Sept

Seguindo a linha tênue sobre relacionamentos e suas singularidades já se tem uma predefinição não explícita de que o tempo é um fator imposto e indispensável para se desenvolver intimidade suficiente para gerar amor entre duas pessoas. Isso é um fato.

Mas há de se encontrar pessoas que passaram anos de sua vida em um relacionamento estável e não desenvolve o companheirismo, fidelidade, intimidade e integridade com o seu parceiro.

Quantas vezes já não ouviu falar sobre casais que com seus sete anos de relacionamento ainda estavam em dúvida de que trocar as alianças seria a decisão certa, quando em outras situações casais que haviam se conhecido em menos de um ano oficializaram a relação sem hesitações e continuaram com a mesma paixão por toda a vida?

Liza era uma pessoa que antes acreditava que o tempo era um fator fundamental para que se pudesse surgir sentimentos, tanto que os seus relacionamentos sempre haviam seguido o mesmo roteiro e chegado aos sete meses, que ela pensava ser o prazo máximo para se apaixonar por alguém, não tendo sentido as famosas borboletas no estômago pulava fora sem ressentimentos.

Contudo, no decorrer daquela semana ela mudou abruptamente de opinião porque estava começando a entender o que muitos músicos e poetas diziam sobre encontrar a tal pessoa certa. Que o fator relevante não era o tempo e sim a intimidade, conexão forte, disposição e interesse de ambos envolvidos.

As tais almas gêmeas, cara metades, amores da vida que ela pensava serem termos exagerados usados por pessoas emocionadas sem veracidade.

No entanto em menos de cinco dias Liza havia sentido mais emoções com Charlie do que havia sentido com todos os seus ex-parceiros junto. Aquela conexão instantânea e a forma como as suas personalidades haviam se encaixado havia a deixado extasiada e ela queria aproveitar aquelas sensações novas.

Como prometido Charlie cumpriu o seu papel como guia turístico, levando-a a lugares espetacularmente históricos e completamente românticos. Viva a Itália.

Ou seria, Viva à Charl?!

Dentre museus automobilísticos, restaurantes, feiras, parques eles haviam provado muita comida – mesmo sendo proibida na dieta restrita de ambos –, caminhado, tirado fotos, dirigido pelos campos amplos, frescos e verdes além de, até, arriscar passos de dança junto à outros casais em um festival amador de rua onde uma banda da meia idade tocava tarantela como profissionais.

Charlie havia exposto completamente sobre sua vida, seus objetivos, suas dificuldades e conquistas; Do que gostava e o que não era tão fã, além de parecer completamente interessado em todo e cada detalhe da vida de Liza.

Ele achava cômico o quanto ela era divertida e sorridente, e se mantinha positiva apesar de todas as adversidades. O rapaz ficava deslumbrado com a bondade no coração da garota e se perguntava por que o destino não havia os juntado antes, depois de anos procurando por alguém, sentindo-se solitário e com uma lista de relacionamentos desastrosos para contabilizar. Tudo aquilo poderia ter sido evitado.

Pensava nisso enquanto a encarava admirado.

Liza estava sentada do lado de fora de uma sorveteria em um começo de tarde enquanto ele buscava os seus pedidos.

Após uma manhã nublada os tímidos raios de sol surgiam pelas ruas de pedra italiana e refletiam nas poças de água no chão. Uma em específico iluminava diretamente o rosto de Liza, que sorria. Suas íris estavam claras, lábios avermelhados, o chapéu branco continha os cabelos que caiam em ondas tranquilas pelas suas costas e ela usava um vestido florido com sandálias simples. Completamente à vontade, o que não significava que não estava maravilhosa.

Charlie suspira. Quando ele retira os pedidos, a entrega o sorvete e senta-se à sua frente na mesa de dois lugares posta na calçada de pedra.

