Cinza... essa é a cor que descreveria perfeitamente meu humor hoje. Da porta, me vi incapaz de dar mais do que dois passos, como se o centro da sala fosse capaz de transformar o meu cinza em negro.
— Oi, meu nome é Eliza Singer, tenho 16 anos e venho de Heington. É um prazer fazer parte de uma escola tão prestigiada quanto o Colégio Siram. — Essa foi a minha apresentação formal diante de um monte de olhares desconhecidos de adolescentes com sangue de lobo.
Alguns me olhavam com tanta curiosidade que parecia que eu era uma peça rara de um museu, enquanto outros pareciam revirar os olhos com desdém perante uma recém-chegada que nasceu e cresceu no meio de humanos comuns. No meio disso, uma garota ruiva sentada no fundo ignorou completamente minha curta apresentação, compenetrada no que parecia ser o trabalho de uma vida. Seus dedos se moviam silenciosa e graciosamente sobre um papel e seus olhos brilhavam perante algo que poderia ser uma obra-prima, ou simplesmente rabiscos...
Na minha cabeça, tudo o que eu queria era sair daqui, voltar correndo para Heington e fingir que nada acontecera nas últimas semanas, mas era impossível ignorar a grande convocação. Na melhor das hipóteses eu seria presa e julgada como rebelde, mas eu sabia que não iria parar por aí.
A grande convocação foi uma decisão tomada durante a grande conferência dos clãs, realizada na cidade de Heington, localizada a leste de Siram. Heington é uma importante metrópole humana, central nas negociações e na distribuição de mercadorias entre os clãs. Devido à sua excelente localização e ao fato de não pertencer a nenhum dos clãs, é considerada o local neutro ideal para sediar as grandes conferências, que ocorrem anualmente.
— Ei, novata! Pode sentar aqui do meu lado. — Um garoto de aparência atlética, cabelos pretos encaracolados e uniforme amassado apontou para a cadeira vizinha perto dele. Preferi uma cadeira mais atrás e, enquanto passava pelo corredor, percebi uma piscadela convencida do garoto, achando que eu tinha dado bola.
Revirei os olhos, passei direto e me detive no assento vago em frente à ruiva distraída. Lançando um rápido olhar para o papel sobre o qual ela concentrava sua atenção, percebi pequenos círculos pretos traçando um caminho sobre um conjunto de linhas. Eram notas musicais que compunham uma melodia estranhamente familiar.
Sentei-me calmamente, sorrindo, enquanto o professor de biologia dava prosseguimento à aula. Embora tivesse perdido alguns dias de aula no semestre por conta da mudança, não me sentia nem um pouco perdida com o conteúdo explicado.
— E assim vemos como a genética... — O som estridente do sinal tocou, fazendo com que os alunos se levantassem rapidamente e saíssem correndo da sala. Guardei calmamente o meu caderno de volta na mochila e percebi o professor resmungando algo para si mesmo.
— Eliza! — Chamou-me assim que passei por ele. Olhei firmemente para os seus olhos castanhos claros, o que o fez desviar o olhar enquanto cutucava a sua barba branca.
— Precisa de algo? — Perguntei, com monotonia na voz. Não queria prolongar a conversa, já que ainda precisava encontrar a sala da próxima aula e chegar atrasada no primeiro dia não seria bem visto.
— Sei que é tudo novo para você, e talvez não esteja conseguindo acompanhar as coisas...
— Estou bem! — Interrompi-o antes que começasse com a conversa de fingir que entende o que estou passando e que pode me ajudar. Já ouvi a mesma conversa dezenas de vezes esta semana e não precisava da pena de ninguém. Vir para cá foi uma escolha minha e estou me adaptando como posso. — Professor, agradeço a preocupação, mas isso não é necessário.
Tentei soar o mais suave e direta possível. Encarei-o seriamente, esperando por sua liberação, e o ouvi suspirar enquanto me olhava de forma um pouco diferente.
