Capítulo 0008

O sol estava nascendo no horizonte enquanto eu corria pela floresta, voltando após mais uma sessão de treino intensivo com Lisa. Saltei pela janela do meu quarto e retornei à forma humana. Tomei um banho rápido e, ao abrir meu guarda-roupa, senti Lisa grunhir quando estiquei a mão para pegar meu uniforme habitual.

— Certo! — respondi a ela, pegando o único par de uniforme que eu comprara no meu tamanho correto. Penteei meus cabelos, perfumei-me e passei uma maquiagem básica. Ao me levantar, peguei o estojo dos meus óculos e tomei uma decisão definitiva ao jogá-los no lixo. Eles eram meramente para disfarce, então eu não precisava mais deles.

— Parece que alguém tomou juízo — falou minha tia ao me ver. Ela esticou uma marmita, mas recusei. Ela vinha preparando especialmente para mim quando soube que eu estava evitando o refeitório da escola.

— Obrigada, tia, mas vou voltar a comer no refeitório. Fiz amigos. — Dei um sorriso sereno, pegando do cesto no balcão um pãozinho recheado com geleia de frutas vermelhas para comer pelo caminho. — Onde está a vovó?

— Ela saiu para comprar alguns ingredientes que estão faltando. Encomendaram bastante pão conosco essa semana.

— Que ótimo! — Ajeitei o cachecol em torno do meu pescoço, calcei um par de tênis brancos e coloquei uma cópia das chaves na mochila. — Até mais tarde, tia!

— Se cuida, menina querida! — disse-me carinhosamente. Sorri para ela e assenti antes de sair a passos rápidos.

Assim que cheguei à escola, o arrependimento por ter seguido o conselho de Nicolas me atingiu como uma bomba. Atraí muitos olhares e ouvi vários assobios de garotos imaturos. Um grupo de garotas não apenas me lançou olhares de desdém, mas também se aproximou com intenções duvidosas.

— Qual é, Eliza? A quem você está tentando impressionar? — Lorraine me rodeou com suas amigas perto dela. Ignorei-a, mas ela continuou me seguindo. — Se acha que, por vir um pouco mais arrumada, vai conseguir que algum dos nossos garotos se interesse por você, está muito enganada. Como se qualquer lobo digno fosse se interessar por uma humana fraca como você, filha de renegada.

"Do que ela está falando?" — Lisa soou confusa. As palavras de Lorraine afundaram no meu coração como uma pedra, fazendo-me perder a compostura.

— Melhor tomar cuidado com o que fala, senão quem vai pelos ares hoje é você. — Rosnei para ela. Senti as garras começando a surgir dos meus dedos e fechei meus punhos com força para escondê-las.

Algo no meu olhar fez com que ela desse um passo para trás. Continuei encarando-a intensamente até que ela virou as costas e partiu com suas amigas.

Na sala de aula, troquei algumas palavras com Annie, que já estava começando a se sentir mais à vontade comigo. Fiquei pensativa sobre o que fazer a respeito do conceito errôneo que haviam criado sobre mim e me questionei de quem era a culpa por tudo isso.

— Não trouxe marmita hoje? — Annie perguntou, confusa, ao me ver levantar quando o sinal do intervalo de almoço tocou.

— Vou comer no refeitório hoje — respondi, sem muito entusiasmo.

— Então junte-se a nós! — Ela agarrou meu braço, toda sorridente. Quando eu andava ao lado de Annie, ninguém mexia comigo, o que era muito bom. Servi meu almoço e me sentei ao lado dela. Os meninos chegaram um pouco mais tarde.

— Uau! Nossa linda musa está com a gente hoje — Maxsuel implicou comigo. Ignorei seu comentário impertinente enquanto encarava a comida, completamente sem fome. Tudo ao redor se tornou silêncio por alguns instantes enquanto eu fechava os olhos e tentava conter o fluxo de sentimentos mistos que vinha de Lisa. Ela ainda estava chateada com o que aconteceu mais cedo.

— Tem algo de errado com a comida? — A voz de Nicolas veio do meu lado, e foi só então que percebi onde ele se sentara. Sua voz soou baixa o suficiente para que apenas eu ouvisse.

Fiz que não com a cabeça, mexi na macarronada mais um pouco, misturando-a no molho, mas acabei largando o garfo. Meu questionamento agora não seria só para ele, porque, se Nicolas não fosse me responder, alguém do grupo o faria.

— "Alguém como eu". Você disse isso para mim mais de uma vez e parece que todos na escola têm uma visão equivocada a meu respeito. Por quê?

Todos na mesa pararam de comer e olharam para mim. Senti Nicolas engolir em seco, quase se engasgando com a comida. Ninguém ousou responder.

— E mesmo assim vocês escolheram se sentar com "alguém como eu". Alguém, por favor, pode explicar o que isso quer dizer?

— Eu gosto de você! Não importa se você é mais humana do que lobo, eu quero ser sua amiga — disse Annie timidamente.

— Eu apenas sigo a minha companheira. Sento com você porque ela gosta de você — Liam disse com toda sinceridade.

Eu realmente não sabia por que Annie tinha gostado tanto de mim desde o começo, mas eu sabia onde isso levava. Liam e Nicolas estavam à frente da banda, provavelmente melhores amigos, e os outros faziam parte dela, então não havia motivo para se sentarem separados. Eu era o menor dos símbolos nessa fórmula já elaborada.