- Obrigada. – agradece feliz e volta a mirar o lugar que antes encarava sorrindo. Charlie segue a direção e vê uma garotinha, sentada com os pais na mesa da padaria do outro lado da rua de por volta sete anos de idade a encarar de volta com um sorriso empolgado sob a face.

- Uma admiradora? – ele questiona, chamando sua atenção.

- Acho que ela me reconheceu. Os pais não. – ela diz rindo e voltando-se para o sorvete de chocolate na casquinha, desmanchando a bola com a colher de plástico para levar uma quantidade à boca.

- Como poderiam, com todo esse disfarce que está usando? – ele diz rindo sarcástico.

– Engraçadinho. – ela dá de língua – Não é como se eu fosse uma Beyonce que não consegue nem andar na rua direito por causa do assédio, mas ainda assim tem uma galera que me pega desprevenida de vez em quando. – ela ri. – Eu não reclamo, adoro ser parada pelos fãs e ouvir o quanto gostam do meu trabalho. A parte ruim mesmo são os paparazzi, - ela faz uma careta – eles poderiam ser menos invasivos.

- Acho que nunca tive esse tipo de problema. – ele diz puxando na memória. – Só nos finais de semana que tem a corrida mesmo, enche de fotógrafos até nos banheiros. É assustador. – ele sorri. – Mas, isso quer dizer o quanto você tem crescido e está sendo reconhecida ainda na F2. Isso é bom, não é?

- Antes fosse por isso. – ela sorri, apesar de ele notar um leve quê tristonho. – Eles ficam me seguindo para captar qualquer tipo de falha ou momento constrangedor. Me acompanham nos treinos, nos testes, nas entrevistas, nas ruas, na porta dos hotéis... – ela coloca mais sorvete na boca e engole antes de continuar – Sei que é o trabalho deles, mas ás vezes eu fico com uma paranóia de que eles querem encontrar qualquer motivo para me tirar das pistas. Por isso raramente eu saio, fico focada no meu trabalho... Fora a noite de domingo já tinha uns bons meses que eu não ingeria álcool. Só para evitar falatório.

- Isso parece terrível. – ele comenta num sopro. – Ma belle, você não pode viver com medo do que eles podem fazer. Só você faz o seu destino.

- Não é bem assim quando você é mulher e desafia toda uma supremacia masculina. – ela ri arqueando uma sobrancelha. – Minha imagem é muito importante para me manter. Porque em um deslize eu sei que eles vão arrumar qualquer desculpa para me tirar. Por isso eu sempre sigo os conselhos da Cris à risca. Ser tirada das pistas por uma segunda vez... – ela engole em seco – Acho que isso me destruiria.

- Sinto muito por isso, é muito injusto. – ele diz pousando a mão por cima da dela.

- É, mas a gente vai levando como pode. – ela sorri e dá de ombros. – De vez em quando a gente consegue dar uma driblada nos paparazzo. – ela ri verdadeiramente. – Cris soltou para a mídia que eu iria voltar ao Brasil nessa semana de folga, por isso eles desapareceram. Ela só pediu para termos cuidado porque, você sabe, eles estão em todos os lugares.

- Você tem medo que saia alguma coisa sobre a gente? – ele questiona levando uma colherada do sorvete à boca.

- Não. – ela se adianta em negar, mas entorta a boca para continuar: – Mas a Cris sim. Eu sei que não tem nada haver, mas o público pode pensar que eu abrir as pernas é o sinônimo de se abrirem portas para mim. – eles riem – Principalmente se eu realmente entrasse para a Academia da Findspot. Sabe como é.

- Isso é ridículo. – ele nega, balançando a cabeça inconformado. – Você não é assim, ia entrar pelo seu talento. A gente sequer se conhecia.

- Eu sei disso, você sabe. Mas eles não. – ela suspira. – De qualquer forma não temos que nos preocupar com isso agora, isso são problemas futuros e não é inteligente sofrer por antecedência. Quando eu entrar na Fórmula 1, aí sim nós vamos ter com o que lidar.

