Capítulo 8 - Unidos por um inimigo em comum

Estávamos sentados em cadeiras de madeira. Sebastian dando um jeito de soltar as algemas, enquanto eu apoiava a cabeça em meu braço livre, esperando o capitão voltar de sua saída inesperada.

– Nos filmes parece bem mais fácil. – comentou.

– Por isso são filmes. Seria bem mais fácil se você tivesse me apoiado quando eu disse que essa era uma ideia idiota.

– E fazer mais barraco?

– Falou o sábio agora. – falei irônica.

– Como se alguma reclamação nossa fosse fazê-lo mudar de ideia. A gente precisa é arranjar um jeito de sair daqui.

– É, vamos voando.

– Boa ideia! Vamos buscar sua vassoura. – Ameaçou levantar. Então o capitão entrou na sala.

– Agora vamos ao que interessa. – sentou em sua cadeira de couro e olhou fixamente para nós. – Meus parabéns, vocês são as primeiras pessoas a experimentar o nosso mais novo método de boa convivência. Já pensávamos em colocá-lo em prática, mas nunca achávamos as pessoas certas, e... voilà, vocês apareceram.

– Acho que a gente já pode ganhar o prêmio de azarados do ano. – comentou meu primo.

– Eu não, você sim.

– Continuando... vocês ficarão algemados durante toda a estada de vocês aqui.

– E como a gente vai fazer pra tomar banho, ir ao banheiro, dormir, fazer as atividades idiotas que vocês querem? – perguntei.

– Isso não é um problema meu. – Riu. Sua risada era estrondosa, era algo que estressava só de ouvir. – As algemas tem extensor, elas são mais longas que o normal justamente para que vocês possam fazer essas coisas. Já experimentaram esticar o braço cada um para um lado? Vocês vão perceber que as correntes vão saindo de dentro da algema, como se fosse uma coleira.

– Tá, mas e como conseguiremos sair daqui? – Sebastian perguntou.

– Se dando bem. Pra isso vocês terão terapia de casais, pra aprenderem a conviver melhor.

– Tem alguém da nossa faixa etária aqui?

– Com 19 anos não. Mas as pessoas que estavam aqui a alguns minutos atrás fariam 18 ou 17. Todos os casais são irmãos, com exceção de vocês. Não notaram a semelhança de sobrenomes? Sinceramente, nunca pensei que teria campistas nessa idade. Pensei que vocês já seriam maduros o suficiente para se suportarem, mas vejo que não. Então decidimos abrir uma classe especial, onde estão 5 casais, ou melhor, 4, pois agora temos uma classe extra especial, que é a de vocês.

– Nossa que honra, estou tão emocionada que acho que vou chorar. – falei sarcástica.

– Mais alguma pergunta?

– Sim. – falou meu primo – E os outros mais novos?

– O que tem eles?

– Eles conviverão normalmente com a gente, seremos separados, como é a reabilitação deles?

– Vocês viverão todos juntos, com algumas diferenças nas atividades, já que as de vocês são mais pesadas. Mas em campeonatos, corridas, acampamentos, todos estarão juntos. Sobre o tratamento deles, bom, eu pego um pouco mais leve, já que eles não são tão infantis assim. – toma.

– Uma pergunta! – foi minha vez de perguntar.

– Depende? Você vai começar a discutir com seu primo novamente?

– Não. – disse séria. – Por que a nossa cabana é tão... nova?

– Em qual vocês estão?

– 66.

– Ah, é que muitos campistas não gostam daquela cabana por causa do número. Alguns dizem que já viram espíritos de crianças mortas, outros disseram que o cão do inferno estava vindo buscá-los, essas coisas assim. Então é uma cabana pouco utilizada, por isso está tão conservada. Vocês vão querer trocar também?

– Não, não. Somos os fodões, não temos medo de superstições. Além do mais, não quero uma cabana caindo aos pedaços. Que o cão do inferno venha nos buscar! A gente aproveita e dá ração pra ele. Se incomoda se pedirmos pra que ele faça uma visitinha ao senhor? – falou Sebastian.