— Eliza, conheço o seu histórico e já imagino o desempenho que terás por aqui. Não deixe que essas mudanças a impeçam de continuar brilhando. — Sorri para ele e assenti. O Colégio Siram não é nada comparado à Genius School, colégio que eu frequentava até o semestre passado, mas não podia expor isso abertamente ou poderia perder minha vaga no único colégio deste vilarejo com ensino aceitável. — Annie, poderia mostrar para Eliza onde é a próxima sala?
Olhei para trás e percebi que a ruiva distraída ainda estava lá sentada, a única a ficar para trás.
— ANNIE! — O professor caminhou até ela e arrancou um fone sem fio do ouvido dela, o que finalmente a tirou do transe.
— Oi? O quê? A aula acabou? — Questionou ela, completamente perdida.
— Annie, poderia acompanhar a senhorita Eliza até a próxima aula? Acredito que vocês estejam na mesma turma.
— Eliza? — Esta talvez tenha sido a primeira vez que ela olhou para mim desde que tirou os olhos do seu caderno de música. Me pergunto como é possível alguém se perder tão completamente dessa forma.
— Olá, prazer! — Disse, acenando para ela. Um olhar de compreensão pôde ser visto imediatamente em seu rosto e suas bochechas com sardas ficaram avermelhadas. Ela enfiou as coisas de qualquer jeito na bolsa e caminhou em minha direção, mantendo o olhar baixo ao longo do caminho. Resolvi quebrar o silêncio primeiro.
— Annie, certo? — Ela assentiu de leve, mas manteve o olhar para baixo. Paramos no corredor de frente para a porta da próxima sala. — Percebi que você estava escrevendo uma partitura. Posso dar uma olhada?
— Bem, sim... NÃO! É que ainda não está pronta. — Tentou se explicar enquanto apertava as laterais da sua saia de forma tímida.
— Sou compositora também. Talvez eu possa ajudar. — Ela olhou diretamente para mim, talvez para avaliar a veracidade das minhas palavras.
Percebendo que eu falava sério, ela abriu a mochila e entregou-me seu precioso trabalho. Peguei uma caneta e rapidamente comecei a corrigir as notas fora de tom e ritmo, bem como completar a última linha que faltava. Imaginando o "estrago" que eu estava fazendo, ela arregalou os olhos, paralisada, esticando os braços trêmulos na tentativa de recuperar seu caderno.
— O que você está fazendo? Me devolve!
— Pronto! — Não me dei ao trabalho de explicar. Simplesmente devolvi a composição e entrei na sala, deixando-a para trás, desconcertada.
"Disse que ia manter o perfil baixo, mas já começou a se mostrar" — Gemeu minha loba dentro de mim.
"Não pude evitar. A falta de atenção dela já estava me irritando. Considere meu único ato de boa vontade" — Retruquei de volta para a minha loba.
Minha loba, Lisa, estava certa. Meu objetivo era tentar passar despercebida e terminar esse ano sendo invisível. Para isso, assumi um visual mais nerd, com roupas folgadas, óculos grandes, e mantive meus longos cabelos negros presos em coque. Se eu não conseguisse passar invisível por esse quase um ano e meio que me faltava para terminar o ensino médio, então acabaria entrando em apuros.
"Viu? Eu consigo!" — Sussurrei para mim mesma após o toque do sinal que punha fim ao meu primeiro dia de aula.
