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Lázzaro não podia negar que sentiu uma forte e estranha conexão com aquela menina, a qual ele nunca tinha visto antes, era apenas uma menina em sua visão, todavia o seu corpo traiçoeiro e mulherengo não pensou da mesma forma ao ficar excitado tocando somente centímetros da pele macia e quente de Lia.

Por outro lado logo tratou de repreender-se. Era uma mendiga, andarilha ou até mesmo garota de programa. O que uma moça "decente" estaria fazendo na rua uma hora daquelas e sozinha se não fosse algo desse tipo? Fora que suas roupas rasgadas também entregavam o estado crítico de pobreza em que a menina vivia.

Indignou-se quando percebeu que estava pensando tempo demais em Lia Hamilton enquanto dirigia de volta para casa, ainda engolindo a dúvida de não saber o porquê dela estar lá, sozinha, na rua, de madrugada... Sentia-se quase preocupado, e outra vez indignou-se consigo mesmo.

No entanto, tinha sido muito divertido a forma como ela reagiu a presença dele. Por alguns minutos Lázzaro até mesmo se esqueceu de sentir raiva ou amargura dentro de si, nem tratara ela de forma rude o que era uma característica e personalidade dele.

Mas de uma vez por todas havia de esquecer tudo aquilo.

Ao entrar no carro todos os seus demônios voltaram e ele precisava enfrentá-los. 

Já tinha problemas demais em sua cabeça. Lázzaro estava um caco por dentro, no dia anterior havia recebido a pior notícia de sua vida, um maldito caroço entre o pulmão e o coração, bem escondido e por isso nunca houve sintomas antes, só foi possível ser descoberto depois que ele passou mal em um jantar de família.

— Eu sinto muito, Senhor Bartolomeu, mas só lhe resta um ano até que o caroço cresça. O inchaço causará fortíssimas dores podendo levar até mesmo a um infarto.

As palavras do médico ainda ressoando em seus ouvidos enquanto gradativamente seu coração se dilacerava, seu mundo se fechando engolindo-o na mesma intensidade que seu chão era tirado e sua dor parecia maior segundo por segundo.

Iria morrer em um ano provavelmente. Um vazio maior do que ele já sentia desde pequeno o tomou por inteiro e ele não sabia o que fazer para que mudasse algo em sua vida a não ser, fechar-se num casulo e esperar acontecer. Não havia nada a ser feito.

— Bom dia senhor Bartholomeu. A senhorita D'Ávila está esperando no escritório. — a governanta Magdalena o comunicou quando entrou no hall.

Lázzaro bufou estressado.

— Logo cedo? Eu queria pelo menos deitar na porra do meu travesseiro sem ninguém para me infernizar. Um dia ao menos! — grunhiu e andou pisando duro até o escritório.

Quando entrou na sala rusticamente decorada, ele fitou a mulher negra de pele perfeitamente cuidada, alta e de cabelos crespos num penteado impecável, vestida numa roupa social elegante.

— Bom dia e antes que comece a esbravejar, estou aqui para falar de negócios, embora eu esteja muito preocupada com você, sei o quanto odeia demonstrações de afeto. — a moça se pronunciou antecipadamente.

— Certo Marjorie. Diga-me, o que está fazendo aqui? — revirou os olhos enquanto sentou-se em sua cadeira retirando por completo a gravata e logo em seguida ascendendo um cigarro.

A mulher se afastou fazendo uma careta pelo cheiro forte da fumaça.

— Sua madastra e os filhos, entraram com um ação na justiça para pedir metade dos seus bens. — expôs ela.

Ele suspirou não se afetando tanto como Marjorie pensara, ele já esperava uma atitude como essa de sua maldita ex madrasta que nunca se conformou com o fato de Leopoldo ter deixado somente para Lázzaro toda a fortuna e nenhum centavo para ela e os filhos.

— Vadia desgraçada. — disse entredentes — Por que ela não aceita que o meu pai deixou essa porcaria de dinheiro para mim, e somente para mim? Eu não pretendo dividir algo que meu pai lutou tanto para ter, ele ter deixado tudo que tinha para mim, só me faz pensar em como confiava em meu potencial para cuidar de algo tão importante e valioso para ele. — Lázzaro disse com pouca emoção, mas raiva.

— Ela continua afirmando que Hayden é filho de Leopoldo, mesmo o exame de DNA dizendo o contrário. Pediu até mesmo para ela escolher a clínica alegando que você e seus empregados estejam falsificando os testes. — Marjorie revelou e então o homem cansado e estressado ascendeu mais um cigarro quando o primeiro se foi rápido demais.

— Eu odeio toda essa merda. Não pedi dinheiro nenhum, até porquê eu fiz minha própria fortuna. Meu pai apenas deixou comigo para que não fosse para o ralo com besteiras, que é o que Joyce é capaz de fazer se colocar as mãos no dinheiro. — tragou o cigarro.

— Mas o principal motivo que tive para vir tão cedo, é o fato de que ela corre grande risco de conseguir desta vez. O juíz concedeu a ela a chance de fazer o exame de DNA no filho em outra clínica, mesmo que seja com supervisão da justiça, você sabe como Joyce é capaz de tudo para conseguir o que quer, eu não gosto de subestima-la. — a linda Marjorie tinha um misto de preocupação e medo nos olhos.

