06

O sinal do final da aula soou, tirando-me de meus devaneios enquanto eu o via estudar os vários papéis que espalhara sobre a mesa. Aparentemente, Liam já queria começar com todo o ânimo, afinal, o ano letivo nem tinha começado para ele e eu já o via debruçado em vários e vários relatórios.

- O seu tormento acabou, Mads. – ele falou enquanto recolhia os papéis. Tinha ficado ali por todo o resto da aula da qual fui tirada sem motivo algum, tendo ainda que esperar a minha mãe para me buscar, o que me lembrava que ir de carro era uma opção viável e agradável.

Ele se levantou junto comigo e me acompanhou até a saída do refeitório. Olhei para o corredor cheio de gente, com pessoas indo de lá para cá, rindo de coisas bobas e ainda conversando com alguém a dez metros de distância como se esse estivesse ao seu lado, e me bateu um sério desânimo.

Já colocou fogo em um formigueiro? As formigas com a sua casa destruída e incendiada tinham o mesmo comportamento alvoroçado. Não estava preparada para enfrentar aquele mar de gente outra vez. Os ânimos pareciam ainda mais alterados pelo fim do dia letivo e as formigas pareciam confusas, alvoroçadas. Na verdade, eu não sabia o que os deixava mais agitados, o começou o fim do dia naquele lugar.

Aproveitei a deixa de Liam que ia logo a minha frente e o segui de perto para poder sair sem muito esforço.

Selvagens, isso que eram! Nós chegamos à saída em poucos minutos e eu ergui o meu corpo, colocando-me sob as pontas de meus pés tentando procurar Gaya no meio da multidão.

É claro que eu não tive muito sucesso – o que não quer dizer que seja pela minha altura não muito favorecida.

Eu sabia que ela não ficaria satisfeita se eu fosse embora sem me despedir ou ainda expressar a minha revolta sobre um determinado professor fascinante que era também muito irritante. Na verdade, tinha certeza que o seu assunto do dia seria o tal do professor Morris e não sabia se estava pronta para ouvir. O cara dormia com as alunas – não que antes esse incrível conclusão me afetasse – e ainda parecia ter algo contra mim. Logo no primeiro dia eu já conquistava fãs, impressionante.

Eu observei o carro de minha mãe ao longe, lutando para estacionar junto à guia. Ela buzinou para mim e eu suspirei pensando na bronca que levaria de Gy no dia seguinte – eu estava considerando faltar à aula, até. Eu não gostaria de ver aquele meio metro de gente bravo, não mesmo. Liam percebeu minha movimentação e se despediu com um beijo em minha bochecha antes de ir ao carro estacionado um pouco ao longe no estacionamento.

Rendida – como se eu quisesse ouvir mais alguma coisa do professor Morris hoje –, andei rapidamente, pelo menos o mais rápido que as pessoas em meu caminho permitiam, e entrei no carro já parado junto à guia – uma chance única. Minha mãe me cumprimentou animada enquanto perguntava como tinha sido meu primeiro dia e tentava sair do lugar com o carro, mesmo que a fila de carros ao lado não permitisse. Eu não estava exatamente eufórica em minhas respostas, para falar a verdade.

“Mãe, eu descobri que tenho um professor de laboratório que é extremamente sedutor e, aparentemente, um idiota.” Será que ela ficaria feliz com meu resumo do dia? Era depressivo que eu resumisse meu dia a ele. Eu podia falar de Liam também. Seria bem mais interessante voltar a minha paixão platônica e deixar o professor longe de meus pensamentos – tanto quando eles eram ruins, quanto quando eram bons.

Certo, depois de cinco minutos ali naquele lengalenga, eu estava achando a ideia de vir de ônibus extremamente sedutora. Adorável para falar a verdade. Eu a colocaria em prática assim que eu pudesse, tinha certeza. Nós estávamos mais tempo paradas ali do que se eu tivesse ido para casa a pé.

Bem, deixando a minha revolta de lado e voltando a falar em sedutor... O professor Morris saía apressado do prédio com umas pastas em mãos e um sorrisinho irritantemente bonito no rosto. O seu cabelo estava ainda mais bagunçado e a gola de sua camisa social preta parecia desarrumada propositadamente. Ou ele estava brincando de Conde Drácula ou escondia algo sob o pano.

A minha mãe começou a buzinar loucamente e imaginei que ela estava estressada com o trânsito. Não era difícil vê-la perder a paciência. Na verdade, tinha sido o motivo alegado por meu pai para a separação. Sim, sim, que bizarro.

Não era bem mais fácil falar que não estava mais dando certo do que alegar que a outra pessoa era um tanto “explosiva” demais?

Mas não era o trânsito. E se eu tivesse tirado os meus olhos dele, olhos tais que o seguiam como polos opostos de um imã – que não era algo tão novo quanto deveria –, eu teria percebido exatamente o motivo de sua ligeira careta e depois o seu rápido sorriso – exatamente assim, no maior estilo bipolar. E teria realmente entendido o motivo dele estar se aproximando de meu carro, mesmo que esse fosse desesperador.

