Abnorú e Atter

   As ruas da cidade estavam desertas, havia um forte vento indicando que uma tempestade poderia chegar em breve, o que manteve todos dentro de suas casas olhando pela janela o clima lá fora. Porém Akír, o rei de ABAD, pouco se importava com o mundo prestes a desmoronar pelo lado de fora de seu gigantesco castelo. Suas preocupações estavam todas inclinadas para sua amada esposa, na qual estava iniciando seu trabalho de parto. Fazia algum tempo em que a rainha Amelina sentia fortes dores, e mesmo vendo sua querida esposa rodeada de servas que estavam ali para ajudá-la, Akír não conseguia se sentar e tentar se acalmar. Seu herdeiro estava prestes a nascer, e o rei estava ansioso para descobrir como seu tão esperado filho iria ser.

   – Majestade, a rainha gostaria de vê-lo. – Uma das servas veio até o encontro do rei que andava nervoso pelo salão.

   Akír respirou fundo ficando nervoso. A serva não havia lhe dito se seu filho havia nascido... Amelina estava bem? O que poderia ter acontecido?

   Sem esperar mais, Akír correu até o quarto onde sua esposa estava e se ajoelhou ao lado da mulher pálida na cama.

   – Meu amor, você vai ficar bem! Se acalme, eu estou aqui agora. – Ele disse ao perceber lágrimas escorrendo pelo rosto delicado de sua amada.

   – Estou com medo meu marido... Eu estou com muito medo. – A mulher disse virando seu rosto para ele.

   – Você irá ver, nosso filho vai nascer com muita saúde, e nós dois cuidaremos dele e o coroaremos juntos! Eu te prometo!

   A rainha se contorcia de dor cada vez que as contrações vinham, se agarrando nos lençóis, pedindo para que seu filho e ela mesma ficassem bem. Depois de algumas horas, as parteiras sorriram animadas em ver que faltava realmente muito pouco para o bebê nascer, e depois de muito esforço um lindo e saudável menino nasceu, o grande herdeiro do maior reino da terra.

   O menino chorava alto enquanto as servas o limpavam rapidamente para entregá-lo a sua mãe, que chorava de alegria ao ter a maior das vitórias que ela tanto sonhava. Seus cabelos eram negros como a noite, e seus pequenos olhos eram castanhos, como os de sua mãe, a rainha. Era sem dúvidas um lindo bebê, pronto para receber tudo do bom e do melhor de seus pais, que o esperavam desde que se casaram.

   – Como será o seu nome, querido?

   O rei a olhou com um enorme sorriso, explodindo de alegria em ver as duas pessoas mais importantes da sua vida. Ao olhar para seu filho, Akír soube que ele seria forte, e por isso seu nome teria que ser à altura, teria que o fazer ser reconhecido por todos por onde passasse, e por esses motivos, o rei pegou o bebê no colo e disse:

   – Esta criança vai se chamar Abnorú, e reinará grandiosamente!

   – Que assim seja meu marido, que assim seja... – Amelina fechou os olhos, se entregando ao sono depois de ter se esforçado tanto.

   Cinco anos se passaram desde o dia do nascimento do novo herdeiro do trono de ABAD. Ainda era um assunto muito comentado por todos tanto no castelo, como na cidade e também nas aldeias. Quando Abnorú era um bebê, todos queriam passar um tempo com ele, passando de colo em colo. Ele era um bebê muito bonito, de longe chamava atenção, mas ao longo dos anos, cada vez menos pessoas o queriam por perto.

   – Filho, venha, já está ficando tarde! Eu já mandei preparar seu banho delicioso e também seu lanchinho. – A rainha falava alto para que seu filho a escutasse.

   – Eu não quero entrar! Vá fazer suas coisas idiotas e me deixe brincar mais um pouco! – O menino respondeu sem se virar para ver o rosto da mãe.

   Abnorú era o tipo de criança que adorava provocar a ira de sua mãe, pois sabia que a mesma não iria fazer nada além de desistir e ir embora. Amelina era incapaz de pensar em dar algum tipo de castigo para seu primogênito, e por isso, a criança sabia que tinha total controle sobre ela, e que com o passar do tempo, esse poder só cresceria.