– Mais alguma pergunta? – ignorou-o.

– Qual é o seu nome? – perguntei.

Senti que ele se encheu de orgulho antes de falar.

– Serdeberão Cinconegue Taxugueiro.

Porra! – tivemos um ataque de riso. Eu ria tanto que já não conseguia mais respirar. Quando finalmente consegui retomar o fôlego, falei:

– Ah, para! Qual é o seu nome?

– Serdeberão Cinconegue Taxugueiro. – Ele repetiu.

– É, e meu nome é Jacinto Occuna Mangueria e essa é a Paula Tejando. – falou Sebastian enxugando uma lágrima do canto dos olhos. E eu só conseguia rir.

– Esse é o meu nome de guerra. Do qual tenho muito orgulho. Se vocês vão ficar zoando com o meu nome, saiam daqui.

– Ok, ok, estamos saindo Serdeberãozinho. Vamos, Paula. – Fui puxada pela corrente para fora da cabana.

Parando do lado de fora, continuamos a rir até precisarmos respirar ou desmaiar ali mesmo.

Voltamos então pra nossa cabana.

– Luiza, preciso ir ao banheiro.

– Tá... mas você vai usar o chuveiro ou o vaso?

– O vaso.

– Hã... tá... será que tem como eu ficar do lado de fora? – perguntei.

– Não sei, vamos ver agora. – Me puxou para uma porta que, supostamente, parecia ser o banheiro. Até que era grande e o vaso ficava bem perto da porta, então eu fiquei do lado de fora, enquanto ele fazia sei lá o quê.

Ele estava demorando muito, decidi sentar pra esperar.

E esperar...

E esperar...

...

Até que cansei.

– Tá fazendo o que, Sebastian? Batendo uma?

– Tentando. Mas quando lembro que do outro lado da algema tem você, eu brocho.

– Quer que eu vá aí dar uma ajudinha? – aticei.

– Se a causa de eu brochar é você, por que eu precisaria logo da sua ajuda?

– Porque você não faz nada direito, essa é a verdade! Não é capaz nem de se excitar! – falei enquanto me levantava.

– E o que você pretende fazer?

– Te mostrar como se faz.

– Já está tão experiente assim?

– É o que vamos descobrir. Agora veremos se aqueles pornôs que você esconde ensinam alguma coisa. – Ele tinha provocado, então teria o que queria.

Por causa das algemas, não tinha como trancar a porta, só encostá-la, o que facilitava meu trabalho. Entrei no banheiro de uma vez só. E o que vi, bom, me surpreendeu.

Sebastian estava quase sendo enforcado pela blusa. Provavelmente estava tentando tirá-la e a algema não deixou. O que me fez pensar: como íamos trocar de roupa?

Sorri sapeca, era engraçado vê-lo naquele estado. Parecia tão indefeso.

– Deixa que eu te ajudo. – Cheguei mais perto, ele se afastou.

– Não preciso da sua ajuda, posso me virar.

– Tudo bem então, boa sorte.

Quando estava saindo do banheiro, ouvi sua voz derrotada.

– Espera. – Parei. – Me ajuda aqui.

Não vou nem tentar descrever a situação, porque é uma coisa meio complicada. Nem eu entendia direito como ele tinha conseguido prender o braço e a cabeça no mesmo buraco. É um idiota mesmo.

Depois que conseguimos resolver a situação dele, decidimos ir até o capitão para ver como ficaria o esquema das blusas. Nem chegamos a bater na porta, saímos entrando. E o que vimos foi... nojento. Ele estava prestes a comer uma funcionária do acampamento.

– Ai, que nojo! – Foi a única coisa que consegui dizer, enquanto a garota colocava o sutiã e a blusa. Fechei os olhos até aquela cena toda acabar.

– O que vocês querem? – perguntou friamente.

– Serdeberãozinho safadeeeeeeeeeeeenho. – falou Sebastian.

– Vieram aqui só pra falar isso?