- Nós vamos ter com o que lidar... – ele repete sorrindo – Isso quer dizer que eu te convenci sobre nós.

Eliza estabiliza. Era verdade, ainda não tinha dado um veredito para esta pergunta.

Isso porque estava dividida.

Não queria arriscar toda a sua conquista e a sua posição no trabalho da sua vida por um cara, mas por outro lado não queria arriscar perder a oportunidade de viver esse primeiro amor de tamanha intensidade.

Ela amava o que fazia acima de tudo, mas tinha receio de nunca mais voltar a sentir todos esses sentimentos e emoções arrebatadoras de quando ela estava com Charlie. Ela não se via sentindo tudo aquilo se não fosse com ele.

- Qual é, Lizzie?! – ele ri sem humor, procurando pelo olhar indeciso dela – Eu estou nessa sozinho?

Ela finalmente olha em seus olhos.

Droga, não deveria ter feito isso.

A luz do sol refletia neles e deixava-os ainda mais claros do que já eram.

Estava F-O-D-I-D-A.

Por isso, sabia que não havia outra alternativa.

- Claro que não está nessa sozinho, essa é uma via de mão dupla mon amour. – ela afirma e ele sorri abertamente, aproximando-se por cima da mesa e encostando os lábios gelados nos dela duas vezes seguidas antes de se afastar contente.

Ela tira o resquício de sorvete que ficara em seus lábios com a língua.

- Baunilha. – ela sorri. – É muito bom.

- A gente podia levar um pouco e brincar lá no meu quarto mais tarde, o que acha? – ele sugere com um sorriso malicioso nos lábios – A gente pede um jantar no meu quarto, assiste um filme, aí você dorme por lá...

Ela ri, mas tenta conter ao morder o lábio inferior.

Apesar de terem dormido juntos em sua primeira noite, Liza não voltara a frequentar o quarto do monegasco. Eles haviam tido momentos quentes no banco do carro alugado no meio do campo de trigo, deram uns amassos na sala de cinema, uns beijos aqui e outros ali, mas não voltaram de fato à dormirem juntos.

Charlie, sempre respeitoso o bastante, a acompanhava todas as noites até a porta do quarto dela, mas não forçava uma situação. Ele era monegasco e católico, do típico rapaz que gostava de seguir as etapas certas. Vez ou outra ela ainda o chamava para visitar seu quarto, eles assistiam à algo no catálogo de um stream disponível na televisão do hotel e tarde da noite ele seguia o rumo de volta ao seu quarto. E Liza se sentia aliviada sem aquela pressão de se fundar a base de um relacionamento em cima de sexo constante.

A verdade era que eles queriam aproveitar cada fase de um começo de relação sem apressar as coisas, eles sabiam, não fazia muito sentido já que quase tinham virado o quarto de hotel ao avesso logo na primeira noite, mas de uma forma implícita eles concordavam em ir com calma para fazer as coisas certas, desta vez. Porque queriam que desse certo.

Só que o fim da semana estava chegando ao fim e eles não sabiam quanto tempo ficariam separados até que pudessem se reencontrar. Liza tinha uma corrida no Japão, outra na Rússia e logo em seguida seguiria para a Singapura – a corrida mais desgastante do ano – enquanto Charlie tinha os compromissos pelo fim da sua temporada entre a Itália e Austrália. Ao mesmo tempo em que queriam ir devagar, não queriam desperdiçar tempo.

Por isso, Liza diz: - Eu acho uma ótima ideia.

- Vamos então? – ele sugere com os olhos excitados.

- Agora? – ela ri, surpresa pelo entusiasmo.

- Não? – ele torce a boca, com os olhos pedintes.

- Vamos! – ela diz sorrindo e eles se levantam.

Quando estão a sair com a sacola com mais sorvete em mãos, são parados por uma mulher alta e morena junto à garotinha que encarava Liza agarrada em suas pernas.