— Eu não sou humana — esclareci para eles. — Não sei de onde todos tiraram isso. É completamente ridículo!

— Sua mãe não se casou com um humano e abandonou o clã? — Jonathan soltou. Ele foi cutucado imediatamente por Maxsuel, mas foi a abertura que eu precisava.

Minha mãe foi enviada à sede do clã Siram em Heington como secretária do diplomata de Siram. Em uma reunião entre os clãs, ela sentiu o vínculo de companheiro com meu pai, o diplomata oficial do clã Arches. Foi amor à primeira vista.

— Minha mãe é deste clã — comecei a esclarecer — mas meu pai é o diplomata de Arches, filho mais novo do beta do clã. Portanto, sou tão loba quanto qualquer um de vocês.

"Eu que o diga", disse Lisa, um pouco mais calma.

— Nossa! — Annie deixou escapar. A tensão na mesa aumentou à medida que entendiam o que eu queria dizer.

Siram é rival direto do clã Arches e evitava relações com eles a todo custo. A única coisa que permitiu que a liderança de Siram e Arches aceitasse a união dos meus pais foi o poderoso vínculo de companheiro que minha mãe possui com o meu pai. É um acordo comum que as decisões da suposta deusa da lua estejam acima de qualquer rivalidade. Eu era especialmente cética quanto a certas crenças, mas grata por ter vindo ao mundo por causa delas.

De qualquer forma, minha mãe mantinha total discrição sobre isso, até mesmo da família dela, tanto sobre seu companheiro quanto sobre a minha carreira. Minha avó e minha tia estavam "no escuro" e não mereciam isso, mas não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. De acordo com minha mãe, se as pessoas soubessem que a filha da Dona Nilza se uniu a alguém de Arches, minha avó e tia seriam afetadas pelo preconceito, então me calei também. O desconhecimento do povo sobre a vida da minha mãe deu margem para inventarem histórias e boatos, e isso era de certa forma culpa minha também.

— Então você não é humana, e sim uma híbrida das luas — disse Maxsuel.

— Sim. Algum problema com isso?

— Claro que não! — respondeu-me imediatamente. Híbridos de duas luas eram relativamente comuns nos clãs da lua cheia e da lua minguante devido ao vínculo de companheiro predestinado. Híbridos são geralmente reconhecidos pela coloração mista dos pelos; de resto, não há muita diferença.

— Neste caso, o que te levou a vir para cá? — A curiosidade estava evidente na pergunta de Nicolas e no olhar dos demais. Para mim, era uma resposta fácil, mas que eu não revelaria de forma alguma.

— Como vocês sabem, a grande convocação levou todos aqueles que têm um mínimo de sangue lobo a tomarem posição. Minha mãe não podia se separar do meu pai, então resolveu assumir a cidadania archiana e ir com ele. Eu não tenho nenhum tipo de contato com a família do meu pai, o que é diferente da relação que tenho com a família da minha mãe. Minha avó já perderia uma filha, eu não queria que ela perdesse a neta também. Além disso, meu vínculo afetivo com meus pais não é muito forte, já que eles estavam sempre ocupados, enquanto minha avó sempre me encheu de amor e atenção.

— Sinto que tem algo mais — disse Nicolas.

— E tem, mas é a parte complicada. Eu realmente não quero falar sobre isso.

Quando eu era pequena, minha mãe me trazia três vezes por ano para ver meus avós e minha tia. Depois que meu avô morreu, por volta dos meus nove anos, tanto a frequência quanto o tempo que passávamos aqui diminuíram. Nos últimos cinco anos, passei a vir sozinha. Vinha apenas uma vez por ano e, como passava apenas alguns dias, eu não saía de casa para poder dar o máximo de atenção a elas.

Para não parecer que minha mãe não se importava, dei à minha avó um cartão explicando que ela estava muito ocupada, mas queria ajudá-las financeiramente. No início, elas não aceitaram, mas consegui convencê-las. Comecei a enviar quantias mensais de dinheiro, que elas acreditam até hoje vir da minha mãe, mas, na verdade, são dos ganhos que obtive como cantora. Nos últimos meses antes de vir para cá, passei a ligar para minha doce avó com frequência, após perceber que a solidão em seu coração não podia ser preenchida apenas com recursos financeiros.

Aos meus avós paternos, eu não conheci, mas já podia imaginar como eram pela forma como meu pai me criara: rigidez e disciplina! Meu pai também nunca fez questão de me levar para conhecê-los, até que uma certa coisa aconteceu, e então era eu quem não queria mais ir para lá. Agarrei com força a decisão de nunca pisar em Arches.

— Vamos manter isso entre nós — interveio Nicolas, esticando o braço para frente. Os demais membros da banda esticaram os braços também, unindo-os no centro da mesa, como uma promessa.

A irritação da minha loba se dissipou completamente com esse gesto. Após esse momento de cumplicidade, olhei para cada um dos rostos ao redor da mesa, sentindo a sinceridade emanando de seus olhares. Senti-me grata por ter encontrado pessoas que respeitavam minha privacidade e não me pressionavam por respostas que eu não queria dar. Talvez possamos realmente ser amigos...
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