cada citação ou referência... tudo me faz querer saber mais. Tudo que se refere a minha amada mãe é, até de longe, a coisa mais interessante do mundo.

Peter continua.

— Stephanie foi de longe a mulher mais encantadora que conheci.

Se eu não conhecesse mesmo Peter, diria até que suas palavras chegam a parecer verídicas.

Mas sei quem Peter é. Infelizmente.

Ele é o cara que nos deixou.

Deixou minha mãe quando eu ainda nem havia nascido. Nada justifica o que sua ausência causou em mim. Nada justifica o quanto mamãe sofreu, dispondo apenas à de mim como uma espécie de sustento. Nada justifica sua partida. Nada justifica que ela não tenha sido amada pelo homem que ela amou até o último suspiro, ainda que ele não merecesse um por cento do seu sentimento. Nada justifica. Nada.

— Foi a mulher mais impossível também. — ele ri, e isso me irrita.

Não admito que Peter ria de minha mãe. Ele não tem o direito. Ele não possui essa pessoalidade. Não com ela.

— Ficamos juntos por meses. Um dia... depois que a avó de Stephanie faleceu, ela ficou perdida. Ela ficou completamente abalada. Me doía o coração vê-la daquela forma. Foi então que resolvi deixar a clínica de lado por uma semana. Partimos para uma fazenda de um amigo meu. Ficamos lá durante uma semana. Nos amamos por uma semana, Stephan... eu e sua mãe...

Meus olhos estão incendiando. Sinto uma lágrima escorrer e cerro meu punho contra o corrimão da varanda.

Me viro para Peter. Ele se assusta, arregala os olhos. Provavelmente esperava me abrandar com o conto de fadas estúpido que ele mesmo criou para se sentir menos culpado por ter nos deixado.

— Nunca mais abra a sua boca para falar da minha mãe, me ouviu bem?

Peter franze o cenho.

— Eu só... só estou falando para você como a conheci, que eu a amei, que Stephanie não foi só mais uma...

— Minha mãe morreu. — digo, firme. Sentindo uma dor fina crescer em meu peito. — E você a deixou infeliz por quinze anos. Você desapareceu da vida dela, você sequer esteve presente em minha vida quando era uma criança e precisava de uma figura paterna! Eu não confio em você! — rosno. — Você não é, nem nunca vai ser, um pai para mim, Peter. Entendeu? Nunca vai ser!

— É meu filho, Stephan... Ainda que você odeie que eu seja seu pai, é meu filho!

— Infelizmente partilhamos de um mesmo DNA, mas não sou como você. Nunca vou ser.

— Nunca diga nunca, Stephan. — ele diz e eu sinto que a cada minuto o odeio mais.

— Nesse caso, eu digo. Digo com toda a certeza. Cresci com a minha mãe. Aprendi a ser quem sou com ela. Quando tiver um filho, estarei presente em sua vivência desde o primeiro segundo. Nunca o deixarei. Nunca serei como você foi para mim! Eu juro, Peter! Eu juro!

Não tenho medo. Falo com toda a certeza que existe em mim. Não serei como Peter. Nunca. Sou melhor que isso. Sou melhor porque aprendi a ser melhor com Stephanie, a mulher que não foi apenas minha mãe, mas o pai que eu nunca tive, nem nunca terei.

Peter abre um sorriso murcho. Um sorriso estúpido. Sinto que ele está zombando de mim e isso me irrita. Porque pareço não me importar, mas me importo. Sempre me importo.

>>>

Decido andar pelas ruas sem rumo. Qualquer lugar me parece melhor do que estar numa casa compartilhada por alguém que eu abomino. O dia está frio. Coloco a mão no bolso da calça e continuo meu caminho qualquer com destino a lugar nenhum.

Coloco entre os dentes o sexto cigarro do dia. Acendo com meu isqueiro e solto a fumaça seguida de uma careta.