   O garoto se divertia batendo com sua espada de madeira em um boneco de pano preso no chão, no qual era usado nos treinos dos soldados de ABAD. Seus atos violentos não somente contra aquele boneco, preocupavam sua mãe que preferia pensar que ele só estava treinando para se tornar um grande guerreiro, pois ele precisava saber manusear aquela arma estando destinado a se sentar no trono. Ao se lembrar disto, a rainha sentiu sua pele arrepiar, fazendo seus olhos voltarem para o garotinho perfurando o boneco.

   – Abnorú, eu não estou pedindo, eu estou mandando que você entre, agora! Você quer que eu vá até aí?

   – Isto é uma ameaça? Eu sou o futuro rei e poderei me lembrar disso! Então cuidado com o que você fala para o futuro rei. – O garoto disse fechando os punhos a olhando diretamente.

   A rainha se espantou ao ver as palavras duras do garoto, sentindo aquele arrepio voltar em seu corpo. Não era a primeira vez que o menino a respondia de forma bruta, mas nunca havia a alertado deste modo. No fundo Amelina sabia que ela precisava fazer algo para que Abnorú mudasse, pois eram preocupantes os anos futuros se ele piorasse.

   – Nós não deveríamos ter passado a mão na cabeça dele como fizemos até agora... – Disse o rei Akír se aproximando atrás de sua esposa.

   – Talvez não... Mas pode ser só birra de criança, isso vai passar, ele só tem cinco anos! – A rainha disse sem se virar para ver o rosto do marido.

   – Temos que mudar isso, creio que não é só uma fase... Abnorú é uma criança muito inteligente, temos que fazer isso com cautela e com muita paciência. Afinal, o que pode acontecer quando ele for coroado?

   Amelina se virou segurando a mão de seu marido, o olhando com lágrimas. Não era assim que ela havia imaginado que seu filho seria, mas ela o amava tanto que não sabia o que fazer, além disso, Amelina não queria de jeito nenhum deixar Abnorú zangado.

   – Deixe que eu vá buscá-lo, você precisa descansar, pois tem outra criança sendo gerada no seu ventre. – O rei disse dando um beijo na testa da rainha, que fez como seu marido disse.

   Akír buscou o menino para dentro do castelo se perguntando o que deveria ser feito para que ele mudasse. Abnorú não tinha respeito pelos pais, ainda sendo apenas uma criança, o que tirava o sono de Akír por pensar no que ele poderia se tornar quando crescer e perceber que tem poder sobre todas as outras pessoas do reino. Além disso, outra preocupação estava presente nos pensamentos do rei, seu segundo filho. Eles precisavam usar outro método para educar o príncipe ou a princesa que viria.

   Alguns meses se passaram e a rainha deu à luz outro menino lindo e saudável, desta vez, ruivo como sua mãe e com olhos verdes como os de seu pai. Seu nome seria Atter, que combinava perfeitamente com suas feições. Atter era um pouco menor que Abnorú quando nasceu, pois o mais velho sempre foi robusto, e desta vez, Atter era mais magro.

   Os reis se alegraram em poder pegar no colo mais um saudável filho, o príncipe de ABAD, e desta vez sentiam que as coisas seriam diferentes.

   Os irmãos cresciam juntos no castelo, sendo observados por seus pais e por todos os habitantes do reino, que notavam a forte diferença entre ambos. Atter se mostrava ser um rapaz atencioso, bondoso e humilde, muito diferente de seu irmão Abnorú, no qual transpirava soberba e crueldade. Durante os anos que se passaram cada vez mais os irmãos se afastavam por serem tão diferentes. O príncipe mais novo desejava ter mais participação na vida de seu irmão, mas por vontade única de Abnorú, queria ver seu irmão bem longe de sua vida.

   Mesmo sabendo dos maus comportamentos de seu filho, a rainha preferia colocar vendas nos olhos e não enxergar as maldades que ele cometia mesmo as mais cruéis possíveis. Seu marido várias vezes a pegava chorando sozinha, e ao vê-la assim, seu coração se partia em mil pedaços nos quais ambos tentavam reconstruir com palavras de encorajamento. Era difícil saber que Abnorú havia se tornado um rapaz de má índole, e eles sinceramente não sabiam mais o que fazer.

   – Eu sei, eu sei... Mas olhando naqueles olhos, lá no fundo eu ainda acredito que ele possa mudar. Ele só precisa amadurecer! Veja, ele é apenas um rapaz! Deixe-o crescer. – Dizia a rainha andando de um lado para o outro ecoando seus sapatos pela sala do trono.

   – Querida, ele já é um homem! E você sabe disso! Em breve ele será coroado e o reino todo estará em suas mãos! O que pode acontecer quando Abnorú receber todo o poder que temos mantido com tanto cuidado?