Lázzaro cerrou os punhos muito irado para dizer qualquer palavra a não ser xingamentos infindáveis.

— E o que acha que devo fazer? — questionou servindo-se de um copo cheio de uísque.

— Talvez você não vá gostar muito da minha ideia. No entanto, para o momento é o mais apropriado. — ela previniu antes de dizer.

— Diga logo, Marjorie. Sabe que odeio rodeios. Direto ao ponto, vamos! — rudemente ele apressou-a.

— Temporariamente você deveria passar todos os seus bens, seus e os que seu pai te deixou, para o nome de outra pessoa, alguém que não seja do seu âmbito familiar. — lançou a resolução.

Ele poderia explodir de raiva naquele momento, era tanta coisa ruim acontecendo juntas que talvez morrer seria mesmo a melhor opção.

— Isso é impossível. Não confio em ninguém à esse extremo. — Comentou indignado.

— Temos uma semana antes da próxima audiência de petição da Joyce Gomez com o juíz. Espero que até lá nós consigamos resolver esse problema. — Marjorie D'Ávila pegou sua bolsa e caminhou até Lázzaro — Farei o possível para te ajudar, mas também depende de você. — com um beijo demorado na bochecha dele a mulher se despediu.

— Merda, merda e merda! — berrou jogando longe o copo vazio de álcool.

— Lázzaro? — Marjorie voltou como quem se lembrara de algo.

— O que é? Esqueceu alguma coisa?

— Não. Mas eu acabei de me lembrar daquela cláusula no testamento. — olhou-a desentendido — A qual diz que a nova senhora Bartholomeu também poderia ser a dona de tudo no seu lugar.

— A nova senhora Bartholomeu?

— Acho que a bebida e os cigarros estão fazendo você ficar burro. — exclamou ela impaciente — Isso significa que você precisa se casar! Seu pai queria muito que você, o único filho dele fosse dono de tudo e construísse um legado, um legado só é feito através de uma família, coisa que você não tem já que cada dia é uma diferente em sua cama.

— Não repita essa palavra novamente comigo. Casamento? Está maluca? — Lázzaro vociferou como se Marjorie estivesse blefando.

— Você não precisa amar alguém pra se casar. É só por conveniência.

— O que dá no mesmo da primeira opção, já que eu não confio em ninguém a ponto de me casar para entregar o legado do meu pai.

— As vezes é tão difícil te ajudar! Voltamos a estaca zero. Vou tentar pensar em mais alguma coisa, no entanto eu não posso fazer tudo sozinha. Veja se pode fazer algum esforço para se ajudar.

Marjorie se foi. Em seguida ele sentiu sua face ferver de ódio por tudo. Lázzaro sentia-se perdido, fracassado, desnorteado e sem mais nenhuma razão aparente para viver com todos os seus problemas o engolindo gradativamente como se a todo instante o universo estivesse pronto para acabar com ele.

Seguindo para seu quarto com ódio queimando no peito, encontrou uma das empregadas da casa limpando um móvel em uma posição totalmente expositiva, quando viu o patrão aproximando-se ela fingiu surpresa e endireitou a postura.

— Bom dia senhor Bartholomeu... — o cumprimentou mordendo os lábios. Não era a primeira vez que se insinuava para ele.

— Bom dia Nádia! — correspondeu e entrou para seu quarto.

Tinha tantas mulheres aos seus pés, todas as que queria, de todos os tipos e variedades. As vezes a mínima graça não existia mais, era sempre tudo monótono e igual. Para quê iria perder tempo se envolvendo com uma empregada?

Depois de sentir seu peito acalmar o ódio, seguiu para o banheiro onde tomou uma longa ducha gelada em seguida caminhando para a cama apenas com um roupão preto. Lá revirou-se na cama por várias horas seguidas antes de pegar no sono.

Meia hora depois Lázzaro acordou suado após ter tido um estranho sonho com a moça que quase atropelou mais cedo. No sonho ele tocava ainda mais intimamente a pele lisa da garota que ronronava em satisfação. Ele provava cada pedacinho dela e não se lembrou se já até mesmo na realidade, provara alguém tão saborosa – ficou assustado. Olhou para seu inferior e estava muito, muito duro.

Praguejando ele foi para o banheiro tomar outro banho, se recusaria a se tocar pensando em uma ninfeta mendiga e estranha. Era quase três horas da tarde quando decidiu que iria dar uma volta de carro pelas ruas da cidade precisava respirar um pouco de ar puro e encher a cara de novo como se não houvesse amanhã. 

Vestiu uma camisa de botões preta manga longa, já que se recusava muitas vezes a sair sem roupas sociais – mesmo que para encontros casuais –, uma calça jeans preta e sapatos também sociais tomando assim o caminho pelas ruas da cidade. Sem rumo certo de para onde iria.

Lázzaro estava dirigindo há duas horas seguidas e quando deu por si, estava passando novamente pelo local de mais cedo, onde quase tinha atropelado Lia.

Dirigindo mais um pouco, seu coração maluco não evitou um salto quando ele avistou os mesmos cabelos escuros e corpo franzino que tocara na madrugada. Era ela, Lia Hamilton estava ali sentada na calçada de uma rua, quase anoitecendo e... Ela estava chorando, chorando muito.

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