Há outras pessoas na rua. As gotas de chuva começam a cair. Primeiro devagar, em menos quantidade, depois, vai aumentando. Gradativamente.

Mulheres correm de um lado para o outro, desesperadas. Eu apenas sigo com meus passos lentos e despretenciosos, desfrutando da chuva aliviante que cai dos céus como uma espécie de dádiva.

Pessoas correm para dentro de algumas lojas numa tentativa estúpida de se proteger da chuva. Como se por um segundo isso as fizesse mal.

Reviro os olhos, irritado.

Um grupo de mais ou menos cinco garotas correm em minha direção e esbarram em mim. Praticamente me desequilibro, mas, por sorte, me mantenho de pé. Olho para frente e tudo que vejo é uma loja cheia de longos vestidos de noiva. Mais ao lado, através de uma bela vidraçaria, vejo ela.

Puta merda.

Vejo ela.

Puta merda.

Ela está de pé com um longo vestido branco, perfeito. Só não mais perfeito que ela. Há três mulheres sentadas à sua frente e parecem conversar qualquer coisa com ela. Qualquer coisa que a faz abrir um largo sorriso nos lábios.

Fico vidrado.

Não sei em quê devo acreditar. Destino ou coincidência. Ou qualquer coisa nesse sentido. Não sei se acredito em alguma dessas coisas, mas não posso negar que isso mexe comigo. Isso me confunde.

Quem é você, Lexie?

Por que você mexe tanto comigo?

Por que você vai casar?

Por que o destino ou o que quer que está fazendo isso conosco continua insistindo nisso, que, ao olhar de alguém sensato, não pode terminar bem?

Uma das mulheres que está à sua frente pede para que ela gire, sinalizando com os dedos. Lexie leva uma de suas mãos até o rosto, parece envergonhada. Ela ri fraco. Depois rodopia. E quando o faz, para seu giro exatamente quando nossos olhares se cruzam.

Ela arregala os olhos azuis.

Sua palidez aumenta e eu penso que ela vai cair a qualquer momento. E eu quero estar lá para segurá-la em meus braços.

Uma outra mulher olha para ela, segue seus olhos e olha para mim. É a única a perceber essa pequena confusão entre nós. A mulher se levanta, puxa Lexie para frente e toca seu rosto. Não sei o que está dizendo, mas sei que é qualquer coisa que possa amenizar a tensão presente no corpo de Lexie.

Posso ficar o restante do dia aqui, admirando sua beleza.

Comecei caminhando sem rumo, agora acho que encontrei meu destino final.

>>>

Estou escondido atrás de um banner gigante de uma loja. Vejo quando as três mulheres que acompanhavam Lexie saem da loja que estavam e partem para a da frente. Para minha surpresa, no entanto, Lexie não sai de lá.

Espero alguns segundos até que decido me aproximar. Entro na loja com velocidade. Varro meus olhos por todo o local e não vejo vestígio algum dela. Uma jovem mulher, provavelmente funcionária da loja, aproxima-se de mim.

— Posso ajudá-lo, senhor?

Eu pondero por alguns segundos ainda vasculhando a loja a procura de Lexie.

Nego, balançando a cabeça.

— Eu... só... só estou dando uma olhada mesmo.

— A parte masculina fica mais adiante. Caso precise de mim, basta me chamar.

Eu assinto. Finjo que estou indo adiante, mas vejo o nome dos provadores e eu sei que Lexie ainda está lá.

Vejo uma bolsa depositada no puff antes ocupado pelas mulheres que a acompanhavam. Olho para os lados e me adianto.

Vejo seus pés por baixo do provador. A voz da funcionária se aproxima e eu simplesmente não tenho mais nada para fazer a não ser entrar no provador, ainda que não fosse minha intenção invadir sua privacidade dessa maneira.

Me encosto a Lexie, levo uma de minhas mãos até seus lábios para impedir que ela grite assustada e chame atenção. Ela me olha através do espelho com os olhos esbugalhados.