- Oi, desculpe interromper, mas você é Eliza Benedetti? – a mulher questiona em italiano fluente com admiração nos olhos.

- Eu mesma. – ela sorri.

- Pode tirar uma foto com a minha filha? É que ela é uma grande fã sua, desde que viu que você entrou nas corridas, não perde uma. – a mulher explica. – O avô dela era piloto de campeonatos regionais, então ela tem muita ligação com o esporte e saber que uma mulher conseguiu ser pilota a deixou motivada em tentar. Semana passada ela começou a correr de kart.

Liza se abaixa na altura da menina, de cabelos crespos encaracolados, pele de melanina belíssima brilhando à luz do sol e olhar tímido.

- Ela está com vergonha. – a mãe explica quando a menina se retrai ainda mais atrás das pernas da mãe.

- Oi, tudo bem? – Liza pergunta á garotinha, que assente timidamente. – Meu nome é Eliza, qual é o seu?

- Agatha. – ela responde num sopro de voz.

- É um nome muito bonito. – Liza elogia sorrindo. – Você quer tirar uma foto?

Agatha balança a cabeça em afirmativa duas vezes. Liza estica os braços e a garota se aproxima vagarosamente para que a mais velha a pegasse no colo.

Quando a mãe mira o celular na direção das duas, Charlie indaga: - Você quer que eu tire, para que saia na foto também?

- Faria esse favor? – a mulher indaga sorridente.

- Claro. – ele apoia a sacola dos sorvetes em uma só mão e pega o celular. – Sorriam.

Elas fazem a pose e Charlie tira uma sequência de fotos adoráveis. Em uma delas a garotinha sai acariciando o rosto de Liza, que sorria encantada.

Quando Charlie avisa que já tirou a foto, a mãe agradece: - Muito obrigada. Significa muito para nós.

- Disponha. – Eliza diz colocando a garota de volta ao chão, mas fica abaixada e olha em seus olhos para dizer: - Se ser pilota é o que realmente você quer Agatha, não deixe que ninguém te impeça de ser. Acredite em você mesma, você vai conseguir.

- Obrigada. – a garotinha a abraça rapidamente e logo dá a mão para a mãe. – Tchau, Eliza.

- Tchau. – ela acena enquanto Charlie devolve o celular.

- Isso foi muito bonito. – ele diz em inglês entrelaçando os seus dedos.

- É o que mais me motiva à continuar. – ela sorri olhando para a garotinha animada, do outro lado da rua, mostrando a foto recém-tirada ao pai.

A mãe a olhava com brilho nos olhos e um sorriso amável no rosto, orgulhosa – talvez pelo fato da filha estar seguindo uma tradição de família, ou outro motivo que Liza não saberia dizer. Mas, orgulhosa basicamente.

Charlie percebe o sorriso de Liza murchar gradativamente.

- Vamos. – ela fala baixo e começa a caminhar na direção do carro.

- Você dirige? – ele indaga sorrindo com uma sobrancelha arqueada ao segui-la.

- Macaco quer comer banana? – ela rebate sorrindo fraco e ele a joga as chaves.

Quando eles entram no automóvel e saem, Charlie pergunta descontraídamente: - Falou com seu pai nesses últimos dias?

- Sim, ele já comprou os ingressos para a final do campeonato. Ficou acordado de madrugada com medo de que esgotassem. – ela sorri. – A Pri também vai ir, ela está fazendo hora extra para ficar a semana toda comigo. – ela mira ele de canto de olho – Aliás, ela quer te conhecer.

- Ela sabe sobre mim? – ele questiona alegre.

- Como não saberia? – ela ri. – Ela te viu no fundo da última chamada de vídeo.

- Ops – ele morde o lábio inferior – Dei muita bobeira?

- Estávamos os dois sozinhos em um quarto de hotel, foi como somar um mais dois. – ela ri anasalado, mas logo o sorriso desaparece dos lábios.

