05

Aquilo era pior que tortura. Eu acabaria contando o que fosse que ele quisesse se ele continuasse a me olhar daquele jeito.

- Hm. – ele pareceu pensar. – Saiba que eu não admito conversas paralelas em minha aula, White. – ele falou seco.

Ele parecia ter mudado da água para o vinho e não imaginava o que tinha perdido no meio do caminho. Ele parecia bruto agora, como se tivesse mudado de opinião sobre ser como era. Outras perguntas foram feitas e ele as respondeu da mesma forma desenvolta. Ele era bipolar, tinha um sério distúrbio de personalidade dupla ou ainda o som de outra voz senão a dele o irritava? De qualquer forma, achei melhor não me expressar mais sobre a “biscatisse” – sim, elas tinham uma nova palavra – das meninas daquela sala. Um menu e tanto para ele, claro.

Quando as perguntas enfim cessaram, ele voltou o seu corpo – e que corpo! - para a lousa e começou a escrever rápido, a enchendo em questão de minutos. Eu não soube exatamente o que me impeliu a copiar e não apenas prestar atenção aos seus movimentos, mas fosse o que fosse, merecia muitos agradecimentos. Bem, aquela era a prova de que meu lado racional ainda funcionava, às vezes.

Eu copiei o seu pequeno manual de relatórios com quase a mesma rapidez na qual ele era passado na lousa, o que me impediu de observar seus movimentos – algum dia, ainda agradeceria. Eu observei o professor Morris sentando em sua cadeira, colocando os seus pés revestidos por sapatos bem encerados que pareciam caros sobre a mesa larga e que não tinha mais que uma pilha de papel – relatórios, pelo que me parecia. O seu olhar estava meio perdido, como se estivesse pensativo.

Já disse que ele era bonito? Bem, tenho certeza que já disse, mas precisava repetir aquilo várias vezes. Ele era magnífico! Eu já tinha acabado há um tempo e não sabia bem o que fazer a seguir a não ser admirar a sua beleza – coisa que descobri ser muito fácil fazer –, mas quando ele saiu do transe de seus pensamentos e o seu olhar recaiu sobre o meu, eu me senti tremer por sua força e também por ser pega no flagra. Era quase como se não fosse a primeira vez que eu olhava naqueles olhos bonitos e frios, mas de fato eu nunca os tinha analisado tanto.

- White! – ele exclamou me fazendo levantar o olhar para ele de novo, mas um tanto mais assustada dessa vez. – Por que não está copiando? – perguntou mandão. Era como se estivesse apenas esperando um deslize para que pudesse implicar comigo. No parecia o mesmo ser que respondia as perguntas dos outros com desenvoltura e até mesmo amabilidade, mesmo que às vezes se escondesse em um tom malicioso.

- Eu já acabei. – falei seca. Ugh! Por que ele queria tanto pegar no meu pé? Eu não o vejo esbravejando com a tal da Mia Laurence por ela estar... Certo, lixando as longas unhas. E eu tinha quase certeza que ela não tinha copiado nada da lousa, tendo perdido tempo demais admirando o físico magnífico do professor.

Ele colocou os pés no chão e levantou de supetão. Falar que eu não percebi sua aproximação seria mentir descaradamente, afinal, os meus olhos – grandes fãs dele – observavam todos os movimentos. Quando ele parou ao meu lado e se inclinou junto à minha mesa para ver meu relatório, tenho certeza que meu coração parou de bater. Eu prendi o ar, mesmo que o seu estonteante perfume – que homem cheiroso! – já se embrenhasse em meu sistema, deixando-me zonza.

- Hm. Pode sair. – ele apontou a porta, sugestivo. Sério? Ele estava me tirando da sala? Por que? Na verdade, aquilo era mais o meu subconsciente protestando por não mais vê-lo naquele dia, por não poder passar mais um segundo ali.

Ele se afastou de minha mesa rapidamente, voltando para a sua mesa e à sua antiga posição. Eu fixei meus olhos nele por alguns segundos, enquanto via um grupo de alunas fazendo uma rodinha ao seu redor com cadernos em mãos. Era só copiar, qual era a dúvida nisso?

Bufei, sentindo-me furiosa. Ele não tinha mandado nenhuma sair da sala assim como tinha feito comigo. Recolhi o meu material de qualquer jeito, observando Gaya me olhar com confusão. Certo, que bom que eu não estava ficando paranoica e com a impressão de que eu estava sendo perseguida. Gaya também tinha visto aquele seu comportamento estranho.