Olhei para minha mãe, incrédula. Ela acenava energicamente para o meu professor. Em que lugar do universo eu tinha sido jogada? Que tipo de mundo paralelo e bizarro era aquele? Certo, não havia nem tido reunião de pais e mestres para que aquele momento constrangedor ocorresse. O que estava acontecendo ao meu redor? Era um pesadelo? Alguém me acorda?

O homem incrivelmente lindo, quero dizer, o professor Morris andou pela entrada como se fosse um rei, sem a menor dificuldade que eu tivera – talvez fosse um complô do universo, vai saber. Ele se debruçou em meu vidro como se apenas estivesse com preguiça para dar a volta e falar direto com minha mãe e olhou para dentro do carro. Seus olhos recaíram sobre mim por alguns segundos e me senti tremer pouco – mentira, eu sentia cada parte de mim morrendo – antes dele desviar os olhos para a minha mãe. Na verdade, agora ele sustentava um sorriso que iluminaria até mesmo o céu da noite mais escura e sem lua.

- Olha o que o vento trouxe. – a minha mãe cantarolou, mais feliz impossível. – Samuel Morris, há quanto tempo, querido. Como você está diferente...

- Olá Emma – ele a cumprimentou de volta. Eu me sentia engasgar.

A imagem do adolescente magrelo veio em minha cabeça e não se conectou de modo algum com o adulto deslumbrante. O aparelho dental, as milhões de espinhas que pareciam vulcões em plena atividade na pele extremamente pálida. Os cabelos curtos e batidinhos, no melhor estilo mauricinho.

É claro que eu já tinha visto aqueles olhos antes. Eu não esperava vê-lo tão crescido – na verdade, nem o esperava ver novamente –, mas se eu observasse bem ao fundo dos olhos bem azuis que pareciam agora tão capazes de hipnotizar qualquer um, ia encontrar o mesmo garoto que um dia encontrei, que um dia idolatrei e amei.

Eu tinha pouco mais de oito anos quando ele foi embora. Estudar fora do país, fazer uma pós ou sei lá o que, foi o que os seus pais disseram quando ele partira sem se despedir. Um choque. Lembrava-me dele em cada parte daqueles meus oito anos, sempre rodeando-me, sempre sendo mais um irmão para mim. Ele tinha sido criado a vida toda em minha casa. Filho dos melhores amigos de meus pais, de meus padrinhos.

Bass, meu querido Bass. Como eu pudera me esquecer? Já fazia tanto tempo assim? Era certo que o nosso contato com a família Morris tinha diminuído com o tempo, mas eu ainda o tinha como exemplo, certo? Quando eu tinha oito, ser um dia como ele era tudo que eu almejava. E há tanto, ele parecia ter caído no esquecimento. Como eu pudera? Tinha sido apenas como os meus ursinhos de pelúcia que pegavam pó no sótão de minha casa? Eu nem me dera ao trabalho de lembrar ao ver os seus olhos? Ele o tinha feito?

- Não sabia que tinha voltado, Samuel. – minha mãe falou animada. – Eu sinto falta daquele tempo. – riu entristecida. – Maddie nem deve se lembrar, era tão pequena... – senti-me corar, tendo seus olhos recaindo sobre mim de novo. Lembrava-me tão vagamente que parecia ter sido em outra vida. Ele também teria esquecido? – Mas acho que se lembra. Ela idolatrava você. Chorou por dias quando foi embora.

- Mãe... – esbravejei, mas saiu como um gemido de dor. Era uma verdade, mas agora, o meu professor que aparentemente tinha algo contra mim não precisava saber. – Não acho que o professor Morris esteja interessado em nostalgia.

- Professor? – ele concordou com a sua cabeça, como se não tivesse espaço para falar e eu abaixei meu olhar. – Você em uma sala de aula? – riu como se fosse a melhor das piadas. – Você gostava de fugir delas, se bem me lembro. – ele sorriu genuinamente. Por que era tão difícil me manter sã ali? – Deve ser um pouco difícil para as suas alunas tirarem boas notas com você as distraindo. – alguém oferece uma bola de algodão para minha mãe colocar na boca e parar o disparo de perguntas? Eu me senti afundar no banco, envergonhada. Sim, mãe, era mesmo difícil.

Ele riu com gosto. Oh certo, por que tinha de ser tão... Miraculosamente bonito? A minha mente não conseguiria lidar com aquilo. Eu ergui meus olhos para observar aquele seu movimento tão desenvolto e me deparei com uma marca em vermelho. Um chupão? Por que na minha cabeça vinha a imagem de Mia Laurence? Será que eu era adivinha? Ew, nojento! – para ele e não para ela, claro.

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