Charlie, como o ótimo observador que era sabia exatamente o porquê da mudança de humor. Ela tentava disfarçar, mas ele sabia que ela não estava bem. Liza havia relatado algumas vezes sobre a mãe não estar falando com ela e o quanto a incomodava, mas não aprofundara muito o assunto.

Ele liga o rádio do carro para descontrair ainda mais o clima, e algumas músicas de batidas típicas italianas soa nos autofalantes.

Ele queria consola-la, mas não queria ser inconveniente. Sabia que era algo que a magoava e não queria ser indelicado em tocar no assunto, mas também não a queria tristonha.

- E sua mãe? – ele pergunta de uma vez.

Ela desvia os olhos da estrada por um instante e mira seu rosto com a face surpresa.

- Você percebeu? – ela rebate voltando os olhos para a estrada.

Ele sorri de lado e dá de ombros.

- Não, ela não ligou. – ela diz suspirando pesadamente. – E não acho que vá.

Charlie pousa a mão em sua coxa, como forma de apoio e ela sorri.

- É perfeitamente compreensível você estar triste com isso. – ele diz. – Você é humana, não é imune à emoções. Não precisa ser forte o tempo todo.

- Eu tenho sim, ou isso vai me afetar como eu não quero que afete. – ela discorda engolindo em seco. – A maior parte do tempo eu consigo numa boa porque estou ocupada fazendo um zilhão de coisas e não tenho tempo para pensar sobre, mas esses momentos inesperados... - ela respira fundo – Enfim, não há nada que eu possa fazer realmente. Já tentei de tudo, ligações, mensagens, emails... – ela ri sem humor – Até passagens eu mandei para ela vir me ver, mas isso só depende dela e eu estou cansada de correr atrás. Ela quer me vencer pelo cansaço, fazer com que eu desista de correr, mas eu não vou. É pura pirraça e eu ainda não sou mãe para ter que lidar com atitudes de uma criança.

Charlie acaricia a coxa, não haveria palavras certas para uma situação como esta. O que ele podia fazer era ouvir o seu desabafo para que, talvez, ela se sentisse melhor. Ele se sentia impotente, mas nada poderia fazer para ajudar.

O rapaz entendia como o apoio dos pais era absolutamente importante para o desempenho nas pistas, uma vez que o próprio pai fora quem o incentivara a começar a sua carreira.

Ele e sua mãe mostravam-se cada vez mais orgulhosos com os passos no garoto ao decorrer do seu crescimento e sempre que podiam estavam antenados em suas corridas, torcendo e vibrando a cada conquista.

Charlie não tinha o que reclamar, tinha uma família maravilhosa.

No entanto, quando seu pai faleceu Charlie sentiu que havia perdido um de seus alicerces que o mantinha em pé. Foram tempos sombrios e desesperadores. Mas, ainda assim, ele sabia que apesar de tudo o pai gostaria que ele seguisse os próprios sonhos e, fosse correndo ou sendo um advogado, saberia que ele o apoiaria em qualquer decisão.

Por este fato não conseguia compreender como a mãe de Liza podia ser egoísta ao ponto de deixar a filha se sentir tão insignificante. Ela tinha o pai, o tio e a amiga, mas ele sabia que não era a mesma coisa.

Eles chegaram ao hotel e pegaram o caminho do quarto de Charlie.

Se ele não poderia fazê-la sentir-se melhor pela situação com a mãe ao menos em outro sentido ele sabia que a faria completamente satisfeita.

(...)

Naquela manhã de sábado o clima chuvoso havia dado um basta, como se soubesse que aquele dia seria excepcional para um céu limpo e azul com poucas nuvens. As ruas estavam secas, o clima agradável e o vento trazia bons aromas silvestres dos campos verdes da cidade.