– Mas é claro que não. – respondeu. – Vim aqui te perguntar como vou fazer pra tirar minha blusa se tem A PORRA DE UMA ALGEMA NA MINHA MÃO? O que você quer que eu faça? Passe meu braço junto com a Luiza nesse buraquinho?

– Não tínhamos pensado nisso... já sei! Faremos blusas especiais para vocês que tenham zíper, velcro, ou qualquer coisa que dê pra tirar pelo lado. Amanhã vocês terão pelo menos duas. Agora saiam! Ah, e não esqueçam de separar seus aparelhos eletrônicos. Daqui a 20 minutos deve aparecer algum soldado na cabana de vocês pra confiscar os aparelhos.

– Tá de sacanagem com a minha cara, né? – Sebastian perguntou.

– Nunca falei tão sério.

– Merda! – ele saiu correndo numa velocidade tão absurda que nem sei como não caí. Chegamos na cabana e ele começou a revirar as malas. – Luiza, arranja um lugar pra escondermos os nossos celulares, ipod, mp4 e o que tiver que nos dê uma chance de sair daqui!

Comecei a olhar em volta, mas nenhum canto me parecia um bom lugar pra esconder nossas coisas.

– Hum... que tal embaixo da cama?

– Hum... que tal dentro da privada? – disse cínico. - Se eu quisesse que eles levassem minhas coisas, não tentaria esconder! Tem esparadrapo aí?

– Pra quê?

– Tem esparadrapo? – repetiu a pergunta.

– Pera, vou ver. – procurei pela mala e achei uma mini embalagem de esparadrapo. – Toma.

Ele saiu andando e mais uma vez fui puxada.

– Será que dá pra você avisar quando vai andar ou pelo menos ir mais devagar?

– É só você prestar atenção e ser mais rápida. – disse enquanto se abaixava na frente do armário.

– O que você vai fazer? – perguntei curiosa.

– Colar os aparelhos embaixo do armário. – Enquanto me explicava, enchia os celulares de esparadrapo.

Ele colou um por um e se certificou de que não cairiam. Estava tudo certo, agora só faltava esperar o tal soldado passar. Sentamos na cama e ficamos olhando fixamente para a janela.

– Sebastian.

– Oi.

– E os carregadores e fones de ouvido?

– Caramba! Esqueci disso! – começou a revirar nossas mochilas até pegar tudo que fosse fio.

– Onde você pretende esconder isso?

– Não sei. – Naquela hora bateram na nossa porta. Era o soldado.

– O cara chegou e agora? – num ato super idiota, Sebastian jogou tudo pela janela e então foi abriu a porta.

– Confisco de eletrônicos.

– Não temos. – Mentiu.

– Aham. Assim como nunca mentiram na vida. – Entrou na nossa cabana e começou a revistar todos os cantos. Olhou nas malas, debaixo de cama, no banheiro e dentro do armário, o que nos deixou super nervosos. Até que finalmente começou a acreditar no que falávamos.

Estava a 30 centímetros da porta e nós já suspirávamos aliviados, quando começamos a ouvir um barulho de algo vibrando, seguido pela música do Hi5. Não sabíamos onde enfiar a cara. Enquanto isso o soldado ia na direção de onde vinha o som.

– Mas será que não se tem um momento de felicidade neste caralho? Quem é que tá me ligando? – falou, quando o soldado começou a retirar os aparelhos.

– Quer mesmo saber? – ele perguntou. – Foi uma tal de Bia.

–Ah, a piranha recalcada. – falei.

– Agora, se eu fosse você, não me preocupava com quem ligou, e sim com esse toque de celular. Acho que esse foi o mais bizarro que eu já ouvi. – falou para meu primo antes de ir embora.

Comecei a rir.

– Acho que tinham que mudar o nome desse acampamento. De carnificina ele não tem nada! Nunca ri tanto na minha vida.

– Mas isso não muda o fato de você estar algemada... comigo. – Revirei os olhos.

– Vai à merda garoto.

– Já chega! Preciso de ar. – Sebastian saiu andando, pouco se importando se estávamos algemados ou não. Decidi fazê-lo perceber que ele não andava sozinho. Sentei no chão. Ele apenas olhou pra trás.