Levantei poucos minutos após o toque do despertador. Vesti meu uniforme folgado e sem graça, todo cinza, com uma lua cheia estampada na camisa e o nome do colégio escrito dentro da lua em letras góticas. Coloquei meus grandes óculos, fiz um coque desajeitado e saí do meu quarto para a refeição matinal novamente sem passar maquiagem ou quaisquer outros cosméticos. Isso era um adiantamento e tanto... — Bom dia, vó! — Cumprimentei minha avó Nilza enquanto ela colocava pãezinhos recém-assados sobre a mesa. O aroma era simplesmente irresistível, fazendo-me salivar. Peguei um deles e comecei a mordiscar. — Bom dia, querida! — Ela sorriu de forma terna e sentou-se ao meu lado. Lembro-me do dia em que minha mãe ligou para minha avó perguntando se eu poderia ficar com ela. Sem questionar os motivos pelos quais eu decidira vir para cá em vez de ficar com meus pais, ela me acolheu prontamente. Ligava para mim quase todos os dias para perguntar quando eu viria. — Que desleixo! Assim não vai a
Alguém como eu? Essas palavras martelaram na minha cabeça pelo resto da semana. O que ele queria dizer com aquilo? O pior é que eu ainda não sabia que tinha mexido com um dos grupos de garotos mais populares da escola. Quão popular a banda era para fazer com que as pessoas começassem a prestar atenção em mim? E isso de forma negativa... Nas aulas, bolinhas de papel voavam na minha direção volta e meia nos dias que se seguiram. Precisei faltar ao meu primeiro encontro no clube de arco e flecha quando percebi que algumas fãs da banda estavam aglomeradas na entrada do local. Na semana seguinte, as coisas melhoraram. Pelo menos trocaram as brincadeiras bobas por trotes mais bem elaborados. A poucos passos da sala, senti um cheiro característico de tinta no ar, graças ao olfato aguçado de Lisa. "Como se brincadeiras tão infantis fossem fazer efeito em você!" — disse minha loba, rindo por dentro. Esbocei um sorriso fraco ao notar o balde de tinta por cima da porta entreaberta. Olhei de r
A noite estava encoberta por nuvens densas. O sol ainda não despontara quando me levantei da cama e saí para correr com minha loba, sabendo que a maioria dos outros membros do clã estaria dormindo a essa hora. Estava muito escuro, o que me obrigou a apurar todos os meus sentidos, um ótimo treinamento antes de mais um dia chato de aulas com matérias repetitivas.Corri liberando toda a minha adrenalina, tentando gravar os lugares em que não havia cheiros recentes de outros lobos. Era a primeira vez que saía na forma de lobo desde que cheguei e precisava mapear a região florestal perto da casa da minha avó para saber onde ir, já que agora precisaria retomar minhas atividades de treinamento solo para manter a boa forma.“Certo, Lisa! Hora de voltarmos.”Ela estava feliz e eu também. A partir de amanhã, voltaríamos a treinar juntas todos os dias, como costumávamos fazer antes de chegarmos aqui. Tínhamos uma intimidade muito profunda entre nós, mas, acima de tudo, conquistei o profundo resp
Evitei o refeitório por alguns dias e, para meu contentamento, as garotas que vinham me perseguindo pararam de me importunar. Para fechar o pacote com chave de ouro, não voltei a ver meu suposto companheiro, o que obrigou Lisa a se retrair, e voltei a prestar mais atenção às aulas.Era aula de educação física e, após me aquecer, suspirei fundo olhando para o céu nublado e sentei-me no banco. Mais uma vez fiquei só na reserva, sem entrar para jogar. Depois disso, dirigi-me ao clube de arco e flecha pela primeira vez em três semanas, preparando-me mentalmente para enfrentar meus colegas.Fiquei desapontada ao perceber que havia mais pessoas no clube do que eu imaginava. Em Heington, era um dos clubes menos frequentados, mas aqui havia pelo menos uma dúzia de pessoas equipando-se e preparando-se para treinar. Equipei-me lentamente, deixando os outros tomarem à frente. Ninguém me recepcionou ou desejou boas-vindas. Bem, talvez fosse melhor assim...— Ah, que pena! Acabaram os arcos. — Pro