Afastei o meu banquinho com força, deixando-o fazer barulho contra o chão. Andei a passos largos, atravessando a sala. Agora, tinha algumas meninas fazendo fila ao lado de sua mesa e tive que me desviar delas para conseguir sair. Sentia seu olhar me perfurar enquanto eu fazia questão de me manter olhando pasta frente, sem prestar atenção nele por nem mais um segundo – afinal, se prestasse, eu tinha quase certeza que meu corpo se negaria a ir embora.

Passei pela porta e a trouxe com força atrás de mim, fechando-a com fúria e um estrondo particularmente alto. Já tínhamos começado mal e eu me perguntava se havia sido só por meu comentário com Gaya. Sério, o cara era muito perturbado, afinal todos pareciam engajados em um falatório enquanto eu saia da sala. Bem, não queria avisar, mas aquilo era conversa paralela, sabe, professor?

Andei até o refeitório mastigando a minha raiva pela perseguição sem motivo e encontrei Liam com uma mesa cheia de papéis. Era claro, os veteranos só começariam a ter aula daqui a alguns dias, o que me deixava sem saber o que ele estava fazendo lá – não que eu estivesse de alguma forma reclamando.

Eu me deixei sorrir um pouco. Tinha sido legal de sua parte ter nos defendido do professor Morris, mesmo que para com ele eu não desejasse aquela distância que Liam pregava – certo, fiquem quietos pensamentos pouco ortodoxos. Eu me aproximei sem muita certeza e quando já estava perto da mesa, ele ergueu os olhos para mim. Pela sua expressão, ele não me esperava ver ali tão cedo, tendo me deixado há não tanto tempo no laboratório de Química – ao qual meu corpo queria voltar.

Ele fez menção à cadeira para mim e eu suspirei, sentando-me ao seu lado.

- Problemas, pequena Mads? – ele perguntou curioso.

- Estava certo Liam. – eu sorri enfezada. – No primeiro momento, não soube o motivo de desgostar dele, mas de fato ele não é a melhor definição de adorável.

- Ele deu em cima de você? – perguntou direto e eu me senti corar.

- Não. – por que diabos aquela negativa fazia a minha mente gritar chateada. – Ele deveria? – eu perguntei meio confusa. Meus pensamentos gritavam que sim.

- Ele me fez terminar um namoro por causa disso. – ele deu de ombros, era como se aquilo já não importasse mais. – A minha ex resolveu dormir com ele. Assim como a maioria, senão todas, mulheres daqui. – ele falou sem humor. Ok, aquilo não era mais um caso de passatempo, era um vício. Eu me senti engolir em seco. – O que ele fez, Maddie? – perguntou.

- Colocou-me para fora da sala. – ele entrecerrou os olhos, meio confuso. Certo, eu também estava. O motivo de haver aquela parte em mim que preferia que tivesse sido parte da regra era muito obscuro para mim.

- Estranho. – parecia mesmo pela sua expressão. – Acho que sempre podemos ter uma exceção, afinal. Mesmo com um cafajeste como Samuel. – ele não parecia gostar nada, nada do professor. – E para dizer a verdade, fico feliz que a exceção seja você, Maddie. – a ligeira careta em seu rosto se transformou em um sorriso, enquanto ele desarrumava o meu cabelo como fazia quando eu era criança.

Sorri, esquecendo a minha ira. Era impossível me lembrar de algo meramente insignificante quanto aquilo perto, enfim, de Liam. Como tinha conseguido respirar por aqueles últimos três anos sem ele? Por que aquilo parecia tão certo em minha cabeça se para ele eu não passava de uma garotinha? Aquilo não era nada bom! Eu já via algo como uma decepção virar a esquina de meus sonhos.

Eu respirei fundo, mandando aquele pensamento para longe. Eu me sentia tão bem ali e não me importava o que viesse depois. Eu tinha direito de viver o momento e nem mesmo os pensamentos que nublavam a minha mente sobre o professor Morris me impediriam de apenas pensar no quão bom estava sendo ter Liam de volta.

Ok, eu só precisava continuar a pensar naquilo, afinal, fazer parte da regra não era meu desejo. Mesmo que fosse muito tentador, mas muito mesmo.

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