Capítulo 2

Assim que Eliza entrou na galeria, ela encontrou um típico homem italiano: alto, moreno, bonito em fisionomia e aparentemente na casa dos trinta anos. Ele estava elegantemente sentado em uma das cadeiras de espera da recepção. Contudo, ao julgar pelo seu porte sério e a inquietação de sua perna, ele provavelmente estava ansioso para falar com Giulietta Pallot. Era inegável: ele parecia tão opulente quanto o veículo que ostentava.

Como se um ímã o atraísse para ela, o estranho pousou os olhos em Eliza e ela sentiu-se capturada pela floresta mais selvagem, mais enigmática e mais escura do verde cintilante de seu olhar. Naquele momento ela percebeu que poderia fazer vários retratos mentais sobre ele e colocá-los em uma pintura. No entanto, pela maneira descarada como os olhos dele a varreram de cima a baixo – percorrendo cada centímetro de seu corpo como um cão feroz –, ela deduziu que esse homem não valia o tempo de sua admiração. Estava visível: ele fazia o estilo "Conquistador de muitas", assim como qualquer homem rico.

Frente ao olhar irritantemente constrangedor dele, Eliza sentiu suas faces pegando fogo e deixando momentaneamente sua timidez de lado, ela o saldou, conforme as regras da boa educação e dirigiu-se apressada para o salão de exposições, e, a medida que caminhava o olhar faminto dele a acompanhava.

Depois do desconforto inicial, Eliza respirou fundo e retomou suas atividades há todo vapor, porém não demorou muito para uma nova onde de inquietação a atingir ao sentir-se novamente observada. No primeiro momento ela o ignorou e fingiu não perceber a presença dele, contudo ela não poderia deixá-lo no escuro durante o restante do dia; o que restou-lhe de alternativa senão virar-se e atendê-lo.

— Em que posso ajudá-lo, Sr...

— Vallone, Giulio Vallone. — Ele se apresentou com um sorriso enigmático enquanto lhe estendia a mão para cumprimentar.

O aperto de mão foi caloroso, embora um pouco demorado para o gosto dela e diante daquela delonga ela aproveitou a proximidade entre eles para analisá-lo detidamente.

Giulio Vallone era realmente um homem impressionante e uma figura marcante. Ele era bastante alto, tinha cabelos escuros como uma noite de inverno, olhos verdes e altivos, pele bronzeada e um físico de dá inveja a qualquer atleta. Provavelmente em sua adolescência ele participou de alguma liga estudantil de voleibol.

— Então, signorina? Gostou do que viu ou prefere que eu me sente naquela poltrona enquanto você faz meu retrato?

Giulio tirou-lhe de suas especulações com o tom ligeiramente esnobe, em meio a um sorriso tão cínico que não deixava dúvidas quanto a indiscrição de sua análise. Infelizmente ele parecia ser como a maioria dos homens bonitos: arrogante e egocêntrico.

Diante de sua acentuada indiscrição, ela piscou completamente desconcertada por ter sido flagrada por Giulio, e a única alternativa que encontrou para sair daquele embaraço foi fingir não entender a pergunta. Nessas horas a melhor fuga era a falsa ignorância e por sorte antes que ela tivesse tempo de esboçar qualquer resposta vazia, eles foram interrompidos por Giulietta.

— Meu querido, sinto muito fazê-lo esperar: estava em uma reunião de negócios. — Giulietta desculpou-se, abraçando-o carinhosamente.

Frente àquela interrupção oportuna, Eliza se distanciou consideravelmente deles. Giulio era um homem envolvente e aparentemente sinônimo de confusão e quanto mais distante se mantivesse de problemas, melhor.

— Você está linda, minha querida. — Ele a elogiou segurando-lhe o braço, demonstrando assim certa intimidade.

— Oh, pare de ser galanteador! — Ela observou sorridente e acrescentou logo depois. — Quase não acreditei quando minha secretária falou-me que estavas aqui. Quando chegou de viagem?

— Ontem à noite. — Respondeu amável e olhando a seguir para Eliza, observou. — Confesso que estou surpreso por ter contratado uma estrangeira.

— Ela foi uma exceção, meu querido. Eliza foi muito bem recomendada pelo professor Salvattori. — Giulietta respondeu entrelaçando seu braço ao dele, puxou-o a seguir para seu escritório.

Mesmo Eliza mantendo uma distância considerável deles, ela não pode deixar de ouvir o comentário preconceituoso dele em relação a sua admissão e isso mexeu com seu brio, pois era inadmissível que em pleno século XXI ainda existissem pessoas com convicções fortíssimas a respeito do desmerecimento de um estrangeiro em seu país e ela era a prova viva dessa descriminação, pois ao acordar e levantar todos os dias ela sentia na pele o peso de ser estrangeira, de jeito que ela tinha que lidar constantemente com a indiferença e a desconfiança das pessoas pelo simples fato de sua nacionalidade. O estágio na galeria só foi possível graças aos esforços do professor Salvattori que era amigo pessoal de Giulietta e se não fosse por ele, certamente ela não estaria ali.