O Circuito de Findorano estava parcialmente cheio, não lotado como quando havia corridas a serem disputadas, mas contabilizada uma boa quantidade de pessoas. Dentre repórteres, engenheiros, técnicos, mecânicos, personalidades públicas como espectadores, estavam os pilotos titulares de uma das escuderias mais aclamadas da Fórmula 1, concedendo entrevistas sobre a pré-temporada do próximo ano e revelando detalhes sobre a máquina completamente reintegrada que eles iriam pilotar.

A manhã inteira havia sido sobre detalhes técnicos e marketing explícito e Liza aguardava no meio do público com ansiedade.

Ela não tinha mais a intenção de integrar o time da Findspot algum dia, devido aos acontecimentos com o chefe de equipe, mas ter a oportunidade de pilotar uma máquina ainda mais potente era excitante.

Enquanto assistia ao painel de Matias Gionotto explicando sobre os novos adereços do sistema operacional do carro, Mike encosta ao seu lado e cochicha: - Esse carro é um monstro.

- A Findspot vai fazer uma ótima temporada no ano que vem. Chuto um P2 na classificação geral. – ela concorda. – Eles não só resolveram o problema com o motor como... – ela sorri admirada – posso dizer que eles estão quase chegando ao nível da Mustof.

- Com certeza. – Mike assente. Em seguida ele cruza os braços e se vira para ela – Mudando de assunto, onde foi que você se meteu a semana inteira?

Ela quase se engasga com a súbita mudança de assunto.

- Pensei que como teríamos que ficar por aqui mesmo poderíamos ter dado umas voltas por aí, mas você desapareceu. – ele explica. – Sorte a minha que um amigo meu mora na cidade vizinha e me tirou do tédio.

- Me desculpe, Mike. – ela diz com as bochechas vermelhas – Essa semana passou tão rápido que eu nem vi.

- Treino todos os dias? – ele questiona de forma retórica e ela não se preocupa em discordar, não seria apropriado explicar o que acontecera realmente. – Eu não sei se você quem treina demais ou eu que sou muito preguiçoso. Mas, tudo bem, a gente marca uma noite de Poker, você perde como sempre, e aí ficamos quites.

Ela ri junto com o parceiro de equipe.

- Você não me ensinou a blefar ainda. – ela se defende risonha – A falta dessa habilidade em um jogo onde só se blefa é determinante.

Mike ri.

Eles voltam a prestar atenção ao painel, mas pelo canto do olho Liza percebe Charlie se aproximar vagarosamente.

Ele havia estado na apresentação do novo carro e como piloto titular de escuderia a manhã inteira, vestindo seu elegante macacão vermelho que transcendia os seus olhos. Vez ou outra o rapaz ainda a procurava com os olhos, mas não tinha tido a oportunidade de se aproximar até então, e parecia que ele havia determinado que aquela era a hora certa porque vinha em sua direção feito um furacão.

Ela não sabia se o arrepio em sua nuca era porque sabia que dali poucos instantes ela seria agraciada em ouvir aquela voz rouca e sotaque charmoso, ou se estava nervosa por como Charlie se comportaria com ela na frente de Mike.

Eles ainda não haviam estado juntos na presença de um público conhecido depois que, bom, que se tornaram mais íntimos. Agora que estavam rodeados de empresários, conhecidos, colegas e profissionais da mesma área a dúvida de cumprimenta-lo com um abraço ou um beijo no rosto fazia-a se martirizar por estar agindo como uma adolescente.

Ela quase pula de susto quando Mike o salda alegremente: - Lacroix!

- Schmidt! – o monegasco esbraveja de volta, batendo contente na mão do alemão.

- Como você está, cara? – Mike pergunta. – Faz muito tempo que não te vejo!

- Faz tempo realmente. – Charlie concorda. – Eu estou bem e você?

- Radiante! Mal posso esperar para dirigir aquela máquina. – Mike parece lembrar-se que não estava só e se vira para Liza, ao dizer: - Liza, esse é...