Desde que me entendo por gente, meus pais buscaram me colocar em diversos cursinhos para crianças, talvez para me distrair tendo em vista que não tinham muito tempo para mim. Desde cedo, apresentei muita afinidade para música. Aos seis anos, eu tocava piano e cantava tão bonitinho que me tiraram do curso de idiomas para que eu me focasse somente na música.Pouco antes disso, aos cinco anos, eles me contaram sobre os clãs e minha origem mágica. Algo que no início era fascinante para mim, se tornou um baque na minha vida à medida que eu descobria mais sobre o que é ser um lobo. Por volta dos oito anos, coloquei na minha cabeça que não deixaria essa coisa de lobos ditar a minha história. Eu sabia que minha loba seria mais forte que eu e poderia ter mais controle das minhas decisões, então jurei a mim mesma ficar mais forte do que ela para que pudesse dominá-la completamente quando ela surgisse.Lembro de ter implorado tanto aos meus pais que me colocassem em aulas de luta e defesa pessoa
Eu havia acabado de sair do banho quando recebi uma mensagem dele. O relógio marcava 18:12 e eu deveria me encontrar no endereço designado às 19:30. Vesti um jeans casual, uma camiseta branca simples e coloquei uma jaqueta preta por cima. Quando comecei a arrumar o coque, recebi uma nova mensagem dele: "Não se disfarce de nerd esquisita. Não vai precisar!" "Ok!" — Enviei minha primeira resposta. Soltei o coque que estava fazendo, penteei meus longos cabelos pretos e fiz uma maquiagem bem básica. Ignorei os óculos que estavam sobre a mesa e desci para a cozinha, onde me deparei com minha avó e minha tia preparando o jantar. Aqui está a correção do texto: — Estou de saída. — Falei-lhes. Minha tia foi a primeira a se virar e fazer comentários. — É você mesmo, Eliza? Roupas que se ajustam ao corpo, cabelos soltos e arrumados, e maquiagem? Vai sair com algum garoto? — Vou encontrar um colega. — Admiti. — Mas não é nada do que está pensando. — Coma algo antes de ir. — Falou minha av
O sol estava nascendo no horizonte enquanto eu corria disparado pela floresta de volta após mais uma sessão de treino intensivo com Lisa. Saltei pela janela do meu quarto e retornei à forma humana. Tomei um banho rápido e, ao abrir meu guarda-roupas, senti Lisa grunhir quando estiquei a mão para pegar meu uniforme habitual.— Certo! — Respondi a ela, pegando o único par de uniforme que eu comprara no meu tamanho correto. Penteei meus cabelos, perfumei-me e passei uma maquiagem básica. Ao me levantar, peguei o estojo dos meus óculos e tomei uma decisão definitiva ao jogá-los no lixo. Eram meramente para o disfarce, então eu não precisava mais deles.— Parece que alguém tomou juízo. — Falou minha tia ao me ver. Ela esticou uma marmita, mas recusei. Ela vinha preparando especialmente para mim quando soube que eu estava evitando o refeitório da escola.— Obrigada, tia, mas vou voltar a comer no refeitório. Fiz amigos. — Dei um sorriso sereno pegando do cesto no balcão um pãozinho recheado
Os dias começaram a passar mais rapidamente. Comecei a participar de alguns ensaios da banda como ouvinte e conselheira, apontando erros e fazendo sugestões. Nicolas sempre me ouvia e, por isso, mesmo os outros nem sempre entendendo, acatavam.Embora minha proximidade com o grupo tivesse aumentado, continuava sendo excluída das atividades esportivas. Mesmo quando me colocavam nos times, evitavam passar a bola para mim e eu não fazia questão alguma de correr atrás também.A primeira semana de provas havia passado, dando lugar aos famosos trabalhos em grupo. Ninguém além de Annie queria fazer grupo comigo. Isso era bom, significava que eu teria menos peso para carregar!— Você é muito inteligente! — Annie estava ao meu lado na frente do computador, observando a rapidez com que eu pesquisava e digitava o trabalho.— Está quase pronto! — Falei enquanto c