   – Mas... Ele é o nosso filho, Akír...

   Quando percebeu que sua mãe segurava as lágrimas em frente ao pai, Atter a abraçou afagando seus cabelos. Ele de certa forma sabia o que sua mãe sentia naquele momento, pois ele amava muito o irmão, mesmo ele não dando oportunidades de uma aproximação duradoura.

   – Nós iremos resolver isso, mamãe. Eu também acredito que ele vá mudar, nós iremos ver isso no futuro.

   O rei soltou um longo suspiro ao escutar aquelas palavras. Akír o amava muito e tudo o que ele mais queria era poder voltar ao passado e consertar os erros que ele acreditava ter cometido ao ser pai. Além de suas preocupações com o filho, era inevitável não pensar também no reino que governava. Abnorú sendo seu sucessor, ABAD certamente seria levada às ruínas.

   – Eu sei o quanto tudo isso é preocupante e estressante, mas nós três temos que ficar unidos para tentar achar uma solução que seja melhor para todos. Mesmo que seja difícil de executá-la.

   Concordando com seus pais, Atter sentiu que seu dever naquele momento era achar o seu irmão que havia sumido há quatro dias. Imaginando um possível local no qual Abnorú poderia estar ele deixou seus pais e saiu do palácio indo em direção das aldeias. Enquanto andava apressado, seus olhos rapidamente o fizeram parar para ver mais um estrago que seu irmão fez.

   – Ele... Passou por aqui, não foi? – Perguntou o príncipe passando uma das mãos pelo rosto nervoso.

   – Está tudo bem, meu príncipe, eu perdoei a dívida dele. Ele não precisa mais me pagar. – Disse o mercador juntando suas mercadorias jogadas no chão.

   – Sinto muito por isso, sei o que ele fez para que você agisse assim. Mas não se preocupe, eu voltarei aqui mais tarde e lhe pagarei em dobro o que ele devia ao senhor. Quando eu estiver aqui novamente, iremos resolver o problema de suas mercadorias, agora, poderia me dizer em que direção ele foi?

   – Ah, muito obrigado príncipe! O senhor será recompensado por sua bondade! E quanto ao príncipe Abnorú, ele foi naquela direção, com certeza na casa dela...

   Atter apenas sorriu dando tapinhas no ombro do mercador, seguindo seu caminho até a última casa da aldeia, que ficava afastada o bastante das demais. Quase ninguém se aproximava daquela casa, pelo menos não os que temiam serem condenados pelo rei, mas como Abnorú sabia que um dia seria o próprio, que diferença faria? Já os outros homens que visitavam a moça, pareciam se divertir com o perigo, ainda mais sabendo que estariam com uma das mulheres mais bonitas do reino todo, Adelly.

   A moça que era odiada pelas demais mulheres do reino, e amada pelos maridos delas, aquela que se divertia em ver os homens loucos por ela, principalmente se tratando do herdeiro do trono, não poderia perder esta chance de finalmente poder ser superior a todos aqueles que queriam sua morte devido ao seu passado.

   Quando Adelly nasceu, chamava muita atenção por seus cabelos que possuíam uma mecha branca contrastando com os outros fios de cabelo castanho escuro. Desde criança, a garotinha sentia o afastamento e o medo que todos tinham por ela, que cresceu tendo que se acostumar em não ter ninguém por perto, somente sua mãe, que estava seriamente doente. Adiná, mãe de Adelly, esperava seu fim sabendo que ninguém daria ajuda a sua filha quando ela não estivesse mais viva, e por isso, implorou para que ela fosse para a casa de sua tia na floresta, lá ela aprenderia um pouco sobre como algumas plantas poderiam ser usadas na medicina, e com sorte, voltaria e ajudaria sua mãe. Além disso, aprenderia a se virar quando problemas aparecessem, o que de certa forma, Adiná sentia que ocorreria.

   Depois de alguns anos, quando todos viram o retorno de Adelly, alguns ficaram assustados e outros interessados ao ver como ela havia se tornado uma mulher ainda mais bonita.

   Percebendo que sua mãe havia piorado, Adelly tirou de seu saco alguns frascos com chá, com uma coloração rosada devido a uma flor que foi usada, e fez sua mãe beber tendo a certeza de que logo ela estaria bem. Confiante que tudo daria certo, Adelly teve uma ótima noite ao lado de sua querida mãe. Porém, ela não imaginava o que estava por vir.