– O que foi? – perguntou.

– Enquanto você não aprender que não está andando sozinho, vou fazer o que puder pra prejudicar a sua vida.

– Não seja por isso. – Ele voltou, parou de frente pra mim, se abaixou ficando praticamente na mesma altura que eu, e então falou. – Se você não quer ir por vontade própria, eu te levo à força. – Sorriu e me pegou, jogando-me em suas costas.

Comecei a me debater.

– Me larga, seu corno, desgraçado, bastardo! Me solta, me põe no chão!

– Se é assim que você quer... – ele me jogou de tal forma que acabei batendo com a bunda no chão. Cara, como doeu. Na mesma hora dei uma rasteira nele e passei a corrente da algema em seu pescoço.

Não sei como, mas ele conseguiu reverter a situação. Comecei a arranhá-lo como podia, mas não era tão fácil assim, porque as algemas mais prejudicavam do que ajudavam. Ele parou em cima de mim e mandou eu chupar o dedo dele.

– Tá maluco? – ele saiu colocando o dedo na minha boca. Mordi com toda a força, dei um soco nele e me levantei. Quando fui correr, fui puxada de volta.

Ele tinha me pegado pela corrente. Acabei caindo no chão de novo. Arranquei alguns pedaços da grama e joguei nele, como se fosse adiantar muita coisa. Começamos a rolar pelo acampamento, até que alguma coisa nos fez parar. Olhamos para cima, e o capitão nos olhava furiosamente.

– Vocês acham que isso aqui é o que? – esbravejava. – Vocês estão num acampamento para tentarem ser mais civilizados, não se tornarem animais! Os dois, 100 flexões agora! Pagando pra mim!

– Ui, que isso. Se eu pagar pra você o que os outros vão pensar? – Sebastian provocou.

– Agora!

– Não. Quem é você pra m****r em mim? Nem coronel você é! Arranje uma patente maior que voltamos a conversar. – Já tinham umas duzentas pessoas ao nosso redor assistindo aquela discussão.

– Você está no meu acampamento, então você obedece às minhas ordens.

– Tenha certeza de que por vontade própria não é. – respondeu.

– Não importa se é por vontade própria ou não, você está aqui, então terá que me obedecer. Por bem ou por mal.

– Foda-se a sua vontade! Quero mais é que ela vá queimar no inferno junto com você! – sabe quando você tem vontade de m****r alguém se foder, e você fala aquilo do fundo da sua alma? Foi o que Sebastian fez.

– Coloquem eles no tronco! Agora vocês aprenderão quem manda aqui. – O capitão mandou e obviamente aqueles soldados covardes obedeceram.

Alguém se lembra daqueles troncos usados como castigo, em que os escravos passavam dias e noites sem água e comida? Pois é, nos colocaram em um desses durante o dia todo. Várias pessoas estavam ao nosso redor. Parecíamos verdadeiros animais, sujos, descabelados, acho que se alguém chegasse perto, a gente mordia.

– Essa, é a classe extra especial. –Apontou para nós - Aconselho vocês a não quererem entrar nela ou podem acabar terminando assim.

– Quer saber? Enfia esse tronco no cu e vê se roda pra doer mais! – falei. Sebastian riu. – Não ri não, que a mesma coisa serve pra você. Por sua culpa vim parar aqui!

– Na verdade estou rindo porque você tirou as palavras da minha boca.

– Bem-vindos ao inferno de vocês, meus queridos. - foi a última coisa que o capitão disse antes de ir embora.

É, parece que pela primeira vez na vida um motivo nos uniria de alguma forma. Nós dois odiávamos aquele capitão e isso já era o suficiente pra que colocássemos aquele acampamento abaixo. Pena que não sabíamos que a reabilitação só começava no dia seguinte, se tivessem nos avisado, provavelmente não teríamos achado que as coisas seriam tão fáceis. Se aquilo era só as boas-vindas, prefiro nem imaginar o que aconteceria ao longo dos dias. Definitivamente nosso inferno tinha acabado de começar.

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