Desço meu olhar pelo seu corpo. Ela está apenas de calça jeans e sutiã. Vejo seu rosto corar quando ela percebe que meus olhos estão em seu corpo.

Ela leva uma de suas mãos até a minha que está cobrindo seus lábios e a retira de lá. Viro-a para mim.

Estamos sozinhos naquele pequeno espaço que nos faz ficar apenas à centímetros um do outro.

— Você está me seguindo, é isso?

Ela sussurra. Eu tento não rir, mas é quase impossível.

Rolo os olhos.

— Acredite quando eu digo que estou tão surpreso quanto você.

Ela morde os lábios, olha para mim. Me analisa.

— Está molhado. — constata.

Eu sorrio. Mordo os lábios. Ela revira os olhos.

— Pervertido. Você entendeu o que eu quis dizer.

Assinto.

— Acabei tomando um banho de chuva.

— Vai se resfriar se continuar molhado por muito tempo.

— Não se preocupe comigo.

Lexie fica quieta.

— Por que entrou?

— Para te ver. — admito. — E dizer que estava linda naquele vestido.

— Eu não... — ela fecha os olhos e suspira. — Não achei que ficou bom.

— Ficou mais que bom. Ficou perfeito.

— Não deveria dizer isso. — ela diz baixinho. Quase sussurrando contra meu rosto.

— Não? — crispo a testa. — Por quê?

— Porque vou usá-lo para me casar com outro cara.

— Eu sei. E não consigo parar de pensar no quão sortudo ele é.

Lexie, por um segundo, parece triste.

Eu levo uma de minhas mãos até seu queixo e ergo seu rosto.

— O que há de errado?

— Saia daqui, Stephan. Eu estou com minha família, se eu demorar além do normal elas vão desconfiar e...

Me abaixo rapidamente e tento beijar seus lábios, porque esse parece ser meu novo vício. Ela se desvia.

— Lexie...

— Não sou esse tipo de pessoa. Não sou. Não quero ser. Meus pais me educaram da melhor forma que puderam.

Ela está de olhos fechados porque não consegue reunir coragem o suficiente para me encarar.

— Não quero ser o culpado por nada.

— Então não se aproxime. Se me, por um acaso, me encontrar na rua, desvie o olhar. Se cruzar comigo, passe direto. Apenas não pare. Não...

Ela finalmente abre seus olhos. E pegando-me de surpresa, Lexie sela seus lábios aos meus em um beijo quente. Empurro seu corpo contra o espelho do provador. Levanto-a e ela se envolve em minha cintura. Beijo seus lábios com desejo. Com ternura, mas ao mesmo tempo com cuidado, porque sinto que posso ser capaz de quebrá-la e eu não quero isso.

Lexie puxa os cabelos de minha nuca e eu seguro um gemido. Ela morde meus lábios e eu simplesmente fico entorpecido.

— Senhorita, está tudo bem por ai...?

Uma voz vem de longe nos trazer de volta a realidade. Seguro o riso. Lexie se assusta.

— É... está. Estou. Eu... estou saindo. Só um segundo.

Lexie pula de meus braços e eu já começo a sentir saudades dos seus beijos.

Ela veste a camiseta e está pronta para sair da cabine, mas a puxo mais uma vez.

— Te pego no hospital, sexta à noite, tudo bem?

Ela franze o cenho. Pondera por longos segundos.

— Não posso... eu...

— Vou estar lá.

— Não podemos, Stephan.

— Você me beijou, Lexie. Você me beijou e isso me foi o suficiente para entender que não tem como fugir. Não podemos fugir disso. Seja lá o que for. — sorrio esperançoso. — Eu vou estar lá.

Lexie não diz nada. Apenas me olha profundamente e depois sai.

Me recosto ao espelho e respiro fundo.

Quero ela. Quero mesmo. Quero e vou fazer de tudo para tê-la.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo