CAPÍTULO 5

A minha insistência colocou o gráfico da nossa relação em declínio e, lentamente, as coisas começaram a se degradar. O meu namorado não prestava atenção em mim. Na escola, já nem ficávamos juntos a toda hora como outrora a gente viveu, o meu pobre coração entrou em desespero e aos poucos fui consumida por este sentimento. Do dia para a noite, como da água para o vinho, tudo mudou e comecei uma luta contra uma correnteza que me conduzia para cada vez mais longe do Márcio, dia após dia. Na tentativa de melhorar a situação, decidi tomar uma atitude e fiz-lhe algumas perguntas por mensagem:

- Meu amor, por que tudo isso? O que se passa? Estás a gostar de outra rapariga?

Com tamanho desamor, o Márcio respondeu à minha mensagem:

- Estou um tanto quanto cansado do nosso relacionamento e acho melhor terminarmos ou darmos um tempo.

Por mim — a frase dar um tempo — é o mesmo que terminar o relacionamento. Quando as coisas correm bem na relação amorosa, tratamos a pessoa amada por nomes carinhosos, e quando um dos dois dá sinais de querer abandonar o barco, nós esquecemos os nomes carinhosos e passamos a chamar mesmo pelo nome e algumas vezes substituímos os nomes por palavras obscenas. É demasiadamente difícil aceitar o final de um relacionamento.

Pessoalmente, na escola, eu não quis acreditar e fiz-lhe a derradeira questão.

- Mas terminar a relação por quê?

Ele virou-se para mim, olhou nos meus olhos e disse:

- Não sei, mas se tu quiseres continuar com a nossa relação, aparece hoje em minha casa.

Os meus dias eram dominados pela pressa e sem tempo para raciocinar as coisas devidamente, confirmei que estaria lá. Pedi a autorização da minha mãe para ir passar o dia em casa da Evandra e fui até a casa do Márcio. Quando somos movidos pela aflição, fazemos milhares de coisas sem pensar, e o que parecia querer piorar, acabou mesmo por ir pelos ares quando ele tudo fez para ter-me entre quatro paredes. A princípio, ele foi muito carinhoso, dizendo que eu era a mulher da sua vida, e eu acreditei, por ser inocente. Hoje sei que não era amor, mas, sim, apego. Um apego tão profundo que me conduziu até àquela situação. Disse para o Márcio que não estava preparada para fazer o que ele tanto insistia em fazer. E tudo o que ele fez foi deixar-me envolvida com os seus beijos que me faziam não ir embora, e quando dei por conta, ele já me tinha tirado a roupa. A verdade é que quem anda à chuva se molha.

Insensível e sem consideração pelos meus sentimentos, ele disse-me o que realmente pensava:

- Se não queres, então não me amas. E se não me amas, podes ir. Está tudo terminado.

Só mesmo um rapaz sem carácter para tecer aquelas palavras. Eu não quis perder o Márcio, o meu coração era detentor de um tremendo medo de perdê-lo, mas eu não podia ceder à pressão e me entregar ao Márcio. Mesmo com tantos esforços de algumas mulheres, a sociedade torna-se cada vez mais machista, ter relações conjugais com uma mulher à base de coacção não faz de um homem um super-homem. Actos desta natureza são a principal causa de milhares de traumas no universo feminino. Tentei ser o mais resistente possível, disse que não devia ser assim, mas a mente do Márcio estava vidrada em pensamentos selvagens. Antes que as coisas saíssem do controlo, tudo fiz para sair daquele recinto e consegui, para o meu enorme alívio.

Tirar a virgindade de uma mulher é uma responsabilidade para homens carinhosos e pacientes. Tarde e má hora percebi que o Márcio não passou de um erro, que apenas quis satisfazer-se com o meu corpo e nada mais. Conheci um homem que não passou de um erro que quis satisfazer-se com o meu corpo a todo custo, sem pudor, sem qualquer remorso, apenas repleto de pensamentos sexuais e selvagens. Naquele momento, notei que namorava um homem mais do que insensível. Em segundos, as lágrimas invadiram os meus olhos, eu sonhava com uma primeira vez repleta de amor, ternura e paixão, e não daquela forma agressiva que exprimia toda a canalhice de um homem. Fiquei traumatizada e jurei jamais confiar e acreditar nos homens.

Nos meus sonhos, fantasiei que a minha primeira vez seria com o Márcio na lua-de-mel que teríamos depois de um lindo casamento, pensei que aquele momento seria ouro sobre o azul do céu. Dizem que é amor, mas é mais promiscuidade do que outra coisa. A verdadeira intenção da maioria é a satisfação sexual. Depois de tudo, eu vesti e pedi para que ele me acompanhasse e ele respondeu de uma forma grosseira.

- Não dá. Estou com muita preguiça. Veste-te rápido, os meus pais devem estar a chegar.

Coloquei a roupa rapidamente e saí daquele lugar com lágrimas nos olhos. Chorei aos prantos desde a Maianga até ao bairro do Prenda a pé, o meu desespero era tanto que me desfiz do receio de me deparar com os assaltantes do Prenda e ainda que me deparasse com um, acho que até um marginal se podia comover com o meu estado deplorável. Quase a chegar ao Prenda, deparei-me com a tia Sara, a mãe da Evandra, e lembro que ela perguntou para mim o que se passava.

A desilusão era tanta que o choro, o nervosismo e a aflição não deixavam as palavras saírem da minha boca. Sem saber o que fazer, a tia Sara levou-me imediatamente para casa.

Chegamos aos meus aposentos e a tia Sara entrou comigo. Assim que viu os meus pais, saudou-os e pediu-lhes para que prestassem mais atenção em mim, porque eu ainda era uma simples adolescente. A minha mãe respondeu com toda a hostilidade que lhe convinha naquele preciso momento. Dizendo que a senhora Sara não iria lhe ensina como educar a sua própria filha.

Triste, a tia Sara deu-me um beijo na testa e ofereceu o seu apoio para tudo o que eu necessitasse. O clima ficou embaraçoso, as pessoas não deviam ser tão duras umas para as outras. A tia Sara já não deu um "até amanhã" para os meus pais. Naquele dia, ela despediu-se apenas do meu pai e foi-se embora zangada com a péssima atitude da minha mãe. Envergonhada com a situação, a minha mãe fez um monte de perguntas para mim, que estava sem condições de responder até a mais simples das questões. Optei pelo silêncio, eu não sabia por onde começar — no fundo, faltou-me coragem para contar o que realmente aconteceu —. Faltou-me coragem para contar que quase perdi o meu maior tesouro. Um dia que deveria ser um dos melhores, muito rapidamente tornou-se num dos piores da minha vida.

Fui para o meu quarto e percebi que os meus olhos estavam inchados por causa do choro. E como se não bastasse, as coisas ainda estavam por piorar. Minutos depois, recebi uma chamada da Evandra.

- Alô, amiga.

- Alô, amiga – respondi.  

- Como estás? A minha mãe disse-me que se encontrou contigo aqui nos arredores do Prenda e estavas a chorar tanto que ela teve de levar-te a casa. O que aconteceu para ficares assim?

- Nada – eu respondi, com um tom meio fraco, sem coragem para confessar o que realmente aconteceu. - Não aconteceu nada, Evandra. Obrigada por teres ligado, a tua preocupação é muito importante para mim. Amanhã falamos, não estou a me sentir bem.

Claro que ela não acreditou que não tinha acontecido nada. Eu não iria chorar tanto do nada. Mas ela deve ter compreendido que o assunto era delicado demais para ser dito à distância. 

- Tu também és muito importante para mim, amiga – disse ela. - Por agora, tenta descansar o máximo possível. Caso precises desabafar, liga para mim e eu irei ter contigo na tua casa.

Verdade seja dita: também não tive coragem de confessar o ocorrido para a minha melhor amiga. Até hoje apenas o meu diário sabe que quase fui violentada. Partilhei o meu primeiro segredo de adolescente somente para ele, porque as pessoas não verdadeiras como aparentam ser. Senti um enorme vazio, fazia frio no meu coração, onde o calor de um amor aparentemente verdadeiro costumava aquecer intensamente como o fogo. 

Gostaria de ser feita de pedra e não composta por carne que sente dores enormes e dissabores constantes. O meu coração começou a perder luz, cintilava perdendo instantâneamente o próprio brilho. 

Levei as minhas mãos à cabeça, obstruída pela frustração, pertubada pelo misto de sentimentos que me lançou o desejo de não ser a dona do meu próprio coração para não ter que carregar o peso da dor de confiar e não seguir a actual obrigação social de desconfiar. Fraca, tentei esbravejar, neste processo de transmutação da luz para a escuridão, tento sempre nunca aceitar a escuridão.

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