- Eu sei, já nos conhecemos. – ela interrompe, para evitar desconfortos, e se aproxima de Charlie para cumprimenta-lo com um beijo rápido no rosto. – Tudo bem?

- Muito bem. – ele diz sorrindo, com a mão pousada na terminação das costas de Liza num gesto já automático. – Dormi feito um bebê.

Ela sorri e umedece os lábios olhando em seus olhos, mas contém qualquer insinuação que coçava para escapar de sua boca.

Mike franze a testa ao mirar os dois, mas não tem tempo para suposições, pois em seguida Carlos Sánchez se junta à roda.

- Olá á todos. – ele diz com um sorriso simpático no rosto e inglês pronunciado secamente, típico de um espanhol. – Mike Schmidt, o prodígio da F2!

- Como tá, Carlos? – Mike o cumprimenta com o mesmo toque de mãos – Muita pescaria em Madri nessas férias?

Carlos faz uma careta engraçada e Charlie ri alto. Liza e Mike o encaram confusos.

- Muita pescaria sim  - Charlie diz tentando controlar o riso.

- Cala essa boca. – Carlos pede rindo, empurrando o ombro do parceiro de leve. – Eu sou bom de pesca sim, só dei azar nessas férias.

- Não entendi. – Mike diz risonho.

- O Carlos, - Charlie ri novamente – ele comprou sete quilos de peixe para não voltar para casa com as mãos abanando. Aí disse para a família dele que ele e o tio haviam pescado tudo.

Liza e Mike riem.

- Mas eu posso explicar. – Carlos diz rindo com as mãos rendidas no alto – Passei a porra de quatro horas naquele maldito barco, eles não iriam me perdoar se eu levasse quatro peixes para o jantar.

Os outros riem mais ainda.

- Eu olhei para o balde vazio e uma voz passou pela minha cabeça, como um comentarista dizendo “Essa é a hora que ele percebeu que estava fodido”. - Carlos diz e Charlie limpa o canto dos olhos, respirando fundo após uma sessão de gargalhadas – Eu tive que comprar. Eles tiveram a comida e eu me sai como um herói. Ninguém saiu perdendo.

Todos voltaram a rir.

- Liza, já conhece a peça rara aqui? – Mike pergunta sorrindo, e mira a mão de Charlie continuar nas costas dela.

- Ainda não. – ela diz se aproximando de Carlos e se afastando da mão no monegasco disfarçadamente. – É um prazer te conhecer, ouvi muito sobre você.

- Mesmo? – Carlos pergunta abraçando-a rapidamente. Logo ele desenruga a testa da marca de confusão e diz: - Claro, Lacroix! – ele solta um gritinho de emoção – Em uma semana dá para falar muita coisa ruim sobre mim, quero que saiba que... – ele suspira dramaticamente – é tudo verdade. – ele ri – Azar o seu que não me conheceu antes de eu ser fisgado, eu obviamente sou muito mais bonito.

Liza ri e Charlie sente o rosto ficar vermelho, desconcertado. Já Mike espreme os olhos em fenda, analisando as últimas informações.

O piloto espanhol era divertido e bem entrosado, na casa de seus vinte e seis anos e não deixara a maturidade afetar o seu espírito jovem. Liza não só ouviu da boca de Charlie muitas histórias sobre o recém-contratado da Findspot, como por outros meios sobre a sua determinação, por ser descontraído e muito simpático. Só não imaginara que Charlie havia falado dela para ele.

Com a genética latina evidenciada nos olhos negros, cabelos escuros e lisos e pele bronzeada, Carlos podia ser considerado como um dos pilotos mais bonitos do grid da Fórmula 1, por quem as fãs morriam de amores.

- Parabéns pelo pódio de domingo, eu não assisti a corrida toda, mas vi os melhores momentos no Twitter. – Carlos continua, não atentando-se às reações que as suas últimas declarações haviam causado – A Pruma tá com um time muito bom nas mãos, certeza que vocês ficam no pódio classificatório. Eu chuto mais um ano, no máximo, para estarmos disputando vagas com vocês na F1.