   Por misericórdia da rainha Amelina, aquele dia se tornou um pouco menos atordoante, pois além de todos não gostarem de Adelly, agora a chamavam de assassina. Quando a mulher acordou naquele dia e viu que sua mãe havia sido envenenada, entendeu imediatamente que alguém havia trocado os vidros com chá por um veneno, e ela tinha certeza de quem tinha feito isso. Ao contar sua história à rainha, a mesma olhou fundo nos olhos da garota que se derramava em lágrimas. Aquilo não parecia arrependimento, e a rainha estava decidida a ajudá-la, o que não era a vontade de Akír, principalmente depois de terem acusado a moça de ter tramado a morte inesperada da mãe com magia por acreditarem fielmente que ela era uma feiticeira.

   O caso parecia não ter fim, mas depois de muita insistência, Amelina convenceu seu marido a fazer um acordo para a segurança de ABAD. Como eles não podiam ter certeza de que ela era inocente ou se era de fato uma feiticeira, Adelly seria exilada e não poderia ter contato com ninguém, mas se eles descobrissem que ela desobedeceu, sua sentença seria a morte. Além disso, toda pessoa que nascesse com a mecha branca, na qual eles acreditavam ser o sinal de que ela era mesmo feiticeira, deveria ser morta.

   Quando Atter descobriu que seu irmão se encontrava às escondidas com a exilada, ficou muito preocupado porque sabia que quem fosse encontrado com ela também seria morto, por isso contou à sua mãe, que por amar o filho, quis fingir que não sabia de nada.

   Indo em direção à casa de Adelly, não pensou duas vezes em bater na porta, mesmo correndo perigo de ser visto por alguém. Atter olhava ao seu redor enquanto esperava que alguém abrisse a porta, mas depois de longos minutos, ele resolveu entrar na casa, pois de qualquer modo eles não abririam para ninguém, muito menos para ele. Ao entrar na velha casa, o príncipe notou que na verdade ela estava vazia, o que o deixou ainda mais preocupado. Já era perigoso estar com Adelly dentro de casa, pior ainda correndo o risco de serem vistos pelas ruas! Quando o rapaz estava se retirando do local, o mesmo escutou algumas risadas vindas de fora, alguém estava se aproximando. 

   A porta foi aberta rapidamente por duas pessoas muito bem conhecidas por todos no reino, adentrando no local levando um susto ao ver que a casa não estava vazia. Imediatamente seus sorrisos foram embora ao perceber quem estava com eles, o garotinho preferido dos soberanos, como pensava Adelly.

   – O que você está fazendo na minha casa? Não sabe que é perigoso ficar aqui? Ou... Quer um pouco de diversão também? – Ela perguntou rindo debochadamente.

   – Vim buscar o meu irmão. – Atter disse sério enquanto encarava ambos.

   O casal não pôde deixar de se olhar e cair na gargalhada ao escutar aquela afirmação vinda de um garoto de dezenove anos.

   – Vá embora seu idiota, não tem nada melhor para fazer ao invés de ficar me atazanando?

   – Você precisa voltar para o palácio! O papai e a mamãe estão preocupados com você! E a sua coroação? Por acaso desistiu de ser rei?

   – E você? O que tem com isso? Por acaso quer roubar o meu lugar? Pois fique sabendo, garotinho, que se um dia você ousar tentar pegar o que é meu, será um homem morto. – Disse Abnorú, chegando perto o suficiente tentando impor medo em seu irmão mais novo.

   – Suma daqui, Atter, seu irmão tem razão, e quanto à coroação, fique tranquilo, ele não perderá a chance de mandar em qualquer um!

   Atter os encarou por alguns segundos e por fim, decidiu deixá-los como queriam, e voltar para o castelo. Porém, pelo caminho de volta, não pôde deixar de pensar no que aconteceria a partir dali. Sem sombra de dúvidas seu irmão iria querer para ser sua esposa aquela mulher, e de exilada e odiada, ela passaria a ser a rainha, a adorada rainha do maior reino da terra. O que aconteceria com o reino ABAD? Com tudo que foi construído a milhares de anos? Quão pior o seu irmão e Adelly poderiam se tornar tendo todo o poder em mãos? Atter estava inseguro, com medo e confuso sobre como resolver essa questão tão importante, mas o que ele nunca imaginaria era que o futuro iria ser muito pior do que ele imaginava agora.

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