Durante o tempo que estava em Florença, Eliza viu muitas portas se fecharem para si e vários olhares tortos de descrença lhe foram dirigidos assim que sua pronúncia do dialeto falhava. Às vezes ela se esquecia e dirigia-se a alguém em português ou misturava os dois idiomas. Mesmo com toda a dificuldade e, graças a convivência, seu italiano estava melhorando.

Absorta em meio a tantos pensamentos conturbados, o tempo pareceu voar sem que ela percebesse e quando ela deu-se conta do avançado das horas a tarde já tinha dado lugar a noite.

— Está na hora de fechar a galeria, signorina Villar. — A secretaria disse-lhe aparentemente incomodada com aquela demora.

— Oh, desculpe-me! Não vi a hora passar. — Justificou-se constrangida.

Depois de se situar quanto as horas, ela deixou a galeria e se dirigiu ao ponto de ônibus mais próximo, pois ela ainda teria uma longa caminhada pela frente até chegar ao seu destino final. Se ser de outra nacionalidade já era difícil, imagine ainda ser estrangeira e pobre.

Como sua situação financeira não lhe permitia grandes regalias, Eliza tinha que se contentar com um pequeno apartamento de três quartos, que ela dividia com duas jovens que ela conheceu na universidade: uma chilena e outra mexicana. Mesmo sendo o oposto delas, o seu relacionamento com suas colegas de quarto até o momento era agradável. Elas não tinham muitos atritos e basicamente Eliza passava a maior parte do tempo sozinha, pois ao contrário dela, suas amigas gostavam muito da vida noturna, e embora Mirella fosse enfermeira de Platão noturno, ela quase nunca recusava uma balada em seu dia de folga. Contudo, como Eliza sempre foi uma jovem retraída e muito caseira, ela preferia o silêncio de seu quarto do que a agitação dos bares e boates de Florença.

Enquanto caminhava para o ponto de ônibus, seus pensamentos iam de encontro a figura imponente de Giulio. Era como se ele tivesse vontade própria e inconscientemente sua mente o projetava a sua frente numa proporção assustadora; parecia que cada transeunte era Giulio e isso começou a assustá-la.

Fechada em seu mundo, ela caminhou a passos largos receosa de perder sua condução, contudo ao dobrar a esquina uma Mercedes prateada chamou-lhe sua atenção. Nesse momento o sinal fechou e o carro parou próximo a ela; fazendo-a reconhecer o motorista imediatamente: era Giulio Vallone acompanhado de uma estonteante loira, e mesmo sendo difícil ignorar a presença dele, ela continuou seu caminho fingindo não vê-lo.

Ver ao longe sua condução se aproximar deu-lhe certo alívio, pois inegavelmente a imagem daquele homem arrogante ao lado de outra lhe causou certo desconforto. Porquê? Ela não sabia. Tudo que ela sabia e queria naquele momento era chegar em casa e se enfiar debaixo do chuveiro para lavar seus pensamentos controversos e sua alma, já que ela não estava exausta apenas fisicamente como também mentalmente.

Deixando mais uma vez seus pensamentos de lado, ela entrou na condução e quando chegou em casa já passava das dezenove horas. Assim que Lúcia a viu entrar, perguntou por mera formalidade.

— Como foi seu primeiro dia de trabalho?

— Foi maravilhoso! A galeria é um sonho. Estou amando meu trabalho. — Eliza respondeu numa euforia contagiante.

— Fico muito feliz por você. Sei o quanto você batalhou por essa oportunidade. — Lúcia observou enquanto caminhava em direção a porta.

— Vai sair, Lúcia? — Eliza perguntou diante do óbvio.

— Claro. Ao contrário de você, não tenho vocação para a solidão ou celibato.

— Divirta-se! — Ela desejou sincera diante do azedume de Lúcia.

Como resposta, Lúcia a brindou com seu silêncio e saiu em seguida deixando-a pensativa. 

De fato ela era uma jovem solitária, porém cair na noite não amenizaria em nada sua solidão; pelo contrário, ela continuaria a sentir-se só, pois, embora fosse jovem, ela conhecia muitas histórias de pessoas quê, mesmo cercada de amigos continuavam sentindo-se solitárias. Talvez esse fosse seu destino, e se fosse, o que havia de errado com isso? Algumas vezes a solidão era uma opção e não uma condição.

Com esse pensamento enraizado na memória ela entrou no banheiro e tomou um banho rápido. Refrescada e totalmente a vontade, ela saiu do quarto e foi em direção a cozinha para preparar uma refeição leve. Nada muito elaborado.

Após o jantar ela organizou a cozinha e não demorou muito para sentir-se sonolenta, e como ela teria trabalho no dia seguinte, não demorou muito para ela sucumbiu ao apelo do sono e tão logo colocou a cabeça no travesseiro, caiu no mais longo e profundo sono.

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