- Vai ser divertido. – ela diz rindo.

- Bom, eu vim porque o Garret quer falar com a gente antes dos testes começarem. – Carlos diz à Charlie, e se vira aos outros dois pilotos. – Vejo vocês daqui a pouco e boa sorte. Bamos, Bamos!

- Obrigada. – ela e Mike agradecem observando o rapaz se afastar.

- Até daqui a pouco. – Charlie diz e bate na mão de Mike. Em seguida se aproxima de Liza e lhe dá um beijo rápido no rosto, sorrindo. – Boa sorte.

Quando ele já está a mais de um metro de distância, Liza vira-se para Mike com receio.

- O que? – ele pergunta risonho ao notar sua expressão.

- Pode falar. – ela deixa os ombros caírem e ri. – Vai, descasca em cima mim.

Ele cruza os braços e faz uma expressão exagerada de pensativo, mas acaba rindo.

- Eu não tenho o que falar. Eu não te culpo, também teria te dispensado por uma foda.

- Mike Schmidt! – ela gargalha e dá um tapa fraco no braço do rapaz, que ri.

Um tempo depois Cris se aproxima e os chama para se aprontarem para os testes.

A Findspot em si é uma construtora com uma reputação de grandeza em qualidade e extrema velocidade em seus carros, mas Liza não imaginara que seria tanto a ponto de, metaforicamente, sentir o seu útero quase sair pela boca.

A primeira volta que a jovem fez no novo carro foi tão rápida que ela ainda estava absorvendo às informações quando passou pela faixa quadriculada. Já na segunda ela se aprontou para fazer o seu melhor.

“Reduz na curva 1, configuração P85. Repito. P85 para retomar potência no meio da curva. Assim você reduz o tempo de aderência.” – o engenheiro a auxilia pelo rádio.

- Entendido.

Quando o cronometro do volante zerou e seu tempo de teste havia declarado como encerrado ela entra com o carro na pit lane do circuito, sendo recebida por muitos assobios, aplausos e gritinhos de estímulo.

Ela desatrela-se dos cintos de segurança e sai do carro, tirando o capacete, touca e protetor de pescoço logo antes de ser ovacionada.

- Boa condução!

- Você voou na pista!

- Você fez nada mais que a melhor volta do circuito em sua primeira vez em um carro da F1. – Fábio diz com um sorriso grandioso no rosto e olhar orgulhoso. – Isso foi maravilhoso de se ver.

- Nada mal para uma pilota de testes, não é?! – ela não se contém em dizer, olhando na direção do chefe de equipe que olhava dela à tela de cronometragem, onde se marcava o tempo de cada corredor, não escondendo a sua tamanha frustração.

Mike se aproxima e eles batem as mãos no ar em cumplicidade, eles sabiam que eram uma boa dupla e agora estava mais que explícito para todo o mundo poder ver. Este era o tipo de marketing que a carreira de Liza precisava, para dar uma guinada no volume de negociações e, quem sabe, fazer com que os cachorros grandes brigassem por ela.

Os fotógrafos não poupavam os seus flashes e se intensificaram ainda mais quando a dupla de pilotos titulares da Findspot se aproximaram e os saldaram.

Charlie e Liza se limitaram à abraços rápidos e apertos de mãos agitados, afinal estavam sob o olhar do mundo todo ali. Em uma bela atuação, ninguém de fora poderia dizer que os dois não passavam de colegas de profissão que conversavam sobre as qualidades do carro com um entendimento técnico aprofundado.

Mas a empresária da jovem, mais afastada e com um olhar atento na expressão corporal dos dois, sabia que aquilo era o começo de algo que poderia colocar todo o seu trabalho e da sua cliente a perder.

Ela precisava afastá-la daquele garoto.

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